quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

O atraso português



Na sequência do meu artigo no DN esta semana sobre o atraso português, encontrei alguns argumentos que merecem uma reflexão e consideração.

(1) Não há atraso português porque estamos entre os 25/30 países mais desenvolvidos do mundo. Uma questão de referência geopolítica. O dito atraso sempre foi equacionado no contexto europeu. Talvez, mais recentemente, no contexto da OCDE. Assim sendo, entende-se por atraso a distância que nos separa das economias e sociedades mais ricas da Europa e do Mundo.

(2) Divergências sobre quando começou esse atraso. Remeto para o excelente artigo do Nuno Palma.

(3) O assunto não é novo. Pois não. Citando-me, “Se há tema que tem apaixonado os intelectuais portugueses nos últimos duzentos anos é o atraso português. Pelo menos desde o Marquês de Pombal, que o dito atraso é tema de reflexão nos círculos intelectuais do pensamento nacional e entre os mais variados responsáveis políticos.”

(4) Não explico qual a causa do persistente atraso. Pois não. Porque não haverá uma só causa, mas sim uma confluência de causas. Dos Vencidos da Vida a Antero de Quental, só para mencionar alguns, todos discutiram isso mesmo. No dito artigo cito muitas das causas identificadas. Não penso que nenhuma das causas "tradicionais" seja totalmente falsa. Algumas estão agora fora de moda –“a religião católica e a influência da Igreja”-, algumas evoluíram –“a pobreza dos recursos naturais disponíveis”-, mas todas elas “têm sempre algo de verdade”.

(5) A única tese que rejeito é a “excepcionalidade portuguesa”. Não há nada genético que explique o atraso português. Neste tema, remeto aliás para o artigo seguinte do Nuno Palma.

(6) Consequentemente, a natureza extrativa das instituições portuguesas não é intrínseca ao ser português. Todas as elites são endogâmicas pela própria dinâmica de apropriação privada dos benefícios públicos. Existem, depois, fatores que limitam ou impedem a endogamia e forçam a exogamia. Nomeadamente a concorrência entre grupos para ascender às elites. Em Portugal, simplesmente, os freios são fortes e os contrafreios são fracos; a dinâmica não é suficientemente sólida para romper a endogamia.

(7) A homogeneidade cultural, linguística e demográfica dos portugueses tem muitas vantagens. Mas uma desvantagem é favorecer a persistência de elites endogâmicas. Isso é claríssimo no tratamento dado à diáspora. Ou mesmo ao estrangeirado. O processo de cooptação está amplamente documentado, quer historicamente, quer na sociedade atual. Já para não falar de como as elites de Lisboa olham para as elites do Porto. E vice-versa. Tema também amplamente documentado, quer historicamente, quer na sociedade atual.

(8)  Nos últimos 50 anos, aceitou-se que o atraso português era devido à falta de escolarização e educação dos portugueses. Isso sim podemos, já, rejeitar como causa primordial. Avançámos muitíssimo. O atraso persistiu. Estou tentado a dizer que a falta de escolarização e educação durante o século XX seria bem mais uma consequência, e não uma causa, do atraso.

(9) Precisamos de soluções. Pois precisamos. Mas se elas fossem simples, se pudessem ser facilmente transplantadas, o atraso já teria sido superado. As causas não são simples, as soluções ainda menos. Evidentemente que o atraso não é um fado. Mas romper com instituições extrativas e elites endogâmicas não se faz por decreto. Ou em legislaturas de quatro anos.

(10) Como dizia a leitora mais certeira, isto é tudo conversa de café. E é mesmo. Conversa de café, tertúlias e Vencidos da Vida. Foi assim há 150 anos, vai continuar assim. Porque a discussão intelectual passou dos cafés para as redes sociais! Será mais democrática… mas será mais produtiva?

22 comentários:

  1. Sabes que concordo contigo, quase sempre, e esta vez não é excepção, mas gostaria de dizer "obrigada" por usares tantas palavras giras neste texto. Começaste o Ano Novo na DdD em alta. Lá vou eu ter de me esmerar...

    Não acho que a conversa nas redes sociais seja muito produtiva: a maior parte das pessoas não quer conversar; quer validação das suas crenças. Se dizes algo que reforça o que elas pensam, acham que és um herói. Se dizes algo que contradiz as suas crenças, és um chulo, que anda à procura de um tacho. Tentar encontrar uma explicação que seja sustentada por factos, em vez de fidelidade partidária, é uma tarefa pouco respeitada e apreciada em Portugal.

