sábado, 12 de fevereiro de 2022

Deduz-se então!

No outro dia, num comentário, um dos leitores mostrou-se preocupado com a questão de os arrendatários nos EUA não terem direito a deduzir a renda de casa. A dedução mínima nos EUA é de $12550 para uma pessoa individual e $25100 para um casal, ou seja, para parte da renda ser dedutível, teria de ser superior a $1046/mês para um indivíduo e $2092/mês para um casal. Estas rendas encontram-se facilmente nas cidades maiores, mas são consideradas altas fora das zonas urbanas. Depois, no caso de um casal, quem tem $2092/mês para uma renda é capaz de conseguir comprar uma casa e o governo federal tem várias formas de apoiar a compra de casa. 

Deduz-se então que ao ter uma dedução mínima, mas não permitir deduções de rendas, enquanto permite deduções de juros da compra de casa, o sistema americano distorce o mercado em pelo menos três formas: (1) torna as zonas não-urbanas mais atractivas para arrendamento do que as grandes cidades; (2) incentiva a compra de casa em vez do arrendamento, o que promove a acumulação de riqueza a longo prazo; (3) promove os estados com custo de vida mais barato e penaliza os estados mais caros.

Por vezes, estas distorções até são agravadas pelos governos dos próprios estados: por exemplo, a Califórnia limita a construção de novas casas e muitas cidades têm zoneamento bastante restritivo, logo o mercado imobiliário aprecia bastante, o que força as empresas a ter de pagar salários mais altos para atrair mão-de-obra. O efeito destas políticas é que muitas empresas têm vindo a mudar-se para estados com custo de vida mais em conta, como o Texas ou o Tennessee. 

Mesmo indivíduos reformados escolhem sair de Nova Iorque ou da Califórnia para ir viver noutros sítios onde possam esticar o seu pé de meia. Ainda por cima, ao vender a casa, não se paga imposto sobre a mais-valia porque o governo federal presume que a valorização da casa se deveu em parte ao esforço dos donos que a mantiveram.

E os pobres, como é que ficam? Imagine-se alguém que tem um emprego em que ganha o salário mínimo -- o salário mínimo federal é de $7.25/hora ou cerca de $14500/ano (multiplica-se o salário por hora por 2000 horas para chegar ao anual). Do ponto de vista dos americanos, não é desejável que haja muita gente a ganhar o salário mínimo, mas há empregos que pagam o salário mínimo em todo o lado, logo não é necessário a pessoa viver num sítio onde o custo de vida seja caro. 

Para além disso, os pobres têm direito a vários programas de apoio por via dos governos federal e dos estados. Se a pessoa escolhe viver num sítio mais caro, é uma escolha pessoal que o governo federal não acha que tem de subsidiar. Aliás, é esse mesmo o problema: enquanto que os portugueses têm um enorme afecto pela palavra subsídio e são indiferentes a impostos; os americanos detestam subsídios e impostos.



4 comentários:

  1. Em PT é o contrário: as amortizações dos empréstimos à habitação não são dedutíveis no IRS, ao contrário das rendas

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  2. "os portugueses têm um enorme afecto pela palavra subsídio e são indiferentes a impostos; os americanos detestam subsídios e impostos."

    - Essa diferença existe, mas os sistemas jurídicos são diferentes e nenhum deles "fits all".

    Os subsídios americanos à habitação passaram a ser maiores que os portugueses: (1) em Portugal, os juros eram e deixaram de ser dedutíveis. Nos EUA, não há restrições; (2) em Portugal, o benefício fiscal às rendas elevadas é o mesmo que tem uma renda de 500 euros.

    Pronto, já escrevi uma farpa que não estará completamente errada.

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    1. O Isidro tem uma vida muito aborrecida, não é?

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    2. É mais imperfeita do que aborrecida. Obrigado pelos seus artigos, Rita.

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