Estou duplamente chocada, não só pela perda do Nuno Loureiro, mas também que um antigo estudante internacional português tivesse feito tal coisa. E receio a eventual reacção de Trump.
A Destreza das Dúvidas
Um blogue de tip@s que percebem montes de Economia, Estatística, História, Filosofia, Cinema, Roupa Interior Feminina, Literatura, Laser Alexandrite, Religião, Pontes, Educação, Direito e Constituições. Numa palavra, holísticos.
sexta-feira, 19 de dezembro de 2025
Nem de propósito
quinta-feira, 18 de dezembro de 2025
Até o lava-loiças
No meio de todo o sentimento anti-imigrante acontecem coisinhas surreais. Nnas redes sociais, num dos grupos de portugueses nos EUA, alternam-se posts anti-imigração em Portugal, posts pró-Trump, e até um post a dizer que Newark já não é tão portuguesa como antes. Em Portugal, uma amiga minha (portuguesa), envia-me mensagens para eu não me preocupar, que já acendeu um velinha à santa dela para me proteger, mas que não há problema, pois sou da "Europa", não sou "da imigração sem interesse, a dos que sabemos." É um conceito subjectivo.
Uma vez, estava numa reunião de trabalho e um (antigo) colega meu francês falou dos portugueses que tinham emigrado para França e que eram porteiros de prédios, pessoas mesmo de baixa condição, sugeria ele. Eu fiquei calada. Na equipa, eu sou a que tenho mais formação académica, falo melhor inglês do que o resto da malta, mesmo os americanos (eles estão sempre a dizer-me isso); não quer isto dizer que eu seja melhor do que os portugueses de outrora, aliás, eles são eu porque tenho familiares que foram para França nas condições que ele descreveu, mas parece que o ser português não é exactamente um imigrante com interesse para toda a gente.
Convenhamos que isto de haver pessoas de primeira e o resto é um tipo de pensamento que é transversal a muita gente em muitos países neste momento. Talvez tal tenha sempre acontecido desde que o Napoleão inventou o conceito de nacionalismo ou, se calhar, vem mais de trás, da altura do Império Romano, mas o que distingue a actualidade do que havia há uns 15 ou 20 anos é o à-vontade com que se exprimem estas ideias. Por um lado, é saudável que haja liberdade de expressão; por outro lado, estas ideias são tão sujas e nojentas que até o lava-loiças foge disto.
quinta-feira, 6 de novembro de 2025
A Resistência ergue-se
Sempre que há alguma situação que deixa a Administração ficar mal-vista, a Administração manufactura uma crise. No seguimento da Marcha "No Kings", a ala leste da Casa Branca foi demolida, logo o preço das eleições de ontem vai ser o caos no transito aéreo, pelo menos, porque as coisas estão a intensificar. As redes sociais estão cheias de vídeos e de casos de pessoas que foram detidas por ICE, que descrevem situações aberrantes de violação de direitos humanos, para já não falar dos constitucionais. Um cidadão irlandês residente nos EUA foi detido porque se parecia com alguém latino. Durante a sua estadia, viu um homem que também estava detido queixar-se de dores no peito, não lhe foi dada a devida atenção médica e alguns dias depois a pessoa teve um ataque cardíaco e caiu no chão. O irlandês acabou por ser deportado, apesar de nunca ter estado ilegal.
Na Califórnia, Gavin Newsom, o governador, enviou um vídeo a um jornalista de uma intervenção da ICE que deteu um homen num parque de estacionamento e deixaram o seu filho bebé no banco de trás do carro. Depois os agentes da ICE levaram o carro com o bebé; horas mais tarde o homem foi libertado porque era americano e o bebé foi reunido com a família. O Newsom estava a tremer a falar do caso com o jornalista. Em Chicago, grupos de mulheres americanas andam com apitos a alertar as vizinhanças sempre que encontram agentes da ICE, algumas perseguem os carros da ICE nos seus próprios carros, outras oferecem as suas lojas como sítio seguro para quem precise de abrigo dos agentes. Há advogados a relatar o que se passa nos tribunais e dar o seu testemunho das violações da administração. Há padres de diversas denominações a dar sermões a criticar a Administração, etc.
Apesar de tudo, não está a correr mal. Nota-se que o Trump é a figura pública, mas o esforço de "purificação da sociedade" é do Stephen Miller, enquanto que o Russell Vought está encarregado de destruir o funcionamento do governo federal. Estes são metódicos e competentes, mas a maior parte do resto da Administração é trapalhona, mas quer apresentar resultados rápidos e depressa e bem há poucos quem. Se fossem mais pacientes e metódicos, estaríamos em pior situação.
