domingo, 7 de fevereiro de 2016

Uns porcos poluidores!

Atualização do valor do Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP)
De modo a corrigir a perda de receita fiscal resultante da diminuição da cotação internacional e tendo em consideração os impactos negativos adicionais ao nível ambiental e no volume das importações nacionais causados pelo aumento do consumo promovido pela redução do preço de venda ao público, o presente Orçamento do Estado pressupõe um aumento de 6 cêntimos por litro no imposto aplicável à gasolina sem chumbo e ao gasóleo rodoviário.
[...]
Imposto Sobre Veículos
São revistas as taxas do ISV com uma atualização da componente cilindrada em 3% e aumentos da componente ambiental entre 10% e 20% (com um desagravamento para as viaturas menos poluentes) por forma a reforçar o papel do imposto como incentivo à aquisição de viaturas menos poluentes.

Fonte: OE 2016, página 45

Nos últimos 30 dias, Portugal sofreu um agravamento da poluição causada por gasolina e gasóleo. Vocês notaram? No dia 22 de Janeiro, os portugueses foram informados que o custo de tal agravamento foi contabilizado em 4 cêntimos por litro de gasóleo e 5 cêntimos por litro de gasolina consumidos. Ontem, 4 de Fevereiro, descobriu-se que estes custos para o ambiente tinham crescido ainda mais e agora necessitavam que os impostos verdes fossem actualizados para 6 cêntimos por litro de gasolina e de gasóleo rodoviário. Ou será que foi mesmo isto?

O Ministro das Finanças justificou a necessidade de actualizar os impostos "verdes" com o facto de a descida no preço do petróleo ter reduzido as receitas fiscais de IVA. Talvez vocês não soubessem que o IVA era um imposto verde, mas agora estão informados. Gostaria de ter visto os números desta justificação, mas ele há tantos números hoje em dia... E será que isto também é uma promessa que, assim que o preço do petróleo começar a subir, o governo eliminará este agravamento do imposto sobre os produtos petrolíferos?

Os carros mais novos irão pagar menos do que os mais velhos porque poluem menos, mas o governo quer que as pessoas comprem mais carros para gerar mais receita. Quer-se que andem menos de carro, mas que haja mais carros. Como quem compra carro mais frequentemente são as pessoas de mais rendimentos, suponho que o governo quer recompensá-las por ajudarem a economia alemã, especialmente a Volkswagen, esse bastião da defesa do ambiente, cuja venda de veículos aumentou 13,5% em Janeiro relativamente ao período homólogo do ano passado.

Em 2011, último ano para o qual o Banco Mundial tem dados, os alemães emitiram 8,9 toneladas de CO2 per capita; já os portugueses emitiram 4,7 toneladas per capita. Outros números: Irlanda 7,9; Grécia 7,6; Espanha 5,8. Faz muito sentido reduzir ainda mais a poluição de Portugal, porque nós somos, obviamente, uns grandes porcos poluidores.

Se forem à página 72 do OE 2016, verão que o governo quer que comprem mais carros novos para gerar mais receita de impostos:

Imposto sobre Veículos (ISV)
Para 2016, prevê-se uma melhoria da receita líquida em sede de ISV, a qual se deverá situar em 660,6 milhões de euros. Esta evolução traduz a tendência expectável de recuperação na venda de veículos automóveis, acompanhando a tendência verificada neste imposto em 2015, bem como o efeito esperado das alterações legislativas propostas em sede de Orçamento do Estado.
[...]
Imposto Único de Circulação (IUC)
No que concerne ao IUC, em 2016, prevê-se que a receita líquida em sede deste imposto se situe em 311,2 milhões de euros. Esta estimativa reflete a tendência de crescimento deste imposto, bem como o crescimento da venda de automóveis verificado em 2015.

Fonte: OE 2016, página 72

Já o governo PSD/CDS/PP, em 2014, achou por bem justificar o aumento dos impostos sobre a gasolina e gasóleo com o facto de os carros se terem tornado mais eficientes e menos poluentes, o que tinha causado uma erosão da base tributável (ver página 118 da Reforma dos Impostos Verdes). Trocado por miúdos, a redução de poluição tinha tido tanto sucesso, que o governo decidiu castigar os consumidores por deixarem de poluir tanto e por isso aumentou a tributação "verde". Tem lógica ou não?

