quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

A cidade e a saúde

Se a minha mãe tivesse nascido uns anos antes, é natural que eu não existisse. Isto porque quando ela tinha uns 11 anos adoeceu com febre reumática, o que danificou as válvulas do coração e a tornou numa doente cardíaca. Aos 18 anos passou um ano no hospital. Sem dúvida que, sem a melhoria de cuidados médicos e o facto de ter nascido e crescido numa cidade, não teria sobrevivido; mas, mesmo assim, morreu aos 64 anos, abaixo da esperança de vida da sua geração, mas talvez acima da de uma pessoa com a sua condição.

O meu pai, que é homem, mas nasceu em Lisboa, sobrevive-a em quase 15 anos. A minha avó paterna teve então razão de pedir ao meu avô de sair da aldeia onde viviam, na Guarda, e de se mudarem para Lisboa, dado que, na aldeia, ela tinha perdido uns 9 ou 10 filhos e apenas um dos que lá nasceu sobreviveu (morreu aos 82 anos). Depois da família se mudar para Lisboa, nasceram mais cinco crianças e todas chegaram à vida adulta.

Quando os meus tios nasceram em Lisboa, a cidade era mais pequena, para além de ter melhores serviços médicos, tinha mais espaços verdes, menos edifícios, e menos trânsito e a poluição que daí resulta. Talvez como reação ao urbanismo do Estado Novo, ou por ignorância política, hoje em dia os jardins que são construídos, se é que são construídos e se é que são jardins, tendem a ser uns espaços abertos, em que o único verde é o da relva (ou talvez das ervas daninhas, que são ligeiramente melhor do que relva). São espaços completamentos inertes em termos de valor para a ecologia local e para a saúde dos residentes.

Saiu recentemente um estudo europeu que indica que plantar mais árvores em zonas urbanas na Europa pode reduzir o risco de morte prematura em um terço. Para além das árvores ajudarem a regular os microclimas urbanos e a dimimuir a temperatura do ar, também contribuem para o bem estar mental dos residentes e promovem actividades de lazer, o que dimimui a prevalência de obesidade e diabetes de tipo II. Nas crianças, as zonas verdes também estimulam o desenvolvimento cognitivo e da memória.

A ausência de zonas verdes é mais comum nas zonas mais pobres das cidades, os residentes mais pobres são também os que costumam ter mais problemas de saúde, e as crianças pobres têm mais dificuldades de aprendizagem. Lisboa que antes ajudava a salvar é capaz de hoje em dia contribuir para a doença. É pena que não haja dinheiro para re-pensar o planeamento urbano das cidades portuguesas. A situação tenderá a piorar, dado que com os preços altos do imobiliário, a pressão vai ser para que se construa mais e se sacrifiquem os espaços verdes.

1 comentário:

  1. Nitidamente off topic: Portugal sobrevive por ter uns dois homens inteligentes por século. Duarte Pacheco, presidente da câmara de Lisboa e, depois, ministro das obras públicas, mandou construir (plantar) o parque de Monsanto. Contou-me um taxista velhote que ele tinha andado por ali nessa tarefa. Era tempo da IIGG e para ajudar a ganhar para a família o trabalho era pago; contou-me que por um pinheiro plantado recebia-se 1 escudo. Nesse tempo uma galinha custava 40 centavos...
    ao

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