Há várias ideias que são bastante queridas aos americanos: o final feliz, o preferir o "underdog" a quem tem poder, a ideia de que qualquer pessoa pode ser chamada a ser um herói, o triunfo do bem sobre o mal, etc. Se tinha de acontecer, não é mau de todo que este ressurgimento das ideias fascistas esteja a ter maior expressão primeiro nos EUA porque os americanos são um povo que está disposto a resistir. A angariação de fundos para apoiar causas, o insistir que a sociedade civil se empenhe em financiar a educação, a cultura, e a saúde, e dedique parte do seu tempo livre a voluntariado, uma sociedade civil afluente e que não dependa totalmente do estado, e mais recentemente a invenção das redes sociais, a ideia do cidadão jornalista, etc.--tudo isso são armas de resistência, caso o governo se vire contra o povo e é o que nos vale agora. É mesmo "We the people".
domingo, 26 de outubro de 2025
Há sempre os jacarés
A Administração indica que 400 mil imigrantes ilegais já foram deportados este ano. O que é ser imigrante ilegal? Há pessoas que estão legais nos EUA, que nunca estiveram ilegais, mas a quem a Administração retira o visto, logo passam a ilegais e são deportados. É normal, "agentes" da ICE irem a centros comerciais e prédios de apartamentos e apanharem pessoas, colocarem-nas num camião, por vezes um camião de mudanças alugado, sem atender à segurança durante o transporte de quem apreendem, e levarem-nas para prisões privadas, onde são mal alimentadas e não têm acesso a cuidados de saúde (um dos meus amigos em Houston foi deportado recentemente, e soube pela família que era acordado às 5h30 da manhã para tomar o pequeno almoço e depois tinha outra refeição às 15h, a comida era de má qualidade, e não davam água suficiente para o manter hidratado; apesar de ele ser diabético, não tinha acesso a insulina). Também ouvi relatos de que nem sempre são agentes da ICE, porque supostamente há um programa em que a administração paga $1.500 por pessoa apreendida que for entregue. O meu amigo, apesar de ilegal, pagava impostos, tinha comprado uma casa recentemente, e tinha iniciado o processo para se legalizar há anos.
O objectivo é deportar um milhão de pessoas até ao final do ano, logo o Presidente está prestes a substituir os reponsáveis pela ICE para acelerar o processo. Uma das pessoas próximas do Presidente (infelizmente chama-se Laura) até já sugeriu que há 6,6 milhões de jacarés com fome. (Ironicamente, sempre achei que o crime perfeito era ir à Louisiana ou à Florida e dar a vítima de comer ao jacarés--é no que dá ver documentários sobre gangs violentos).
Em algumas cidades, a Guarda Nacional foi acionada (já chegou a Memphis), supostamente para combater crime. A Guarda Nacional é uma força de reserva, muitos jovens inscrevem-se porque lhes pagam as propinas e taxas de frequentar a universidade; em troca esses jovem oferecem um fim-de semana por mês para se treinarem e, em caso de emergência, são activados. Normalmente, as emergências que os activam são prosaicas--um pós-furacão, tornado, ou inundação, mas também podem ser despoletadas para "manter a ordem". Depois há as forças militares propriamente ditas. O Secretário à frente do Departamento da Guerra, é o Pete do WhatsApp, aconselhou o topo das forças militares a tratarem o território nacional como treino para intervenções militares, ou seja, usarem força bruta.
Obviamente, parte da população está horrorizada e outra parte encantada com tal exibição de força. A marcha "Não há Reis" foi um sucesso, com 7 a 8 milhões de pessoas a participarem por todo o país. Foi este o tópico da conversa durante alguns dias até que o Presidente decidiu destruir a ala leste da Casa Branca e deixou-se de falar da marcha.
É imperativo que a Europa emita um alerta aos seus cidadãos: os EUA neste momento não são um país seguro onde viajar. As coisas estão a deteriorar-se muito rapidamente e os países europeus vão ter de decidir qual a melhor maneira de confrontar os EUA quando os seus cidadãos começarem a ser apreendidos. Notem que ser deportado pelos EUA não é trivial, o Supremo Tribunal autorizou que os EUA deportem pessoas para terceiros países e há acordos entre os americanos e alguns dos países mais inseguros do mundo (por exemplo, o Sudão do Sul) que permitem deportar pessoas para lá, independentemente de os países de origem destas pessoas se disponibilizares para os receber de volta--os americanos nem contactam os países de origem dos deportados. E há sempre os jacarés.
domingo, 12 de outubro de 2025
É a economia agrária, estúpido!