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    1. Não sei se percebeste, mas houve um conjunto de artigos publicados recentemente na imprensa portuguesa a explicar que todas as maldades se devem às redes sociais.

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  2. Caro Nuno Garoupa.
    Após ter a experiência de residir num país da escandinávia, que é normalmente apontado como dos exemplos ao nível de desenvolvimento e refletir sobre o assunto, o que concluí foi que a grande diferença que via entre a nossa população e a população deles era precisamente o nível educacional. Neste país cerca de 80% das pessoas eram licenciadas (obviamente que a maioria não exercia especificamente na sua área de licenciatura). Adicionalmente as pessoas desse país penso que terão sido educadas por pais também com um nível de escolaridade muito superior ao nível de escolaridade dos pais da atual população portuguesa. Lembro-me de na altura ter ido visitar uma pequena produção agrícola gerida por alguém que teria a idade do meu avô, e da pessoa que geria essa pequena produção agrícola falar perfeitamente inglês, e de comparar com o meu avô que também era agricultor e que tinha a quarta classe e obviamente que não dominava a língua estrangeira. Pensando em termos gerais nesse país escandinavo, achei que também não eram propriamente muito ricos em recursos naturais. Outras diferenças que tinham em relação a nós eram o facto de a religião ser protestante, energia produzida por centrais nucleares e de produzirem armas. Contudo após ponderar todos o factores o que achei mais relevante foi mesmo o histórico do nível de educação. Penso que em Portugal provavelmente ainda não chegámos sequer aos 40% de licenciados. E isto é recente se formos ver a população de maior idade a proporção será muito menor. Penso que o investimento que Portugal fez na educação irá dar frutos à medida que a nova geração for ocupando cargos de maior responsabilidade e forem tendo filhos e educando de outra forma a próxima geração. Estou optimista portanto e quanto a mim o mais importante é que se mantenha a aposta na educação. (Que já era a paixão do Engenheiro Guterres, que acredito ser uma pessoa muito inteligente e que hoje em dia já fica outra vez bem citar :)

    Um feliz 2017

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    1. Rui:
      «ainda não chegámos sequer aos 40% de licenciados»
      Pois não.
      Nem sequer aos 40% de diplomados com o secundário (contando toda a população, nas gerações mais recentes sim, mas estamos longe de 90%, por exemplo, que seria uma boa taxa).
      «Estou optimista portanto e quanto a mim o mais importante é que se mantenha a aposta na educação».
      Olhe que as perspectivas no anterior governo não eram essas, era a da segregação, uns saiam do sistema aos 12 anos, indo aprender as profissões, os outros seguiriam o percurso escolar normal.
      O que nos daria bons lugares nos PISA futuros, só as novas elites escolares contariam.
      E grandes figuras das elites intelectuais pensam hoje que estamos a gastar demasiado em Educação, veja a redução nos gastos em % do PIB nos anos da Troika, ainda não compensados nem se sabendo quando serão.
      Apenas durante poucos anos gastámos dentro da média europeia, um pouco acima de 5%, com a agravante de parte desses gastos irem para a construção de infraestruturas, de que tínhamos grande carência.

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    2. "Olhe que as perspectivas no anterior governo não eram essas, era a da segregação, uns saiam do sistema aos 12 anos, indo aprender as profissões, os outros seguiriam o percurso escolar normal."

      Penso que a escolarização é muito importante para abrir os horizontes dos indivíduos (mesmo que nem todos no final trabalhem na área das suas licenciaturas). Mas escolarização à força simplesmente não funciona. Há crianças/adolescentes que não tem qualquer interesse na aprendizagem escolar, e que não obstante o esforço dos professores (e às vezes até dos pais) não conseguem (ou não querem) ter aproveitamento. Para estes é necessário haver uma saída. Os cursos profissionais são uma saída digna para certos perfis. Eventualmente, quando tiverem mais maturidade esses indivíduos poderão querer voltar à escola.
      Obrigar os adolescente a estar na escola à força até ao 12º é totalmente contraproducente. Para eles e para os colegas de turma.
      É uma forma de criar delinquentes que nem estudam nem aprendem uma profissão...

      Susana V.

