Em 1922, um senhor
chamado Walter Lippmann publicou um livro fundamental intitulado “Public
opinion”. Na verdade, Lippmann fala pouco sobre opinião pública, mas introduz uma
série de conceitos fundamentais. O mais importante é, sem dúvida, as “pictures
in our heads”.
As “pictures in our
heads” são os estereótipos, um termo introduzido por Lippmann nas ciências
sociais. Como é sabido, os estereótipos são generalizações, hipersimplificações
da realidade, visões rígidas sobre nós e os outros. Para Lippmann, todos estamos
condicionados pelos estereótipos, criados por nós próprios ou que nos foram
inculcados pelos outros. Os estereótipos são mapas que nos permitem orientar
num mundo cada vez mais complexo. Podem induzir-nos muitas vezes em erro, mas são
inevitáveis, dada a nossa compreensão finita das coisas.
Os estereótipos podem não ser uma
fotografia completa do mundo, mas são uma fotografia de um mundo possível ao
qual o indivíduo está adaptado. Em consequência, qualquer perturbação dos
estereótipos parece um ataque às fundações do universo. E, quando as coisas
importantes (big things) estão em
perigo, o indivíduo não faz qualquer distinção entre o seu universo e o
universo.
Os estereótipos não são, portanto, apenas uma
forma de substituir a confusão ruidosa do mundo pela ordem. Não são apenas um
atalho. São a garantia da manutenção do sistema de
valores do indivíduo e do status quo. Cada
indivíduo cria uma realidade que considera apropriada para si. Usa estereótipos
que garantam o autorrespeito e uma projeção do mundo de acordo com os seus
próprios valores e age como se as suas representações correspondessem aos
factos reais.
Carradas de estudos
empíricos têm confirmado
aquilo que Lippmann intuiu há quase 100 anos. É o caso das chamadas “profecias
auto-confirmatórias”, a tendência do indivíduo para se concentrar nos factos
que confirmam as suas convicções e se afastar ou desvalorizar aqueles que as
contradizem.
93 anos depois da
publicação da obra de Lippmann e das milhentas confirmações das suas teses, acho
quase caricato ouvir ainda os jornalistas a dizer que se limitam a contar as
coisas tal como elas são. O primeiro passo para serem rigorosos e se
aproximarem da verdade é reconhecerem, pelo menos para eles próprios, que estão
condicionados pelos seus estereótipos.
Em muitos países
civilizados, os media assumem a sua ideologia e todos sabem ao que vão quando
os compram. Em Portugal, alimenta-se uma farsa.
Excelente texto e não podia concordar mais com a conclusão.
ResponderEliminarTenho por hábito ler jornais ingleses online - vivi lá uns anos e sinto uma ligação ao país - e sei, à partida, com o que conto: sei que o Telegraph vai ser Tory (o Times também, mas mais discretamente) e que o Guardian de esquerda (maioritariamente Labour). Há jornais que mudam, mas de forma aberta (o Independent foi, durante bastante tempo, Lib-Dem - agora é mais Labour). Há pasquins à la CM, mas sabemos onde se situam (Daily Mail, MUUUUUITO Tory).
E tudo isto é aberto e transparente, incluindo "endorsments" nas eleições. Prefiro assim - posso ler os jornais sem achar que têm agendas escondidas. Têm agendas, mas estão à vista de todos.
Obrigado pelas suas palavras. Em Portugal, há muita gente a reclamar que a comunicação social está a virar à direita. Penso que essa análise é feita olhando só para os comentadores, e mesmo assim é duvidosa tal conclusão - e, a ser verdade, também se pode dever ao facto de haver neste momento mais pessoas de direita que sabem escrever e comunicar nos media do que havia no passado, em que os mais talentosos se calhar eram de esquerda. De qualquer maneira, essa análise esquece as notícias propriamente ditas, que estão carregadas de ideologia, sentimentos, causas, etc. que só um olho mais treinado consegue perceber. O Lippmann não achava que se tratasse sobretudo de um problema de manipulação por parte dos media, ou seja, de uma acção voluntária em enganar as pessoas, tinha antes a ver com uma série de limitações dos jornalistas, a começar pelos seus estereótipos.
EliminarOutra farsa é a dos 'independentes' da política portuguesa, mas esses têm universos muito variáveis e ajustáveis.
ResponderEliminarIndependentes são aquelas pessoas que, sendo eleitas por um partido, cumprem a disciplina de voto. /sarcasm
Eliminar