Com o apagão governamental, os americanos deixaram de ter acesso a muitos dos serviços que o governo oferece, especialmente em gestão de risco. A maior parte das entidades governamentais deixou de publicar dados da economia americana e também não estão a recolher todos os dados do costume, logo vai ser difícil ter ideia de como as coisas estão na realidade, mas mesmo que os dados estivessem a ser recolhidos, toda a análise está calibrada para um funcionamento da economia que já não existe porque Trump destruiu parte dos estabilizadores automáticos da economia. O exemplo mais flagrante é o da agricultura.
Os EUA são um dos principais produtores de commodities do mundo (em agricultura, que é a área que conheço melhor, produzem carne de frango, porco, e vaca, trigo, milho, soja, óleo de soja, farelo de soja, arroz, algodão, etc.), mas recentemente foram ultrapassados pelo Brasil em bastantes áreas. A China é o maior importador de commodities do mundo e o maior comprador de commodities americanas, menos este ano porque o Trump impôs-lhes tarifas outra vez e a China deixou de comprar. A primeira vez foi em 2018, o que fez com que os preços das commodities afundasse, mas esse episódio foi interrompido pela pandemia e Trump conseguiu negociar um acordo com a China que requeria que a China comprasse um certo montante de commodities agrícolas, o que fez com que os preços recuperassem. Nessa altura, a China não tinha grande opção por causa da pandemia, mas também porque quando o resto do mundo estava em lockdown, a China estava aberta, logo necessitava de matéria prima para abastecer o resto do mundo (caso do algodão).
Apesar de Biden continuar a mesma política comercial com a China, o acordo comercial de Trump tinha um prazo limitado e expirou sem que outro fosse negociado. Então a ideia de Trump neste segundo mandato era que ao "implicar" com a China, iria acontecer o mesmo que no primeiro e a China iria capitular e acabar por comprar as commodities americanas. Só que nos últimos cinco anos, a China aproximou-se a América do Sul, especialmente do Brasil, e também reactivou relações comerciais com a Austrália, que também produz algumas commodities, e com isto os EUA perderam algum poder de negociação, logo desde Abril deste ano, os preços das commodities têm estado em queda. Por sua vez o Brasil continuou a aumentar a sua produção de commodities e o custo de produção do Brasil é inferior ao dos EUA, logo o Brasil tem margem para fazer face a descidas de preço.
Quando os preços ficam muito baixos, os agricultores americanos têm a opção de emprestar o produto ao governo federal em troca de financiamento e quando os preços recuperam, os agricultores saldam o empréstimo e vendem o produto a preços de mercado que já estão mais favoráveis. A existência destes empréstimos faz com que os preços das commodities dificilmente desçam abaixo do pagamentos do empréstimo. Acontece que o governo federal está fechado (por coincidêcia, até estamos na altura em que os produtores começam a colher o produto), logo não dá para emprestar ao governo, o que faz pressão nos preços e limita o acesso dos agricultores a capital para fazer face às suas despesas.
A China pode esperar porque as colheitas australiana, brasileira e argentina surgem no mercado antes da americana, já os agricultores americanos não e as falências já começaram. Também já começaram os telefonemas ao membros do Congresso a reclamar e Trump já disse que vai haver um pacote de apoio aos agricultores, mas não tão generoso como o do primeiro mandato. Claro que, no primeiro mandato, Trump não despediu os empregados do governo federal como está a fazer agora. Mesmo que ele queira dar dinheiro aos agricultores, é provável que quando chegar altura de fazer os pagamentos não tenha ninguém para os processar.
quinta-feira, 2 de outubro de 2025
Nove meses
Depois em Abril tivemos o exame que foi outra fonte de stress, mas correu bem. Faltava depois terminar as horas de voluntariado: 20 horas de serviço comunitário, mais 20 de voluntariado para o serviço de Extensão da Universidade do Tennessee, e depois mais 8 horas de educação continuada (palestras, seminários, aulas online), que tinham de ser terminadas antes do início de Agosto para podermos participar na cerimónia de graduação a 21 de Agosto. Ainda dei mais um pulo a Portugal em Junho/Julho para ver o meu pai e ir a um casamento.
Consegui completar todos os requisitos e terminar a certificação de jardinagem, mesmo a tempo de ir ao Texas em visita de trabalho para avaliar a colheita de algodão. Cheguei ao hotel, fiz o check-in, e fui dar uma volta a pé para andar 10,000 passos. Estava quase a regressar ao hotel quando vejo que a minha irmã tinha enviado várias mensagens. O meu pai tinha acabado de falecer. "Quando vens?" perguntou ela, "Não vou" respondi.
