sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Milagres e percalços

Depois de ler a op-ed da Helena Garrido no Observador e a do Fernando Alexandre no Eco, ocorreu-me que não tenho dito nada sobre a economia ultimamente. Como a Helena Garrido menciona, esta é a terceira "retoma" desde que tivemos de chamar a Troika. Concordo com a apreciação de que uma das causas do bom desempenho de 2017 até agora é o fraco desempenho de 2016 no primeiro semestre. Ou seja, teremos de esperar até ao final do ano para ver a relevância do efeito de um denominador fraco, pois a segunda metade de 2016 foi mais forte. Em 2018, testaremos verdadeiramente esta terceira retoma.

Mário Centeno disse que com crescimento de 2,8% já se consegue cobrir a despesa dos juros da dívida pública. Há quem veja isto como um sinal de força, mas é um sinal de enorme debilidade porque a economia cresceu acima do previsto. Se o bom desempenho do país depende de um crescimento melhor do que o normal, então a situação normal com que se contava era uma de mau desempenho, que nem dava para fazer manutenção dos juros da dívida. Quando é que, nos últimos 30 anos, a economia portuguesa produziu um crescimento de 2,8% sustentável sem recurso a bastante crédito? Não é sustentável, como disse o Fernando Alexandre.

Temos também de enquadrar Portugal na situação que se observa na economia mundial: a economia americana está a arrefecer e o fluxo de capitais está a ir para a Europa e não podemos descartar a hipótese de o euro começar a apreciar significativamente e as taxas de juro começarem a aumentar. Portugal está preparado para uma situação em que todas as estrelas se alinham em favor do país. Não está preparado para situações menos do que ideais, especialmente choques externos, e o tempo de se preparar já passou. Quando a próxima crise acontecer, iremos olhar para trás e ver este período como mais uma oportunidade perdida: passamos o tempo a gerir o país contando com milagres, em vez de gerirmos o país contando com percalços.



2 comentários:

  1. É. 2,8% custa a deglutir a muita gente. Nada decorre conforme previsto.

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    1. Esta farpa está muito bem medida face a conhecidas profecias, e uma destas está no último parágrafo sob a forma de homenagem ao Velho do Restelo, ainda que sem desvirtuar o bom nível do modo RITA de fazer comparações, nem o artigo de "Fernando Alexandre no Eco", inevitavelmente suportado por investigação verdadeira e pouco permeável a mitos.

      Dito isto, já passou o tempo em que, contra os sincretismos chegou a não existir mais que outros sincretismos. Agora há. Usemo-los carregando um pouco de ciência sobre o quotidiano o que, de resto, já começou a ser um negócio rentável sem deixar de ser ético.

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