quarta-feira, 14 de setembro de 2016

O luxo

No meu mural do Facebook, gosto de torturar os meus amigos com fotografias de cadeiras. A última cadeira que postei é famosa, mas é muito mais famosa na Austrália do que nos EUA. É a Relax Chair, fabricada por Feelgood Designs, e desenhada por Yuzuru Yamakawa. É uma cadeira em vime e eu acho-a muito gira para uma sala de estar ou para um sunroom -- adoro sunrooms, apesar de nunca ter tido um. Esta cadeira chamou-me a atenção há uns meses porque apareceu numa das capas da House Beautiful recentemente, cortesia do Thom Filicia, o designer do espaço. Só para verem o quão ignorada esta peça é, nem mencionam o designer original da cadeira na lista de itens. Se fosse uma cadeira Eames ou uma sua réplica, não teriam feito isso.

Baby it's cold outside... so we're staying in with our new issue! #onstandsnow ❄️

A photo posted by housebeautiful (@housebeautiful) on



Lembram-se também daquela excursão de lojas de mobílias que eu fiz aqui por Houston, onde vi a Eames, a Barcelona, a Le Corbusier, etc.? Essas fotos também postei no meu Facebook. Hoje, a minha tia, que há uns meses começou a usar o Facebook, decidiu telefonar-me pelo Messenger e uma das primeiras coisas que me disse foi que as "minhas" cadeiras adoradas eram todas muito feias. Um completo horror! Diz ela que não gosta de coisas complicadas, tem de ser tudo muito prático, e as "minhas" cadeiras parecem dar muito trabalho. Imediatamente, formulei um plano na minha cabeça: quando for a Lisboa, vou arrastá-la para o El Corte Inglés para ela ir testar as cadeiras. Quero-a ver sentada numa Eames a dizer que aquilo não presta...

Isto tudo para vos dizer que nós não apreciamos muito bem a sorte que temos. Antes do Facebook, ela estando em Portugal dificilmente poderia acompanhar a minha vida no outro lado do mundo. Mas assim, vê fotos dos cães, do jardim (ela acha que tenho bichos muito estranhos), do que eu como, leio, gosto, onde vou, etc. Tantas coisas do meu dia-a-dia, que são tão insignificantes que dificilmente as partilharia com a família que estava longe quando tinha a oportunidade de os ir visitar. Mas agora, com as redes sociais, é como se estivessem em minha casa, fazendo parte da minha vida familiar. Nós somos a primeira geração de toda a história da humanidade que tem este luxo. (OK, às vezes partilha-se de mais, mas nada é perfeito...)

2 comentários:

  1. Será essa exposição da vida de cada um com a perda do sentido de privacidade que expõe um luxo ou um lixo?

    Rita, sou muito crítico dessa necessidade que a generalidade das pessoas manifesta nos tempos que correm de expôr as suas vidas à coscuvilhice geral. A normalidade da exposição por oposição à virtude da privacidade não consegue encontrar compreensão em mim. Parece-me, aliás, reflexo de maleitas sociais mais profundas. Essa necessidade permanente de ter a vida vista por toda a gente, de partilhar tudo com todos, de receber aprovação do mundo seja para o que for e de estar permanentemente ligado senão não se é gente ultrapassa-me completamente. Evidentemente que não tenho facebook, tuentí, twitter, instagram, linkedin nem nada dessas tralhas. Aliás, nem sequer uso smartphone - por vários motivos, entre os quais precisamente não querer estar ligado quando estou na rua - e o último telemovel que comprei em Espanha foi um escândalo para a menina da loja dado ela achar que alguém que podia ter um smartphone todo xpto de graça e recusar veementemente só podia ter acabado de fugir dum asilo.

    P.S.: Concordo com a sentido estético da tua tia! As tuas cadeiras são sempre muito feias. Mas, enfim, ainda bem que não temos todos o mesmo gosto. O que seria do roxo se toda a gente tivesse bom gosto? :-)))

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Acho que é uma questão pessoal: as cadeiras e as partilhas. Há coisas que não coloco no Facebook; por exemplo, quase nunca falo da minha vida amorosa e familiar actual. Posso responder a perguntas de amigos, mas não faço questão em partilhar esse aspecto da minha vida. Neste blogue partilho algumas coisas desse foro, mas normalmente são coisas que já se passaram há muitos anos e estão resolvidas.

      O resto não sei se é lixo ou não, mas sei que se gasta muito dinheiro em arqueologia a tentar reproduzir a vida diária de civilizações antigas: o que comiam, o que faziam, a que horas iam para a cama, etc. A meu ver, estou só a poupar recursos às pessoas que irão viver daqui a 500 anos.

      "Someone, I tell you, will remember us, even in another time."
      ~ Sappho

      Eliminar

Não são permitidos comentários anónimos.