terça-feira, 17 de julho de 2012

Um aviso vindo de Espanha

O elevado défice externo e o estado comatoso do sistema financeiro espanhol – resultado, em grande parte, da ruína das Cajas de Ahorro, saqueadas durante décadas por políticos e sindicalistas sem escrúpulos – auguravam o pior.
O epílogo era pois esperado. Na semana passada, Mariano Rajoy anunciou um duro plano de austeridade, sem precedentes na história recente do país. Rajoy viu-se obrigado, pelas exigências da União Europeia, a contrariar todas as promessas feitas há apenas 7 meses em campanha eleitoral. O objectivo, dizem, é poupar 65 mil milhões de euros nos próximos dois anos e meio, o que implicará sem dúvida pesados sacrifícios para os espanhóis. A Espanha chegou a um ponto em que já não podia escolher entre ficar como estava ou fazer sacrifícios, “no tenemos esa libertad”, declarou dramaticamente o presidente do governo espanhol no congresso de deputados.
Hoje, o problema de Espanha não é o défice, é a falta de crescimento económico. Isto não significa que as chamadas medidas de austeridade não são necessárias. Pelo contrário. Servem para baixar uma febre, medida pelo spread da dívida espanhola em relação à alemã. Mas a verdadeira doença exige terapias mais radicais ao nível do sistema financeiro, fiscal, segurança social, administração pública, etc. – enfim, uma lengalenga que os portugueses já conhecem por experiência própria.
Tudo isto deve deixar-nos apreensivos. Basta lembrar que Espanha é o destino de ¼ das exportações nacionais. Mas dos factos recentes desta triste história destaco um que pode servir-nos de aviso em relação ao futuro.
No dia 12 de Julho, um dia portanto após o anúncio histórico, os mercados não deram sinais de tréguas, tendo a bolsa de Madrid fechado com uma queda de 2,5%. À primeira vista, os mercados demonstraram, uma vez mais, toda a sua irracionalidade ou insensibilidade. Mas, raspando um bocadinho, encontramos um fundo de racionalidade neste comportamento dos investidores. As comunidades, essa invenção ruinosa saída da constituição de 1978, manifestaram publicamente a sua indisponibilidade para cumprir os objectivos em termos de défice. Um sinal claro para o exterior da impotência do governo central em controlar a despesa. Nem as palavras do ministro Montoro pareceram comover muito os presidentes das comunidades: “cómo os oponeis si no tenéis como financiaros?”
Não bastará este exemplo para demonstrar o absurdo da regionalização em Portugal?

7 comentários:

  1. Com uma visão tão distorcida da realidade é muito difícil tirar conclusões atinadas.
    1) As caixas de poupança espanholas nunca estiveram dirigidas por sindicalistas sem escrúpulos. Nalguns casos houve forte controlo político, principalmente por parte do Partido Popular. Mas nem sempre. Noutros casos foram os directivos das caixas os que sem ajuda de ninguém, e impedindo todo controlo político ou sindical, afundaram as suas instituições.
    2) O problema espanhol não é inicialmente o deficit público, é a dívida privada associada à bolha imobiliária, e que na sua maior parte corresponde a empresas e não às pessoas. Quando o governo espanhol decide resgatar o sistema financeiro, é então e só então que o estado espanhol passa a ter um grande deficit.
    4) O grande culpável da bolha espanhola é o Banco de Espanha, que não soube/quis controlá-la.
    5) Hoje em dia a imensa maioria das comunidades autónomas espanholas estão governadas pelo mesmo partido que controla o governo central, o Partido Popular, e os governos autonómicos fazem o que lhes mandar desde Madrid.
    6) Alemanha é um estado federal, com uns poderes regionais muito mais fortes que os espanhóis.

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  2. Caro Se Moncho
    1) Agradecia que não distorcesse as minhas palavras. Eu não disse que as cajas de ahorro foram dirigidas por sindicalistas sem escrúpulos, mas sim saqueadas. Não é a mesma coisa.
    2) Também não disse que o problema espanhol era o défice público, mas sim o crescimento económico. Nem sequer divaguei sobre as causas do actual défice. Independentemente da sua origem, ele é elevado e tem de ser reduzido. Ponto.
    3) Não faço ideia de quem é a culpa da bolha imobiliária, que está, aliás, como quase sempre, associada ao estado do sistema financeiro. O banco central terá com certeza grande responsabilidade na situação, mas não é, presumo, o único culpado. Houve vários erros de governação no passado recente.
    4) Quem ler os jornais espanhóis do final da última semana só poderá concluir que o governo central manda muito pouco nas comunidades, apesar da maioria, como refere, ser governada pelo PP. Sinceramente, não compreendo como é que pode tirar a conclusão de que “os governos autonómicos fazem o que lhes mandar desde Madrid.”
    5) Não há dúvidas de que os gastos das autonomias são neste momento uma ameaça para as finanças públicas espanholas. Este modelo não funciona e a regionalização em Portugal (que é mais pequeno que algumas comunidades espanholas) estaria condenada a imitar os vícios de Espanha e não as virtudes da Alemanha.

