sexta-feira, 1 de abril de 2016

História gótica

26. "Que saudades", pensava Viorica, a mulher do mineiro, enquanto esfregava na tábua de madeira os punhos da camisa do filho.
"Que saudades, tão pequenino." Uma mulher anafada com um lenço às flores na cabeça e carregando um alguidar cheio de roupa, aproximou-se. "Viorica, vieste cedo." Atrás dela, um grupo de outras cinco ou seis mulheres chegava ao ribeiro. Foram-se instalando ao longo da margem e preparando o sabão e as escovas. "Ai, Sorina", gritou uma delas, "o teu marido é tão enfezado, vais ser a primeira a acabar." Sorina corou enquanto as outras riam. "E tu, Raluca, vais ser a última, porque o teu marido é um porcalhão", respondeu Sorina, fazendo rir ainda mais as mulheres com os braços mergulhados na água fria. Viorica sorria apenas, ainda estava a pensar nas saudades. Miruna, a mulher anafada, olhou para Viorica, que era sua vizinha e a quem pedia emprestadas cadeiras para os jantares em que se reunia a família toda, emprestando as suas sempre que era preciso. "Viorica, hoje estás com a cabeça longe", disse. As outras viraram o pescoço na direcção de Viorica, e Sorina, sempre desbocada, acrescentou, "a pensar no boticário, pois claro." Novas gargalhadas, e desta vez também Viorica se rira. "A Raluca é que lhe lava a roupa, vai ficar com ciúmes", continuou Sorina. "Com ciúmes não sei", ripostou Raluca, "mas dou-lhe a ela de bom grado as roupas do janota. Ela que as lave." "Finas como são, até tenho medo de as rasgar. E é preciso esfregá-las bem, tal é o cheiro a perfume entranhado", foi dizendo cada vez mais séria, como exigia a dificuldade da tarefa. Miruna fez voltar a risota quando disse que a roupa do marido só cheirava à aguardente do Decebal, "aquele aldrabão daquele taberneiro." "E a mulher dele agora, nem se pode aturar", contribuiu para a conversa uma mulher de cabelo muito loiro, que alguns diziam dever-se ao chá de camomila com que os lavava desde a infância. "Desde que tem uma hóspede da cidade, aquele nariz anda sempre empinado." "Tens razão, Felicia. Encontrei-a no padeiro, antes de vir para aqui. Disse umas três vezes em voz muito alta que só queria o pão mais branco, que era para uma menina muito fina, nobre com certeza, marquesa, ou até condessa, aquelas mãos de aspecto tão macio nunca usaram uma vassoura." "E uma marquesa ou condessa ou duquesa vinha fazer o quê neste fim de mundo? E vinha sozinha, sem criada de quarto e cocheiro de libré? E sem os seus próprios cavalos?", perguntou Raluca. "Sim, aqui não há valsas", disse Sorina, "só se veio atrás do boticário", exclamou. Riram todas tanto ao ouvir isto que até pararam de esfregar calças e camisas, e algumas delas passaram as costas das mãos pelos olhos para afastar umas lágrimas joviais. "A Doina é que era bem capaz de ir até Giurgiu atrás dele", disse outra das mulheres. Doina era o nome da mulher do taberneiro, e Giurgiu o de uma aldeia que distava poucas milhas de Zselyk, e onde todos os meses de setembro se realizava o festival do galo, e se elegia o galo mais vistoso e empertigado das redondezas. "Então se o boticário ganhar o concurso, ela até deixa de ser taberneira e passa a boticária." Outra gargalhada geral, outro ataque de lágrimas, enquanto lhes passava pela cabeça a imagem do farmacêutico com uma crista imponente, costas muito direitas e um tufo de penas coloridas coladas no fundo das costas. E, de braço dado com ele, a Doina, carregando o pote de mel que costuma a ser o prémio do concurso. Viorica foi deixando de ouvir as gargalhadas à medida que erguia os olhos para o topo da colina e lhe aparecia o castelo. "Que saudades", voltou a pensar.

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