Não queria ir ao funeral, não valia a pena, tudo o que podia fazer pelo meu pai estava feito, e tanto eu como ele não gostamos de funerais. Depois a logística do regresso ia ser um pesadelo: tinha de regressar a Memphis para pegar o passaporte e poder sair do país, depois arranjar um voo de emergência para ir a Portugal, fazer as malas, e passar uns três dias a andar às voltas com viagens não era o que eu queria fazer naquela altura. Para além disso, quando o vi em Junho sabia que era a última vez que estava com ele. E quando falei com ele alguns dias antes de ele morrer, pedi-lhe para ele morrer. Já não podíamos fazer nada por ele, o corpo estava demasiado gasto e ele não estava numa situação confortável. Disse-lhe que estavamos bem, que ele não precisava de se preocupar connosco, mas que estávamos preocupados com ele porque sabíamos que estava a sofrer.
Apesar do alívio que senti ao receber a notícia, era-me difícil pensar nele e não chorar, e não disse a quase ninguém. Passei três dias a medir o algodão com um colega que não sabia do que se passava comigo; no carro, de vez em quando começava a chorar, mas não o suficiente que ele se apercebesse. No último dia, perguntou-me se eu queria ir jantar. Não queria, tinha de terminar de preparar o relatório da visita para a reunião do dia seguinte. Apresentei os resultados e desculpei-me porque tinha de sair para ir para o aeroporto. Depois à noite, peguei o meu sobrinho no aeroporto que vinha passar quase três semanas comigo e finalmente disse no trabalho o que tinha acontecido. Deram-me três dias de folga e fomos a Nova Orleães, que é um sítio em que a fronteira entre a vida e a morte é bem esbatida--e tem boa comida.
Concumitantemente, o reino de terror do Trump adensa-se. Para além da incerteza que ele criou em termos de funcionamento da economia com as tarifas que são, mas não são, o governo federal deixou de cumprir leis e faz o que lhe dá na telha. Daqui a uns dias, irá haver um intervenção militar em Memphis, supostamente para reduzir o crime, mas é óbvio que é uma desculpa para caçar pessoas que eles não gostam e as meter na prisão. Mesmo cidadões americanos têm sido presos por engano, mas nem sei, e tirando as aventuras com o meu sobrinho e as viagens de trabalho, tenho passado bastante tempo em casa. Quando saio à rua levo o meu passaporte americano.
No trabalho esta semana, dizia aos meus colegas que receava ser presa, e eles acham que estou a exagerar. Só pessoas más estão a ser presas, asseguravam. Por enquanto, a maioria das pessoas presas são imigrantes ilegais ou pessoas que eles não querem que fiquem nos EUA, mas ainda a procissão vai no adro. Conheço algumas pessoas que estão ilegalmente nos EUA, e um deles foi preso. Tive alguma esperança que com o tempo fosse libertado, mas depois de ouvir um dos episódios mais recentes do This American Life, acho que o mais provável é a pessoa morrer na prisão porque é diabético e não lhe estão a dar comida adequada, nem medicamentos, ou deportarem-no. Se tivermos sorte, vai para o país de origem, senão, ainda acaba num país africano dos mais pobres.
É difícil acreditar que isto é a realidade porque há uma certa aura de normalidade nos dias: o sol brilha, os vizinhos cumprimentam-se, o pássaros cantam. Por coincidência, em 1995 ou 1996, li um livro de Arthur Miller chamado Focus, que é sobre um homem que não é judeu, mas acha que se parece judeu e então tem imenso medo de ser identificado como judeu. É adequado para os tempos que correm na América. A Heather Cox Richardson, uma historiadora americana, diz que as circunstâncias actuais não são únicas na história e que os EUA já ultrapassaram crises semelhantes antes e penso que sim, esta loucura irá ser ultrapassada.
Num discurso recente, o primeiro ministro do Canadá, Mark Carney, citou Leonard Cohen na canção Anthem: "There is a crack, a crack in everything | That's how the light gets in". E há alguns raios de luz, como o episódio do Kimmel; os americanos têm poder de compra e houve um número suficiente que cancelou a subscrição dos canais da Disney para a companhia voltar a trás. Estou convenciada que o desmoronamento desta loucura vai ser despoletado por motivos económicos. Quando começa a doer no bolso, os americanos entram nos eixos.
quarta-feira, 13 de agosto de 2025
Nem tudo está perdido, especialmente na rua
Claro que estou a ser injusta porque há coisas bastante importantes que tem tratado, como a preocupação do executivo em limitar o tempo que as mães têm acesso a um horário laboral reduzido para que possam amamentar os filhos. Não basta Portugal ter pouquíssimas grávidas, ainda tem a infelicidade de haver umas que têm o hábito de abusar dos seus direitos pós-parto. A Ministra do Trabalho, Solidariedade, e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho, acha que se deve mudar a lei para que não haja abusos porque "acha" difícil de conceber que uma criança seja amamentada depois dos dois anos porque deve comer sopa e outras coisas e não viver só de leite materno. Normalmente, há um processo de fiscalização para encontrar abusos, em vez de se mudar leis para os evitar, mas agora sabemos que não há fiscalização, logo abusem à vontade dos vossos direitos em todas as leis e não se acanhem.