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    3. "Há crianças/adolescentes que não tem qualquer interesse na aprendizagem escolar"

      Isso pode ser relevante se estivermos a falar de segregação voluntária (como, de certa maneira, era até o alargamento da escolaridade obrigatória, em que quem queria ia até ao 12º ano, e quem não queria ficava-se pelo 9º); mas penso que o que o governo anterior tentou por em prática foi segregação involuntária, em que os alunos que não tinha aproveitamento na via regular seria encaminhados para os cursos "profissionais", quer o quisessem quer não (sem distinguir entre os que têm mau aproveitamento por uma questão de gostos pessoais dos que têm mau aproveitamento por terem mais dificuldades)

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    4. Susana V:
      Há uma diferença entre proporcionar o melhor possível, dentro das condições do país, para que todos progridam o mais possível, tendo a consciência de que nem todos podem ser licenciados, nem isso interessará, e a perspectiva de, demasiado cedo segregar.
      O estímulo e as condições do contexto positivo ajudam a ir mais além.
      O desincentivo e a segregação demasiado cedo tolhem os percursos.
      Há muito que se deixou de considerar adequado segregar aos 12 anos, voltou-se agora por preconceitos puramente ideológicos.

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    5. Eu estou optimista pois hoje em dia penso ser residual o numero de estudantes que abandonam a escola muito cedo. Certamente que existirão casos mas nos anos 80 ainda haviam notícias de trabalho infantil. Infelizmente essa foi uma realidade que existia em Portugal não assim há tanto tempo atrás e que com maior ou menor investimento na educação por parte dos diferentes governos felizmente deixou de existir. Penso que hoje em dia a pressão social e das autoridades sobre alguns pais a quem eventualmente passasse pela cabeça não deixar os seus filhos estudar seria muito maior do que nos anos 80, o que leva a que situações de crianças serem impedidas de estudar hoje em dia em Portugal não posso dizer que sejam impensáveis mas sejam pelo menos muito mais raras.
      O que me preocupa mais é o elevado valor das propinas do ensino universitário básico, penso que sejam entre 800 e 1100 euros, apesar de existirem alguns apoios penso que constituem uma barreira significativa ao prosseguimento dos estudos por parte de alunos mais desfavorecidos. São praticamente 2 salários mínimos e acho um valor completamente desajustado ainda por cima quando a nossa constituição diz que o ensino deveria ser tendencialmente gratuito. penso que a educação traz tanto valor para a sociedade em geral que acho que não faz sentido cobrar valores de propinas tão elevados para a realidade portuguesa e gostaria de ver estes valores reduzidos num futuro próximo e que se criassem mais programas para que pessoas mais velhas que tenham interesse e motivação tenham facilidade em frequentar o ensino superior em fases mais tardias das suas vidas. Por exemplo no país nórdico em que vivi, as pessoas não só não pagavam propinas como recebiam um estipêndio do governo durante os seus estudos universitários (que eles se queixavam de ser baixo :p) Isto permitia que as pessoas terminassem o secundário e muitas vezes fossem trabalhar e só depois de alguns anos, com a motivação iam realizar o seu curso já com conhecimento do mundo do trabalho. Obviamente que isto está a milhas da realidade portuguesa e provavelmente será irrealizável em termos políticos, mas pelo menos baixar as propinas penso que seria possível e um passo no caminho certo.

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    6. "Segregar aos 12 anos".

      Este assunto está um pouco "off topic", mas não posso deixar de escrever o que se segue.

      1) Aos 12 anos as crianças já tem capacidade de compreender muito mais do que nos dias de hoje se assume. A desresponsabilização das crianças (e adolescentes e jovens adultos) é quanto a mim um grande problema nas sociedades actuais.
      A escola deve ser vista como uma oportunidade. Não como uma obrigação nem tão pouco como um direito. Ter 12 anos e não perceber isto é preocupante. Acredito que tal possa acontecer aos 6 anos, mas não aos 12.

      2) A escola custa dinheiro aos contribuintes (muitos dos quais nunca tiveram a oportunidade de a frequentar). A universidade custa muito mais do que as propinas que os alunos pagam (alunos esses que faltam às aulas para irem para os copos). São oportunidades que podem ser aproveitadas ou desperdiçadas, mas não oferecidas indefinidamente...

      3) As oportunidades que proporcionamos estão intimamente ligada aos recursos que possuímos. Não temos o dever de proporcionar mais que isso.

