sábado, 14 de novembro de 2015

Make into life

Ontem, só soube dos atentados quando cheguei a casa, já para lá da uma - tinha ficado sem bateria no telemóvel horas antes e a pessoa com quem estava não tem o mesmo hábito irritante de estar sempre a consultar as notícias. Fui a uma Royal Opera House lotada em todos os seus três níveis ouvir a vida de um homem resumida ao dia do nascimento e ao dia da morte. Marcaram-me particularmente duas linhas do maravilhoso texto: a primeira dita pela parteira ao ansioso pai: "your son has made it into life" (acho que ninguém congratula uma criança pelo esforço de se tornar viva - lutamos para permanecermos vivos, não para nos tornarmos vivos); a segunda dita pelo velho rapaz que conseguira nascer, lamentando-se pela morte da mulher: "she died... forever" (houve mesmo um longo silêncio entre "died" e "forever"). São duas não existências - a de antes do nascimento e a de depois da morte- iguais em tudo exceto no tempo. Somos exatamente o mesmo e decidimos o mesmo - ou seja, nada. Mas na morte isso dura bastante mais tempo.    

Depois da ópera fomos jantar a um pequeno restaurante italiano na china town, bebemos um vinho aceitável, e ainda apanhámos o último comboio. Lamentei-me profundamente por o comboio estar cheio de lads bêbedos e histéricos, demasiado para o meu gosto de fim de sexta feira. 

Os terroristas abominam a vida. Digamos que queriam a peça que vi ao contrário. Querem ser congratulados por having made it into death. Querem trocar a inconsciência, a impotência com que nos tornamos vivos, pela consciência, pela falsa sensação de controlo e sentido, com que morrem. São, sobretudo, uns chatos de merda que desprezam as pequenas coisas extraordinárias que fazemos no dia-a-dia, sem perceber que a vida é mesmo esse dia-a-dia até não haver mais dias. 

3 comentários:

  1. Ainda bem que pudeste desfrutar do teu programa. Pensei dizer-te pelo Facebook, quando vi que estavas numa ópera, pois a primeira coisa que me ocorreu quando vi que estavas lá foram as pessoas que ficaram reféns do teatro de Paris, mas achei que não valia a pena. Achei que estavas seguro. Abraços...

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    1. Obrigado :) Mas temos de continuar com a nossa vidinha, e eu adoro teatro. Para a semana vou ver o hairy ape!

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    2. Peça que foi, aliás, escrita por um muito talentoso conterrâneo teu ;)

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