Existem ocasiões que assinalam o ponto de ruptura
de um sistema político, em que os políticos deixam de ser capazes de comunicar,
em que já não conseguem compreender a linguagem do povo que, por desígnio,
deviam representar. Os políticos da República de Weimar encontravam-se todos a
caminho de chegar a esse ponto em 1930. O crash de Wall Street em 24 de outubro
de 1929 (a chamada quinta-feira negra) agravou tendências que já existiam
antes.
Os 2,6 % obtidos pelo partido nazi na eleição para
o Reichstag (parlamento alemão), a 20 de Maio de 1928, pareciam confirmar a
exactidão dos comentadores e políticos alemães que há muito tinham vindo a
anunciar o fim do movimento de Hitler. As coisas mudariam rápida e
assombrosamente.
Ao brincar com o fogo, muitos políticos acabariam
consumidos pelas chamas do nacional-socialismo. Sem a autodestruição do Estado
democrático, sem o desejo de minar a democracia por parte dos que, em
princípio, deviam salvaguardá-la, Hitler, por maiores que fossem os seus
talentos oratórios e de agitador de massas, nunca teria chegado perto do poder.
27 de março de 1930 assinalou o princípio do fim da
República de Weimar. A pretexto de um aumento da contribuição da entidade
patronal para o fundo de desemprego de 3,5 para 4% dos salários brutos, a
coligação desafinada entre o SPD e o DVP, que com a crise económica se havia
deslocado para a direita, desintegrou-se. O chanceler Hermann Müller apresentou
a demissão. Sucedeu-lhe Heinrich Brüning, líder parlamentar do Zentrum. As
dificuldades não tardariam a manifestar-se. Na sequência de uma moção dos
partidos da oposição contra o seu plano de cortes drásticos na despesa pública
e de aumento de impostos, Brüning procurou, e conseguiu, a 18 de Julho de 1930,
a dissolução pelo Presidente do Reich do Reichstag. A dissolução do Reichstag
constitui uma irresponsabilidade absolutamente assombrosa. O objectivo de
Brüning era passar por cima de um governo parlamentar, criando um sistema mais
autoritário, em que a governação se faria por decreto presidencial. Brüning
subestimou, e muito, a quantidade de raiva e frustração que grassavam pelo
país. Os nazis nem queriam acreditar na sua sorte. Os resultados eleitorais do
NSDAP subiriam vertiginosamente: 18,3% nas eleições de 14 de Setembro de 1930;
37,4% em 31 de Julho de 1932, passando a ser o partido mais votado; 33,1% em 6
de Novembro de 1932.
Os intelectuais também têm a sua quota-parte de
responsabilidade pela tragédia que se viria a abater sobre a Alemanha. Muitos
ajudaram a abrir caminho para o Terceiro Reich. As esperanças há muito
acalentadas da chegada de um grande líder embotaram a capacidade crítica de
muitos, cegando-os perante os evidentes ataques à liberdade de pensamento que
eles até viam com bons olhos.
Hitler tinha a vantagem de não estar conotado com
um governo impopular e sabia usar um tipo de linguagem que era compreendida por
um número crescente de alemães, a linguagem do protesto acrimonioso contra um
sistema desacreditado, a linguagem do renascimento e da renovação nacionais.
Aqueles que não se encontravam fortemente arreigados a uma ideologia política,
milieu social, ou subcultura alternativas achavam essa linguagem cada vez mais
inebriante.
O presidente do Reich, o velho marechal Paul von
Hindenburg, acabaria, contrariado, por nomear Hitler Chanceler a 30 de Janeiro
de 1933.