Agora, vocês que me lêem se calhar pensam, espera lá, o governo não tem acesso aos dados de desenvolvimento das crianças e não podia fazer um estudo a ver se realmente vale a pena amamentar depois dos dois anos? Ou podiam arranjar um investigador que fizesse uma revisão de literatura médica ou um estudo de práticas noutros países e depois, mediante os resultados, propunha uma modificação da lei, se necessária? E até podia fazer um estudo a ver se o ter um horário reduzido de trabalho tem efeitos na carreira das mulheres, na sua satisfação laboral, etc.?
Não, a Ministra "acha" que há abuso, não tem provas de que haja abuso, nem tem uma contagem dos casos de abuso--apenas acha. Ora, eu também acho que pelo seu discurso há provas suficientes que esta senhora não tem capacidade intelectual para ser ministra de coisa alguma. Ela nem do meu cão tomava conta. Por mim, na rua é que estava bem, como as grávidas.
quarta-feira, 6 de agosto de 2025
Quase a encerrar
segunda-feira, 28 de julho de 2025
Ideologias e cidadanias
Se a Eneida era violenta (recordo-me em particular da descrição da morte de Priam), a Ilíada é brutal, verdadeiramente animalesca, em que se aceita com normalidade matar pessoas, violar mulheres, matar crianças, maltratar corpos, etc. Grande parte dos acontecimentos da Ilíada são relatados na Eneida, mas com menos violência gráfica. Os dois relatos referem acontecimentos que ocorreram por volta do séculos XIII a XII A.C.: a Ilíada talvez tenha sido composta por volta de 750 a 700 A.C., ou seja quase meio milénio depois, e a Eneida foi publicada no ano de 19 A.C. Supõe-se que Homero, que compôs a Ilíada, tenha sido uma amalgama de pessoas em vez de apenas um poeta, enquanto que a Eneida foi composta por Virgílio, o poeta romano, que a escreveu para elogiar e talvez criticar ou influenciar o Imperador Augusto.
Sendo a Ilíada supostamente o produto de vários homens, é impressionante a consistência de violência gráfica, mas isso está mais na mimha cabeça do que na cabeça deles, se calhar. Nessa altura, a vida era assim e a Europa era um sítio violento e não é preciso recuar muito para encontrar níveis absurdos de violência durante a nossa vida. Talvez o que distinga um período de paz de um período de guerra seja para além do número de vítimas, o facto de homens em idade activa serem alvo de violência porque as mulheres, as crianças, os idosos, enfim as minorias são sempre alvo de violência, haja paz ou guerra. Mas já Virgílio foi mais contido talvez porque não tivesse experiência de combater numa guerra, ou talvez nestes quase sete séculos entre os dois relatos tivesse havido progresso em termos do que era aceitável, uma mudança de ideologia, portanto.
O facto de tanta da história da humanidade ser dominada por conflitos e guerras devia pôr-nos de pé atrás: não devíamos achar que a paz é o estado natural da nossa existência; pelo contrário, a paz deve ser encarada como um alvo em constante movimento e o ideal é formar cidadãos que tenham apreço e um sentido de responsabilidade pelo esforço necessário para trabalhar para a paz.
Posto isto, quando penso em cidadania, não me vem à cabeça educação sexual, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, gestão de ansiedade, etc., mas faz sentido falar de coisas como o movimento gay e LGBTQ, o feminismo, o racismo, etc. porque são casos concretos em que podemos observar como se molda a sociedade no sentido de haver mais dignidade humana, tanto a nível da participação individual, como da função e funcionamento das instituições. A dignidade da pessoa humana é um valor fundamental na sociedade portuguesa, dado que é a base da República Portuguesa.
Agora, isto não implica que não seja importante discutir temas de cariz sexual nas escolas. Aliás, é um tema extremamente crítico hoje em dia por causa da forma como os jovens têm acesso à informação e também de como são alvo de predadores sexuais ou de como iniciam a sua actividade sexual: pornografia online, apps como o Tinder, redes de tráfico humano, etc. Depois, como a política de saúde pública mundial dos EUA mudou, devemos também preparar-nos para poder haver um aumento das doenças sexualmente transmissíveis a nível mundial e como Portugal está com maior abertura a pessoas internacionais, decerto que há potencial para a situação piorar.
