sábado, 24 de janeiro de 2015

Medidas desesperadas com resultados incertos

Hoje, ao ver o Governo Sombra, fui surpreendido com o João Miguel Tavares (JMT) a dizer que todos os economistas consideravam excelente o anúncio do Mario Draghi de que o Banco Central Europeu (BCE) ia intervir em força na compra de activos financeiros, incluindo dívida pública dos estados europeus. Acrescentou ainda que o BCE ia fazer o que o Banco de Portugal fazia quando tínhamos moeda própria.

Não me parece que esta política seja consensual entre economistas. Estas políticas monetárias não convencionais são aplicadas quando nada mais funciona. Ou seja, são medidas desesperadas. E não são convencionais precisamente porque os riscos a elas associados são grandes. Ou seja, o que Mario Draghi anunciou foram medidas desesperadas de resultados incertos.

Numa situação de crise como a actual, os Bancos Centrais gostam de baixar taxas de juro por acreditarem que a descida nas taxas de juro vai estimular o investimento. O problema actual é que as taxas de juro que o BCE controla já estão praticamente no zero pelo que não dá para baixar mais. As políticas monetárias tornaram-se ineficazes. Com as políticas monetárias não convencionais, o objectivo é o de conseguir baixar outras taxas de juro não controladas directamente pelo banco central, permitindo assim aos outros agentes beneficiar das taxas baixas. Há alguns motivos para desconfiar da eficácia de tais medidas. Em primeiro lugar, o BCE é responsável por diversos países e terá de actuar de acordo com a quota de cada um no BCE. Isso obriga a que grande parte da pipa de massa anunciada vá parar a países que nada têm a beneficiar com estas medidas. Basta lembrar que há muitos países com taxas de juro da sua dívida pública em mínimos históricos.

Ao contrário do que JMT sugeriu, ao comparar o que o BCE vai fazer com o que Portugal fazia nos anos 80, o BCE não vai financiar directamente os Estados. O BCE vai comprar activos financeiros no mercado. Ou seja, vai valorizá-los. Quem beneficia directamente com isso são os investidores que têm esses activos financeiros (ou substitutos próximos). Esses ganharão. Não é de todo óbvio qual o mecanismo de transmissão que garantirá que os benefícios de alguns serão estendidos ao resto da economia. É necessário esperar que os bancos façam chegar esse dinheiro às empresas. De qualquer forma, imagino que se Draghi anunciou estas medidas agora é porque está confiante de que o sistema financeiro europeu já está mais funcional. De uma coisa podem, no entanto, ter a certeza. Banqueiros/especuladores/investidores financeiros esfregam as mãos de contentamento.

Outro aspecto importante tem a ver com a taxa de juro real (taxa de juro nominal subtraída das expectativas de inflação). Com o perigo de deflação que temos pela frente, mesmo com taxas de juro próximas do zero, a taxa de juro real pode ser demasiado elevada, não estimulando assim o investimento. Dado que não houve alteração do mandato do BCE quanto à taxa de inflação, não há motivo para crer que as expectativas de inflação subam substancialmente. Ou seja, há motivos para acreditar que a política monetária continuará razoavelmente ineficaz.

A longo prazo, é importante ter consciência de que estas políticas promovem comportamentos arriscados. Ao baixar todas as taxas de juro da economia, investidores que pretendam taxas de rendibilidade mais elevadas irão alterar a sua carteira apostando mais em activos arriscados. Uma composição de carteiras com maior risco só não é problema se tudo correr bem.

Para terminar, duas notas positivas e um aviso.

Primeiro, a única experiência de longo prazo que temos com políticas não convencionais é a do Japão. O que se tem visto no Japão ao longo das últimas duas décadas é que estas políticas não têm servido para tirar o país da estagnação permanente em que parece viver, mas também não foram catastróficas.

Segundo, é verdade que parece que nos EUA esta política deu os seus frutos. É, no entanto, importante lembrar que a política orçamental nos EUA foi bem mais razoável do que na Europa, que eles não têm as limitações que o BCE tem e que o sistema financeiro parece mais fluido.

Um aviso final. Na verdade, como neste momento é óbvio, sabemos muito pouco de (macro)economia. Isso deve alertar-nos contra políticas demasiado arrojadas. E se estas, para já, parecem não ser o desastre anunciado por muitos e, pelo contrário, têm alguns benefícios a verdade é que ainda não é óbvio como vai o FED fazer para desinflar o seu balanço.