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    1. 1) Devo entender portanto que os sindicalistas sem escrúpulos "assaltaram" as caixas?. Como senão conseguiram saqueá-las?.
      O problema principal da caixas espanholas é terem concedido uma grande quantidade de empréstimos sem fazerem um cálculo realista dos riscos. Um segundo problema, menor quantitativamente mas revoltante para a população, é boa parte dos directivos das caixas terem se atribuído uns bônus e umas reformas milionários, sabendo já que as suas entidades estavam falidas. Algum sindicalista corrupto recebeu uma pequena porção do bolo, mas a maioria limitou-se a não protestar de mais, coisa muito lógica tal e como estão os tempos.
      Alguns dos empréstimos de risco elevado foram concedidos por pressões políticas (por exemplo vários aeroportos que nunca foram rentáveis), e nalgumas caixas os postos directivos foram dados como prémio a políticos sem a mínima preparação para o posto. Mas a maior parte dos empréstimos não pagos foram dados a empresas construtoras privadas.

      3)Evidentemente o governo espanhol, e alguns autonómicos, tiveram algo de culpa. Mas com a legislação actual, quem tem o poder e a obrigação de controlar o sistema bancário espanhol é o Banco de Espanha. E o tal banco falhou em desinchar a bolha imobiliária a tempo, e depois agudizou a crise bancária com uma série de medidas um tanto erráticas.

      4) Que jornais?. A maior parte dos jornais madrilenhos, da mesma ideologia que o partido no governo, estão aproveitando a crise para tentar recentralizar o Reino de Espanha. Para o qual carregam as tintas nos problemas causados pelos governos autonómicos e os seus supostos esbanjamentos. Mas a realidade é que apenas há duas regiões com verdadeira autonomia financeira: O Pais Basco e Navarra. Os governos das demais regiões podem protestar mais ou menos, mas a maior parte do seu orçamento vêm-lhes imposto desde Madrid. E é lógico que protestem, porque se lhes pede que sigam a fornecer os mesmos serviços com muito menos dinheiro.
      Por outro lado, se o Reino de Espanha fosse um estado centralizado, como Portugal, os problemas económicos seriam muito semelhantes, ou talvez piores. O que se passou é que o sector imobiliário era até 2008 o motor da economia espanhola, e ao parar bruscamente este motor, baixaram em picado as receitas do estado, entanto os gastos aumentavam pelo aumento do desemprego. Ao existir governos regionais o central pode lhes botar as culpas. Senão existissem não poderia lhas botar, e seguramente seria menos resoluto à hora de fazer recortes, pois os teria que implementar ele mesmo, e não jogá-los em cima doutros.

      5) Não defendo o modelo espanhol de regionalização, acho-o pouco operativo, por não estarem bem definidas as atribuições dalgumas funções, o que dá lugar a conflitos contínuos e a duplicidades desnecessárias. Mas há exemplos de estados descentralizados que funcionam muito bem, por exemplo a República Federal da Alemanha, a Confederação Helvética ou a República da Austria.

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  3. Caro Se Moncho
    Vendo bem, as nossas divergências são mais de forma do que outra coisa. Não contesto a sua análise sobre as cajas de ahorro; atribuo apenas maior responsabilidade aos "sindicalistas sem escrúpulos", que não as dirigiram no sentido em que não tinham cargos oficias de gestão directa.Vejo que, afinal, também não se revê no modelo de regionalização espanhol. Talvez o que nos separe mais é o facto de eu não acreditar que em Portugal seja possível transpor os bons exemplos que refere. Mais depressa ´depressa seguíamos o mau exemplo espanhol. Basta pensar no Alberto João para perceber o que nos esperava.

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  4. Porque é que o exemplo espanhol serve para se concluir que a regionalização é algo de mau? Só há um tipo de regionalização? Nõa terá sido o centralismo que levou o país ao estado em que está?
    Em vez de pensarmos no modelo espanhol (paíes completamente diferente de nós neste aspecto pois a regionalização deles tem pontos separatista e nacionalistas que nós não temos) deviamos olhar para o nosso modelo dosultimos anos. A descentralização com mais de 300 concelhos não é possivel de ser feita e por isso nunca foi feita. Talvez se tivessemos regionalização não teriamos chegado ao ponto a que chegamos. O Alberto Joao Jardim endividou-se, mas a Madeira esta no topo no que se refere ao PIBpc. Qual é a outra região no topo? É Lisboa claro. Por onde se distribuiram a maioria dos investimentos? Quem é que até a pouco tempo queria fazer um aeroporto, uma ponte, e um TVG a passar pela margem sul para depois se ligar a uma cidade que fica a norte (Madrid)? A Grecia por acaso antes de ter a troika era um pais centralizado como nós somos.

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  5. Concordo consigo em relação ao problema de centralização em Lisboa, que tanto danos tem causado ao país. Desde, pelo menos, o século XIX que se fala na necessidade de descentralizar mas no fim de cada reforma administrativa o problema agravava-se, em especial no salazarismo. Não penso é que para descentralizar seja necessário criar uma estrutura intermédia entre o poder central e os municípios. A reforma autárquica do "dr." Relvas é mais um exemplo de uma oportunidade perdida, é uma reforma faz de conta de que as nossas "elites" são especialistas, para inglês ver, ou melhor, para troika ver.

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  6. Sou também um claro opositor da regionalização. Não me parece fazer muito sentido num país da nossa dimensão. Para além disso, não observo no interior das regiões diferenças culturais significativas. Elas seriam apenas e isso, um novo polo de despesismo, quer criaria múitos problemas às contas públicas.

    PS: criei recentemente um novo blog, e deixo aqui o link http://ecoseconomia.blogspot.pt/

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