Os impostos verdes em Portugal são uma das formas que os sucessivos governos justificam aumentos de tributação. Não têm nada a ver com o nível de poluição causada, nem o nível de qualidade ambiental; têm a ver com a necessidade de justificar receitas fiscais, que são depois usadas para financiar despesas de valor duvidoso para a economia. Para mascarar o esquema, os governos invocam políticas seguidas noutros países, dando a impressão que Portugal está moderno, seguimos políticas ambientais que os países mais ricos seguem, uma clara prova de que somos tão bons quanto eles, independentemente dessas políticas fazerem sentido ou não para Portugal. Notem que os outros poluem muito mais do que nós...

Reparem que nos outros países, as pessoas ganham muito mais dinheiro do que em Portugal, logo é natural que tenham preferências ambientais muito mais caras, i.e., estão dispostas a pagar mais para manter o ambiente igualmente limpo. A protecção ambiental é uma preferência das sociedades mais ricas. Nos países mais pobres, as pessoas não ligam muito ao ambiente porque estão mais preocupados com outras coisas como ir para o emprego, arranjar comida para a refeição seguinte, ou manter os filhos vivos.

Convém dizer, nesta altura, que também há muito boa gente que acha que a protecção ambiental é uma coisa desnecessária. Imaginem uma praia pristina e uma praia completamente poluída. Se a protecção ambiental fosse desnecessária e as pessoas não valorizassem o ambiente, então, a praia pristina e a praia poluída teriam o mesmo número de frequentadores. Na realidade, não é assim. Nunca ouvi ninguém dizer que foi à praia, estava óptima, e adorou que a água estivesse toda suja, cheia de manchas de óleo, ou a areia cheia de lixo, etc. Normalmente, as pessoas mencionam a praia estar limpa, a água límpida, o céu com um ar claro em vez de smog, etc. Ou seja, no que respeita ao ambiente, as pessoas dizem uma coisa e fazem outra. E isto vale tanto para os que não gostam de proteger, como para os que acham que se deve proteger tudo. Por falar nesses...

Ao contrário do que muita gente pensa, o nível óptimo de poluição não é zero. O nível óptimo de poluição é aquele que permite que a última unidade produzida de um um bem que causa poluição tenha um benefício para a economia igual ao seu custo total. Exacto, vocês leram bem, poluir está associado a benefícios, basta pensar que para ir para o trabalho é mais vantajoso utilizar um meio de transporte do que ir pé, pois poupamos energia física e tempo. Também podemos pensar num exemplo extremo: se poluir o ambiente fosse sempre mau e toda a poluição fosse indesejável, então a solução óptima seria exterminar todos os seres vivos, pois todos eles causam danos ao ambiente, uns mais pequenos, outros maiores. Como essa solução não é moralmente aceitável, nem sequer faz sentido, pois todos nós fazemos tão parte do ambiente como uma rocha ou um riacho, temos de encontrar uma solução de compromisso. Vale a pena agora pensar na natureza da poluição.

Poluir é um mal para a economia, mas assim como não é óptimo produzir a quantidade máxima possível de um bem, também não é óptimo reduzir a quantidade de um mal, como a poluição, a zero. Note-se que a poluição não acontece sozinha, está sempre associada a outra coisa. A poluição, em economia, é chamada uma externalidade negativa, pois é um efeito secundário e prejudicial associado à produção/consumo de um bem, e é considerada uma falha de mercado. Isto implica que os preços que nós pagamos pelo consumo do bem no mercado não representam todos os custos para a economia, pois o mercado não tem em conta os custos da poluição associados à produção ou consumo desse bem.

Os custos dividem-se em dois tipos: os custos privados, que estão incorporados nos preços de mercado, e os custos ambientais, que são o custo da externalidade negativa; no caso que estamos a discutir, o custo ambiental seria o custo que a poluição causa à sociedade. Para determinar o custo social teríamos de efectuar um estudo de impacto ambiental. Por exemplo, no consumo de gasolina, o custo privado da gasolina está no preço que nós pagaríamos antes de impostos. Já o custo ambiental, seria o custo de viver num ar mais poluído, de ficar doente mais frequentemente, de algumas pessoas morrerem mais cedo, de a chuva interagir com os resíduos dos fumos e danificar edifícios, de haver dias com menor visibilidade porque o ar tem mais resíduos da poluição atmosférica, dos efeitos na atmosfera e no clima dos gases de estufa, etc.