7 comentários:

  1. Caro LA-C,

    Na sua opinião, qual era (é) a alternativa? Tendo em conta, claro, as restrições à actuação do BCE. De outra forma, será que o tal do "consenso" não será mais uma mistura entre os que acham bem e os que acham que é melhor que ficar quieto?

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    1. "Na sua opinião, qual era (é) a alternativa?"

      Carlos Duarte, sinceramente, não lhe sei responder.

      "não será mais uma mistura entre os que acham bem e os que acham que é melhor que ficar quieto?"

      Sim, nesse ponto estou de acordo. Em especial, a decisão de deixar 80% da dívida nos Bancos Centrais dos países respectivas tem, claramente, esse objectivo. Estão a dizer aos alemães que caso um país não pague e seja corrido do Euro então é o país em causa que suporta os custos do default.

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  2. É sintomático dos tempos que vivemos considerares uma nota positiva o facto de medidas semelhantes no Japão não terem tido resultados catastróficos...

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  3. "Isso obriga a que grande parte da pipa de massa anunciada vá parar a países que nada têm a beneficiar com estas medidas. Basta lembrar que há muitos países com taxas de juro da sua dívida pública em mínimos históricos."
    O facto de as taxas de juro na divida estarem em minimos historicos nao quer dizer que nao possam baixar ainda mais.

    "Dado que não houve alteração do mandato do BCE quanto à taxa de inflação, não há motivo para crer que as expectativas de inflação subam substancialmente."
    A inflacao, actual e esperada, esta substancialmente abaixo do mandato do BCE de 2%, logo nao e preciso alterar esse mandato para que estas medidas tenham espaco para produzir efeitos.

    "Um aviso final. Na verdade, como neste momento é óbvio, sabemos muito pouco de (macro)economia. Isso deve alertar-nos contra políticas demasiado arrojadas"
    Perante a ameaca de deflacao e o desemprego elevadissimo, nao fazer nada e capaz de ser a escolha mais arrojada. Especialmente quando olhamos para a experiencia americana.



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    1. "O facto de as taxas de juro na divida estarem em minimos historicos nao quer dizer que nao possam baixar ainda mais."

      Com certeza que não. Quer apenas que não podem baixar muito mais e já não haverá grandes benefícios com isso. Por exemplo a Germany Bund 5 Year Yield está nos 0,01%, mais coisa menos coisa. É possível descer mais? É, com certeza. Mas penso que perceberá que já não vai descer muito mais e que os benefícios dessa descida serão bastante limitados

      "A inflacao, actual e esperada, esta substancialmente abaixo do mandato do BCE de 2%"

      A esperada a longo prazo não está assim tão abaixo. Mas, de qualquer forma, não alterando a âncora das expectativas (o target do BCE) e mantendo-se o desemprego ficarei surpreendido se as expectativas mudarem substancialmente. Mas veremos. No 'post' era indicado um link com umas contas de Paul Krugman a indicar que as expectativas se teriam alterado no máximo em 0,2 pontos percentuais. A mim parece-me pouquinho. Mas pode ser que Krugman se tenha enganado, apesar de a análise que ele faz para calcular as expectativas ser bastante standard.

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    2. A divida alema a 10 anos esta nos 0.4%. E ha outras economias grandes, com peso no programa de compra do BCE, com mais margem para cair, como a Italia e Espanha, que estao a volta de 1,5%.
      A analise to Krugman tem por base os valores antes e depois do anuncio do BCE, e logo compara o programa anunciado com o programa que ja se esperava e nao com a ausencia de programa. Incluindo nas contas a queda acentuada do euro desde o inicio do ano, por exemplo, daria um impacto bem maior. Alias, um presumivel efeito importante deste programa que nao referiu no seu post e precisamente a queda do euro, que pode ser um reforco importante para a competitividade das empresas europeias.
      Estou de acordo que sabemos pouco sobre este tipo de politica monetaria neste contexto, mas surpreende-me que os economistas Portugueses e o Banco de Portugal (e outros paises do Sul) nao tenham uma voz mais activa no apoio a uma politica monetaria mais expansionista, para contrabalancar a pressao alema constante. Temos muito a ganhar se as coisas correrem bem e pouco a perder.

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  4. "um presumivel efeito importante deste programa que nao referiu no seu post e precisamente a queda do euro"

    Sim, tem razão, foi por esquecimento.

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