quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Uma salgalhada

Por volta do Natal, fui jantar a casa de uns amigos portugueses e calhou falarmos em compra de casa e spreads bancários. Um dos meus amigos portugueses mencionou que nos EUA não divulgam a spread e na altura não respondi, mas fiquei a pensar naquilo. Na verdade, nos EUA não há spreads porque as hipotecas são agregadas em instrumentos financeiros que são vendidos a investidores em tranches. A entidade que cria o empréstimo não fica com ele, apenas cobra uma comissão por originar o empréstimo. Quem compra as tranches presume que terá uma certa rentabilidade, mas esta inclui a possibilidade de parte das hipotecas falharem, logo a rentabilidade depende do conjunto das hipotecas agregadas e não de uma em particular.

Todas as comissões que são cobradas aos compradores são divulgadas antes de se realizar a compra de casa; mas, em alguns estados, é comum o comprador pedir a quem vende a casa para pagar os custos de fechar o contrato (closing costs). Depois há também o facto de a maior parte dos empréstimos para compra de casa nos EUA ser a taxa de juro fixa, logo se houvesse um spread, este seria variável.

Recentemente, a Reserva Federal anunciou que provavelmente começaria a aumentar a taxa de referência em Março e conta fazê-lo várias vezes antes do final do ano. Quando isso acontecer, a maior parte das hipotecas existentes ficará na mesma porque têm taxas de juro fixas. Quem será afectado serão as pessoas que estão a comprar casa, pois terão de pagar uma taxa de juro mais alta. No entanto, o normal é os preços das casas diminuirem um pouco para que o pagamento mensal não fique muito diferente. Com os juros mais altos, os americanos têm uma maior dedução nos impostos, pois as despesas com juros de hipoteca são 100% dedutíveis no rendimento colectável, para hipotecas até $750 mil.

Há outros detalhes interessantes. Quase metade das hipotecas americanas são compradas pela Fannie Mae e pelo Freddie Mac, que são empresas cotadas na bolsa, mas com fins sociais (servem para ampliar o mercado de hipotecas, ou seja, garantem as hipotecas de pessoas que têm menos possibilidade de obter crédito) e garantidas pelo governo americano.

Muitas poupanças de americanos estão aplicadas em intrumentos financeiros compostos por hipotecas e também em acções da Fannie Mae e do Freddie Mac, logo parte da receita dos juros das hipotecas reverte para os próprios americanos ou para investidores internacionais que comprem estes instrumentos.

Isto é tudo uma grande salgalhada. Tenho de ter outra conversa com o meu amigo porque ele anda à procura de casa e vai ser a sua primeira compra.

5 comentários:

  1. Tenho um spread de 0.3 e taxa de juro indexada à Euribor 6 meses; esta está a -0.55% logo estou com juros negativos de -0.25%

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  2. Em Portugal, as rendas têm benefícios fiscais e os juros não. Nos EUA ainda é o contrário? [Juros com benefício, rendas sem ele?]

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    1. Sim e não. Os EUA têm uma dedução mínima, logo para uma pessoa individual os primeiros $12400 de rendimento não pagam imposto de rendimento; para um casal sem filhos, os primeiros $24800 não pagam imposto. Ou seja, hipotecas com juros e impostos de propriedade muito baixos não ultrapassam estes valores, logo aplica-se a dedução mínima. As rendas não são dedutíveis, mas dada a dedução mínima, para haver lugar a dedução a renda teria de ultrapassar os $2067/mês para um casal sem filhos e os $1033/mês para alguém solteiro. Ou seja, o sistema fiscal americano protege quem tem rendas mais baixas e os proprietários de casa, mas penaliza quem tem rendas mais altas.

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    2. Muito obrigado pela minúcia e pela argúcia.

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