Por isso surpreendem-me duas coisas: uma que o governo, meta estes assuntos na gaveta da ideologia; outra que a oposição insista que a única forma é exigir que estes assuntos sejam inseridos na aula de "cidadania". Países como a Suécia, Países Baixos, Reino Unido, e Canadá oferecem aulas de educação sexual nas escolas, porque é que Portugal não oferece também?
quinta-feira, 24 de julho de 2025
Algum progresso, mas nem por isso resultados
Em Portugal, está tudo porreiro. Dá para agendar online, tirar o passaporte rápido e até renovar pela Internet e receber o documento pelo correio. Para quem está no estrangeiro, é mais complicado porque é preciso ir aos serviços consulares ou a Portugal presencialmente. No meu caso, a página de Internet do serviço consular em Washington, D.C., nem diz o que se pode tratar no consulado, mas dá para contactar o consulado para agendar uma marcação.
Surpreendentemente, no site do serviço consular de Boston está tudo bem esmiuçado (até falam da carta de condução), o que indica que cada serviço consular mete a informação que entende na sua página de Internet, o que me parece má prática. Porque é que o governo português não contrata uns designers digitais em Trás-os-Montes para consolidar a informação de toda a gente? É que decerto que o processo é uniforme para todos, logo faz sentido uniformizar as páginas. E digo em Trás os Montes, mas o Alentejo também serve e assim ajudava a descentralizar os serviços e a contribuir para a economia local de zonas fora de Lisboa.
Também gostaria de sugerir que facilitem o acesso aos serviços consulares no estrangeiro e estejam preparados para situações extremas. Quem está em Portugal está bem por enquanto (desde que o Ventura fique desaventurado), mas quem está no estrangeiro pode estar em risco dada a instabilidade política em tantos sítios. Por exemplo, o Trump quando deporta pessoas nem sequer os envia para o país de origem, logo não se surpreendam se um dia destes houver portugueses a acabar em prisões em El Salvador, Guatemala, Sudão do Sul, etc. e, nessa altura, Portugal tem de decidir rapidamente como agir com essas pessoas, se é que querem agir. Depois há também a situação no Médio Oriente que não se sabe se pode piorar e há bastantes portugueses que trabalham lá.
E já agora importam-se de arranjar esta página no Portal das Comunidades? É que há um link para a página aqui, mas o link devia ir para uma página onde se explica onde obter o passaporte electrónico.
quarta-feira, 23 de julho de 2025
Aceleração
A parte que me parece mais interessante é a da doença de Trump porque é muito raro a Casa Branca ser transparente no que diz respeito a doenças presidenciais, mas talvez a aparente transparência tenha sido uma necessidade depois do fiasco Biden. Também há a questão de o discurso de Trump estar cada vez mais incoerente, por exemplo, não se recorda que Powell foi nomeado por ele mesmo e não por Biden.
O facto de Trump ter adiado as tarifas comprou algum tempo para a economia, mas os dados mais recentes indicam que a actividade ecoómica está a esfriar, apesar do mercado accionista estar em máximos históricos, e a inflação pode ter acelerado. O dólar também enfraqueceu bastante o que retira poder de compra aos americanos. Foi anunciado que os EUA vão começar a pedir $250 de caução para quem precisa de visto para entrar no país, o que irá enfraquecer o turismo e as viagens de negócios ainda mais se for mesmo implementado--este valor acresce ao custo de obtenção de visto.
E ainda não tivemos um furação a atingir o continente americano, mas é uma questão de tempo até ele chegar -- entre Trump e as catástrofes naturais, vivemos com uma faca ao pescoço.
quarta-feira, 16 de julho de 2025
Montanha ou roleta
Há duas semanas estive em Portugal para visitar o meu pai e ir a um casamento; hoje a moça que faz as minhas unhas perguntou-me que tal tinha sido ao atravessar a fronteira para entrar nos EUA. Entrei pelo aeroporto de Houston que não recomendo e foi um erro meu ter marcado a viagem por lá, mas Newark está com capacidade reduzida por causa de ter poucos controladores aéreos. As filas em Houston costumam ser maiores e o pessoal da fronteira não é tão simpático, mas nem me fizeram nenhumas perguntas desta vez, apenas mostraram uma cara de frete. Em Janeiro, quando entrei também por lá ainda Biden presidia, também houve filas enormes e o agente da TSA (Transportation Security Administratio) perguntou-me o que eu tinha comprado: são livros, meu senhor, porque rosas não deixam entrar, devia ter-lhe respondido, mas não é aconselhável usar de sarcasmo na fronteira, então só disse que tinha comprado livros.
