sábado, 25 de março de 2017

Putin: o 28.º Estado-Membro da UE

A tentação imperial de Putin não é nova. Porém, vem encontrando no actual momento político-económico e social o mais favorável “caldo” para se desenvolver. A História ensina-nos que o equilíbrio de poderes do pós-Guerra Fria só na aparência foi resolvido a favor dos EUA, dado que o gigante apenas adormeceu estrategicamente. Passada a fase da Comunidade de Estados Independentes, reconfigurada a Federação Russa, eleito um ex-operacional do KGB para o Kremlin, sabia-se que o espaço de influência continuaria.
Confrontada com maus desenvolvimentos económicos, limitando a sua capacidade de manutenção e renovação militar, o regime de verdadeiro “czariato” de Putin fez alianças com a China e foi namoriscando os EUA, que foram no logro de que o desequilíbrio económico seria suficiente para manter a política externa moscovita dentro de aceitáveis margens de controlo.
Puro engano. Não apenas o Presidente russo, mas boa parte da população, por entre os frangalhos de uma ex-URSS todo-poderosa e um desejo de afirmação e expansão de império, co-natural àquele povo, depois de ameaçarem a UE e a OTAN em virtude do despautério do alargamento a Leste, anexaram a Crimeia. Um primeiro grande teste de resistência a que Putin quis submeter a dita “comunidade internacional” e no qual passou com louvor e distinção. O controlo sobre uma boa parte do gás que abastece a Europa central, em especial a Alemanha, a ainda existente ameaça militar e uma personalidade que contrasta com um apagamento das lideranças do Velho Continente, conduziram a reacções pífias e inconsequentes.
E assim foi nascendo um novo “movimento dos não-alinhados”, com Putin e Erdogan, a que se vai aliando, pontualmente, o pragmatismo da política externa chinesa, mais apostada no poderio económico, bem visível no montante dos créditos que detém quanto à dívida pública norte-americana. Com a habitual subtileza da China, após a governação por tweets de Trump, bastou uma pequena lembrança deste facto para que o inefável homem que marca a moda da altura das gravatas se virasse mais para os bad hombres e para as investigações do FBI que o podem chamuscar.
O dito “movimento dos não-alinhados” não tem uma verdadeira massa unificadora que não seja a vontade de afrontar o Ocidente e o que ele ainda representa. Entendamo-nos: por certo é de todo respeitável que a Rússia deseje aumentar a sua influência no mundo a todos os níveis. Os outros fazem o mesmo e não é por serem russos que uma política expansionista passa necessariamente a ser má. Esta junção de pequenos e grandes ódios, de interesses económicos estratégicos, de demonstração ao mundo globalizado que se pode viver como uma espécie de “ilha”, levam a um reforço do dito “movimento anti-globalização”. Putin deseja ficar para a História como o hábil político que dilatou o império, de preferência sem disparar uma bala, bastando-se com as malas diplomáticas. O eixo turco-russo está, assim, interessado em explorar uma Europa em devaneios populistas, fragmentada pela crise dos migrantes, com exigências de indicadores económicos quase sempre irreais e que perdeu uma ponte com os EUA através do Brexit. E isto mesmo que o Reino Unido fique a perder mais que o conjunto dos demais países da UE, o que ficou claro com os atentados em Westminster.
Daí que a recepção a Marine Le Pen como se de uma estadista se tratasse, bem como de outros líderes populistas e xenófobos, seja uma evidente forma de legitimar o que está em contradição com o núcleo duro dos valores europeus. Resta é saber se Le Pen não terá arriscado em demasia. Sabemos que as mais recentes sondagens apontam para a sua vitória nas presidenciais francesas, como não desconhecemos a operação de cosmética que ela e o seu partido têm feito no sentido de adocicar o discurso. Donde, a colagem a Putin e a legitimação através dele podem bem jogar contra os interesses eleitorais de Marine. É certo que se escreveu já que o financiamento da sua campanha está difícil e que existiria um empréstimo de um banco russo que estaria a pressionar a respectiva liquidação. Ora, pode especular-se quanto à mão estendida de Putin…
Mas não seria o custo político desse empréstimo demasiado elevado? Gostaria bem que sim, pois o respirar de alívio com a Holanda é sol de pouca dura. Mais eleições se avizinham por essa Europa fora e comprovado está que Putin vai sempre ser um player importante. Arrisco-me a dizer que a Federação Russa quase pretende substituir o papel de enfant terrible do Reino Unido. Continuaríamos, então, a ser 28 Estados. Apesar de este, descontado o equívoco geográfico, porventura não cumprir com a Carta dos Direitos Fundamentais da União. Mas, all in all, poderá a UE, no actual momento, dar-se ao “luxo” de ser uma comunidade de valores?

2 comentários:

  1. Pois, a mim parece-me que até agora a politica russa tem sido puramente "defensiva" (no sentido de defender a sua esfera de influência, não no sentido de defender as suas fronteiras) - as intervenções russas (na Abkazia e na Ossétia, na Ucrãnia, na Síria) têm sido sempre em defesa do que era o status quo poucos dias (ou, no caso da Ossétia, horas) antes da intervenção.

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  2. A paranóia russófoba que substituiu a guerra fria, do tempo da União Soviética, entre outras coisas, rebentou com uma série de regimes seculares estáveis que serviam de tampão ao extremismo islâmico, à roda da Europa, produziu umas largas centenas de milhar de mortos, outros tantos milhões de refugiados, escavacou a Ucrania e está em risco de espatifar a decencia da democracia dos próprios EUA. Teria sido inteligente, sim, a UE estabelecer um relacionamento preferencial com a Rússia, em vez de andar a arrastar a asa à Turquia que agora lhe cospe na cara. Mas, não. Bruxelas dança ao som das modas do comentarismo politicamente correcto e do mainstream mediático. Daqui a pouco, tanto na América como na UE,quem não mostrar publicamente hostilidade com a Rússia ainda vai preso.

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