      PS - Lembro-me de, que quando a Malala foi atingida em 2012, ter tido uma conversa com a minha filha sobre o facto de a aprendizagem ser algo pelo qual muitas vezes se tem de lutar. Ela ficou muito chocada. E percebeu... Tinha na altura 7 anos.

      Cumps.

      Susana V.

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  3. estevaosig@gmail.com5 de janeiro de 2017 às 19:22

    Bem sistematizado. Eu diria que o atraso é falta de pragmatismo das elites especialmente as de Lisboa: não gostam de sujar ad mãos a fazer.

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  4. Atraso? Mas qual atraso? Há as estatísticas e há a realidade. Que outro país combina melhor sofisticação, beleza natural, riqueza cultural, infra-estrutura, apoios sociais, cosmopolitismo, pouca desigualdade, acesso universal a educação e saúde com qualidade, segurança, ausência de inimigos externos, integração social, produção científica, justiça fiscal, tradição, esperança de vida, entre outros, do que Portugal?

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    1. NG:
      Vive no estrangeiro há muito tempo, não é?
      Há mais vida para além de algumas fantasias que enuncia.
      A realidade é um pouco (às vezes bastante) diferente.

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  5. Bom dia,
    Texto muito interessante.
    Eu cá votaria na endogamia como a principal causa.
    A crónica do João Miguel Tavares no Publico é muito certeira, quanto a mim, no que diz respeito a esta questão. O problema de Portugal é que os bons profissionais não chegam (ou não se aguentam) em lugares de topo. Estes estão reservados aos serviçais...
    Esta ideia é reforçada pela entrevista depoimento do ex-ministro Teixeira da Cunha no parlamento. Muito elucidativo sobre a forma como se passam as coisas na maior parte dos sectores em Portugal...

    Susana V.

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    1. Opps... Campos e Cunha e não Teixeira da Cunha!

      Susana V.

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    2. Infelizmente, academicamente, o tema está por estudar. As elites dos últimos 200 anos não mereceram até agora grande interesse nas nossas ciências sociais.

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  6. A parte relativa a instituições extractivas e inclusivas é muito interessante e está ligada a uma "teoria de tudo" que quase só não explica as diferenças de desenvolvimento entre a China e a Índia. Fica o convite ao aprofundamento.

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    1. A teoria não é minha. Nasceu com Mancur Olson, ganhou dimensão com Douglas North, e foi divulgada fora do mundo académico pelo Acemoglu. Infelizmente, em Portugal, teve um impacto muito marginal. Consequentemente, há poucos estudos sobre as nossas elites. Existem, claro, os estudos mais institucionalistas ou neomarxistas do grupo de investigadores ligados ao Francisco Louçã. São uma boa base de partida, independentemente de discordâncias metodológicas. Mas não há nada numa perspetiva mais neoinstitucionalista ou mesmo public choice. Por exemplo, pouco ou nada sabemos da mobilidade entre elites.

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  7. Estou totalmente de acordo em relação às instituições extractivas (começando pelos partidos!) e elites endógenicas (que começam por não ser elites quanto a resultantes de uma meritocracia).
    Não estou de acordo contigo de todo sobre a educação. Não só está errada em termos estatísticos, como a estatística nem sequer faz jus à realidade. Não só temos uma população com o nível educacional médio mais baixo da UE, como muitas das recentes licenciaturas são de banda estreita e sem mercado por estarem fora do STEM.

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    1. Não percebi o erro estatístico. Não vamos ir há 100 anos. Vamos só a 1960. Taxa de analfabetismo: 33% em 1960, 5% em 2011. População com curso superior: menos de 1% em 1960, 6% em 1998, 17% em 2011. Número de portugueses sem estudos: 4,1 milhões (1960), 540 mil (2011). Portanto parece-me que ”avançámos muitíssimo” em 50 anos. E “o atraso persistiu”. Acho muito pouco provável que um avanço destes tem quase um impacto zero no atraso, mas o avanço seguinte, que percentualmente será sempre bem menor, nos próximos 50 anos, vai ter um impacto imenso no atraso. A teoria de que a (ausência de) educação explica a endogamia das elites parece-me recusada pelos dados estatísticos. Insisto, poi, que a falta de escolarização e educação durante o século XX parecem bem mais uma consequência, e não uma causa, do atraso.

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  10. O atraso persistiu? Não terá diminuído imensamente? Está a medir o "atraso" com base em que parâmetros? Eu diria que hoje o país está muito mais próximo dos parâmetros de vida europeus do que alguma vez teve...

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