Respondi à rapariga que não me tinha acontecido nada, e que não, nem sequer viram o conteúdo do meu telefone, que ela queria saber. Antes da viagem comentei com um colega meu que tinha receio de atravessar a fronteira, e ele disse-me: "não tens nada que recear, pagas impostos." Ah pois pago e não me incomoda pagar porque os impostos são o que se paga por se viver numa sociedade civilizada, como dizia o Oliver Wendell Holmes, Jr., apesar de que chamar às nossas circunstâncias actuais uma sociedade civilizada implica uma enorme ginástica mental.
De vez em quando penso se devia andar com o passaporte dentro do país -- isto recorda-me um episódio que se passou com o meu primo em Lisboa quando ele estava com o meu pai nos longínquos anos 80. Apareceu um polícia e pediu a identificação do meu primo que devia ter menos de 18 anos na altura. Como ele não trazia bilhete de identidade, foi levado para a esquadra e o meu pai teve de ir levar-lhe a identificação. Há uns três anos apanhei uma multa de excesso de velocidade aqui perto de casa--ia a 63 Km/h numa área de velocidade máxima de 48 km/h (sou mesmo perigosa) e aconteceu que, nesse dia tinha deixado a carteira em casa e não levava a carta de condução. Na minha ingenuidade, perguntei ao polícia se podia ir buscar, que morava mesmo perto e ele disse que não havia problema, ele ia ver no computador. Lá viu e lá apenas multou, sem que me levasse para a esquadra ou me penalizasse por não ter a carta de condução comigo. Mas isto era no tempo em que os lacaios do Musk ainda não tinham andado a brincar com as bases de dados.
Os dois temas "fracturantes", como se gosta de dizer em Portugal, da actualidade americana são as inundações do Texas e agora os documentos do caso Epstein. Normalmente, os americanos são extremamente generosos, especialmente na face de tragédias, mas instalou-se um clima de "tiveram a realidade em que votaram" e muita gente recusa-se a contribuir para os peditórios de apoio às vítimas. No caso do Epstein, parece-me que há uma ilusão de que é desta que o movimento MAGA se desentende e quiçá se desintegra, mas acho que não tem qualqer efeito. Uma das minhas melhores amigas votou Trump não porque o quisesse, mas porque não queria Kamala, pois não queria que os transsexuais que estão presos tivessem acesso a cirurgias para mudar de sexo. O marido não quis votar Trump e votou no RFK Jr., apesar de este já ter desistido da corrida. Ela agora diz que Trump é completamente louco. Ah pois, agora não há nada a fazer senão aguentar a montanha russa, ou será roleta russa?
segunda-feira, 16 de junho de 2025
O ChatGPT comenta Gabriel Mithá Ribeiro acerca de Ventura, Freud e Marx
No Observador, Gabriel Mithá Ribeiro argumenta que "André Ventura está a curar uma sociedade mentalmente doente". Aqui vai, na íntegra, o comentário do ChatGPT a esse texto:
Assumirei agora o papel de professor universitário na área da Filosofia Política, com especial atenção à teoria política contemporânea e ao discurso ideológico.
O texto que me propõe comentar está redigido num estilo panfletário, de índole fortemente opinativa e ideologicamente alinhada, com recurso a linguagem emocionalmente carregada e retórica combativa. O seu objetivo é claro: oferecer uma legitimação simbólica, quase messiânica, da figura política de André Ventura, apoiando-se numa interpretação bastante discutível de conceitos psicanalíticos (nomeadamente de Freud) e numa rejeição absoluta da tradição intelectual marxista.
Dividirei a análise em três eixos fundamentais: (1) argumentação e coerência lógica; (2) tratamento das figuras históricas e teóricas; (3) implicações ideológicas e éticas.
1. Argumentação e Coerência Lógica
O texto padece de uma séria falta de rigor argumentativo. Começa por estabelecer um diagnóstico vago e infundado – a "doença mental coletiva da sociedade portuguesa" – sem apresentar qualquer critério empírico ou metodológico para tal afirmação. O uso de categorias clínicas (como "sanidade" ou "doença mental") no discurso político é, no mínimo, perigoso e geralmente considerado abusivo em contextos académicos, dada a sua conotação patologizante do adversário ideológico.
A associação direta entre a psicanálise de Freud e a figura política de André Ventura é forçada e não fundamentada nos textos originais de Freud, que jamais sustentaria um tipo de liderança autoritária como resolução do "caos psíquico" coletivo. Aliás, Freud era profundamente céptico quanto ao apelo às massas e aos instintos de obediência à autoridade carismática – como se pode verificar no seu "Psicologia das Massas e Análise do Eu" (1921).
A estrutura lógica do texto é circular: parte do pressuposto de que André Ventura é o "pai fundador" de uma nova ordem moral e, com base nesse pressuposto, tenta provar que é ele quem salvará a sociedade doente – exatamente porque é o tal "pai fundador". Este tipo de raciocínio é tautológico e não satisfaz critérios elementares de validade lógica.