O imposto óptimo representa o custo ambiental por unidade do nível óptimo de produção/consumo do bem, ou seja, para calcularmos o imposto óptimo, teríamos de estimar o custo da poluição, adicionar esse custo ao custo privado do uso da gasolina, ter em conta os benefícios de usar gasolina, fazer análise custo-benefício, e determinar o nível óptimo de consumo de gasolina, que, por sua vez, nos dá o nível óptimo de poluição, o preço privado do bem, e o nível de custo ambiental. O nível de imposto verde óptimo é o que compensa o custo ambiental, dada a quantidade óptima a produzir. Ou seja, o imposto óptimo é aquele que induz a sociedade a poluir apenas o nível óptimo: nem mais, nem menos:

  • Se a sociedade poluir menos do que o óptimo, o PIB será mais baixo do que o desejável e teremos pior qualidade de vida; por exemplo, no caso da gasolina, transportam-se menos coisas e pessoas do que seria desejável e isto baixa o PIB, causa desemprego, etc.
  • Se a sociedade poluir mais do que o óptimo, as pessoas ficam mais doentes, o ambiente mais poluído, o que também diminui a qualidade de vida. Quando se polui demais, o PIB até pode aumentar porque estaremos a corrigir problemas, mas o custo de correcção excede os benefícios de termos poluído tanto, logo não cria mais riqueza líquida, apenas se gasta mais dinheiro: gastamos muito mais em medicamentos, o custo de manter os serviços de saúde é mais alto porque há mais doentes, etc. Notem que essa é uma das críticas que se faz ao PIB -- não contabiliza muito bem as actividades de correcção de externalidades, que nem sempre são desejáveis.

Nada desta informação nos é dada quando os governos decidem mudar a fiscalização verde da gasolina, logo podemos concluir que o impacto da poluição não foi estudado de forma a determinar qual o imposto que causaria menos danos para a economia. Em vez disso, insiste-se em aumentar os impostos verdes para manter níveis de receita fiscal desejáveis.

Por exemplo, uma forma de diminuir o nível de poluição da gasolina seria ter mais espaços verdes nas grandes cidades, optimizar a forma como os carros e pessoas circulam, pensar em transportes públicos estrategicamente e de forma integrada, reduzir o impacto de greves nos transportes públicos, usar o preço do estacionamento para racionar o número de veículos, etc. Até o simples acto de melhorar a visibilidade dos nomes das ruas permitiria às pessoas usar menos gasolina e perder menos tempo, melhorando a sua qualidade de vida; mas isto não é desejável, pois com menor consumo de gasolina, as receitas fiscais também diminuiriam, e logo haveria necessidade de aumentar a receita de impostos verdes.

O objectivo da fiscalização verde em Portugal é gerar receitas fiscais; que se lixe o ambiente e a economia.

2 comentários:

  1. Excelente leitura.

    Desta feita, é mais que óbvio que o objectivo é gerar receita. E no ano passado idem, pelo menos em relação aos impostos sobre os combustíveis.

    Já (e.g.) a medida dos sacos de plástico, bem ou mal conseguida (e sem prejuízo de faltarem os estudos que a Rita refere), era mais claro que tinha como objectivo mudar comportamentos. Talvez por isso, conseguiu faze-lo, e não gerou a receita esperada.

    Se o objectivo fosse mudar comportamentos não se aproveitava uma baixa de preços para aumentar impostos menos que a quebra de preços, na expectativa óbvia de que os portugueses continuem a responsabilizar a Galp (e não o governo) por os preços não baixarem.

    Se quisessem mudar comportamentos davam, por exemplo, um sinal de que a disparidade diesel/gasolina é para acabar (como está a ser discutido em França e já é realidade no UK), não só a nível de ISP, mas de contabilidade das empresas, frotas, etc.

    Mas nesse caso, talvez a receita não subisse, e fossem precisas outras medidas.

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    1. Tem toda a razão quanto à questão do gasóleo. Muito bem visto.
      Parece-me que a questão do gasóleo é uma subserviência aos interesses da industria automóvel europeia que teria motores diesel mais avançados que a concorrência e que teriam menos emissões. Agora com o escândalo das emissões se calhar nem isso.

      Agora se for a moeda de troca para manter a Autoeuropa por cá...

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