sexta-feira, 21 de julho de 2017

Magia



Continuo a ler o livro "Dinner with Persephone -- Travels in Greece" de Patricia Storace. Como o tópico em voga em Portugal é o racismo, recordei-me de uma passagem que li no outro dia, que abordava o tema do preconceito racial, e na qual a autora fala de como a discriminação não é uma coisa estática: nada garante que quem discrimina hoje não seja discriminado amanhã.

O exemplo que dá tem a ver com o uso de um olho azul de vidro para guardar do mau olhado. Numa das minhas recentes visitas a Portugal, uma amiga minha deu-me um desses "olhos" e, na altura, não percebi o seu significado histórico, mas compreendi-o ao ler o livro. No quarto século, no Império Bisantino, os góticos, uma minoria étnica caracterizada por ter pele clara e olhos azuis, eram discriminados. O resto da população tinha nojo deles e sujeitava-os a condições de vida humilhantes. Quem discriminava usava um olho azul de vidro para se guardar de quem era discriminado.

Julgo que foi em 1998, que fui com os meus pais a uma feira em que se vendia artesanato popular. Na feira, encontrámos à venda uma cesta cheia de pequenas figuras de cerâmica de crianças africanas sentadas, com cerca de 4 cm de altura, e traços pouco perfeitos. O corpo das crianças era amoroso, ligeiramente rechonchudinho, mas havia algo estranho, pois eram todos rapazes e a ponta do seu sexo estava pintada de vermelho. Discriminei e escolhi comprar um que tinha defeito porque não tinha o sexo pintado. Os meninos tinham um significado mágico qualquer.

Não sei muito sobre a etnia cigana, mas sei que há muitas histórias de magia e do sobrenatural que lhes estão associadas e das quais se falam ainda hoje e, como diz Patricia Storace, a magia está ancorada em coisas concretas da sociedade, especificamente numa incapacidade de aceitarmos o outro e o integrarmos no nosso mundo como igual. Ao fim de tantos séculos em que se repetem os mesmos padrões, parece que actualmente estamos tão sujeitos a reacções viscerais como os nossos antepassados. Por outro lado, talvez nem tudo esteja perdido, pois não parece que as pessoas de pele clara e olhos azuis continuem a ser discriminadas. Como que por magia, estavam "reabilitadas" ao fim de 200 anos.


Magia ou vestígios de discriminação?

1 comentário:

  1. Terem demorado 200 anos, como demoraram a alterar uma raiz psico-afectiva, é mesmo muito tempo!

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