2. Tratamento das Figuras Históricas e Teóricas
A forma como Freud é tratado revela um conhecimento superficial da sua obra. Freud não é um pensador moralista, muito menos um profeta da "responsabilidade individual" nos termos apresentados. A sua abordagem ao inconsciente, ao desejo e à repressão situa-se num registo clínico e antropológico, não político-normativo. Invocá-lo para defender uma ordem moral conservadora é uma distorção da sua filosofia.
O ataque a Karl Marx como "o maior charlatão intelectual de todos os tempos" carece de qualquer fundamentação académica. Mesmo os críticos mais acérrimos de Marx reconhecem-lhe a profundidade teórica e a influência seminal no pensamento social moderno. Reduzir o seu legado a uma apologia da irresponsabilidade é uma caricatura grosseira.
Também o uso do conceito de “pai fundador” como chave de interpretação da política portuguesa é redutor. Transforma líderes políticos históricos – Cunhal, Soares, Sá Carneiro – em meras figuras simbólicas, ignorando a complexidade dos movimentos sociais e das dinâmicas democráticas que os sustentaram. Além disso, omite deliberadamente o carácter coletivo, plural e constitucional da democracia portuguesa pós-1974.
3. Implicações Ideológicas e Éticas
O texto revela um posicionamento ideológico autoritário, fortemente antiesquerdista, e com tendências nativistas. A ideia de que certos grupos sociais (pobres, negros, imigrantes, colonizados) usam a sua condição como "desculpa" para evitar responsabilidades é uma generalização abusiva e eticamente reprovável. Esta visão alimenta uma lógica de exclusão e de divisão social, incompatível com princípios democráticos de igualdade e solidariedade.
A apologia de Ventura como único redentor possível da sociedade portuguesa revela uma inclinação para o culto da personalidade. Tal abordagem, historicamente, tem sido associada a formas de autoritarismo que põem em causa o pluralismo democrático e o Estado de direito.
Por fim, o uso instrumental da psicanálise e da filosofia para legitimar um projeto político unipessoal compromete a integridade do discurso filosófico. Um discurso político sério deve assentar em argumentos transparentes, verificáveis e abertos à crítica – não em analogias simbólicas forçadas e acusações ideológicas sem sustentação.
Conclusão
O texto é uma peça retórica de propaganda política, com contornos fortemente ideológicos e com claras distorções de referências teóricas (como Freud e Marx). Carece de rigor conceptual, abusa de categorias clínicas e morais para desqualificar o adversário político, e promove uma visão altamente simplificada e personalista da política portuguesa contemporânea. Embora possa ter apelo junto de determinados públicos, não sobrevive a uma análise crítica séria nos termos da ciência política ou da filosofia política académica.
Se desejar, posso aprofundar a análise ponto por ponto, ou fornecer-lhe um contraponto argumentativo com base na teoria democrática contemporânea.
terça-feira, 10 de junho de 2025
Escalação
A última vez que o país esteve assim foi há 60 anos, quando LBJ nationalizou a National Guard do Alabama para proteger os manifestantes pró-direitos civis em Selma, Alabama. Mas a causa actual do Presidente não é virtuosa como a de LBJ. Vivemos um capítulo negro da história dos EUA, mas isso já sabíamos.
sexta-feira, 30 de maio de 2025
Uma clareza ambígua
O texto de Manuel Carvalho no Público que referi no post anterior procurou responder a um texto de João Miguel Tavares sobre o "cordão sanitário" a aplicar ao Chega. Francisco Mendes da Silva, co-signatário do abaixo-assinado "A clareza que defendemos" criticado por João Miguel Tavares, respondeu hoje.
Quando foi publicado, em 2020, o manifesto "A clareza que defendemos" pareceu-me, contrariando o título, muito pouco claro. Mesmo concordando com o princípio (a não "amálgama" entre o centro-direita e o populismo/iliberalismo) e com o que pensei que implicasse ("não é não"), pareceu-me um texto demasiado genérico. Se estava a falar (também) do Chega, por que razão não o explicitava? (Era um manifesto de âmbito mundial?) A que tipo de não "amálgama" se referia? Rejeição de coligações? Rejeição de acordos parlamentares? Rejeição de iniciativas legislativas conjuntas? Outras?
No texto de hoje, Francisco Mendes da Silva escreve: "O abaixo-assinado não defendia qualquer princípio estratégico de relacionamento entre os partidos do centro-direita português e o Chega. Nem sequer falava especificamente de Portugal." Parece-me que estas frases confirmam a minha suspeita: apesar do título, "A clareza que defendemos" era, pelo menos nos seus efeitos práticos, um texto ambíguo.