sábado, 18 de março de 2023

Inflação alimentar

A propósito da inflação alimentar, há vários pontos que me parecem pertinentes. O primeiro é que as margens nas grandes superfícies não são uniformes, nem sequer as lojas actualizam os preços tão frequentemente quanto a variação real dos preços de mercado. Nos panfletos de promoções semanais, é natural que esses preços sejam tão baixos que a loja perca dinheiro, só que o objectivo das promoções é cativar o cliente para que ele visite a loja, compre um leque variado de produtos e a loja acabe por fazer dinheiro no volume final, em vez de em todos os produtos. Isto leva a que se a loja perde dinheiro em alguns produtos, é porque o tem de fazer em outros, logo é natural que as margens sejam mais elevadas em algumas coisas.

Depois há a considerar que os produtos alimentares pouco processados são onde as grandes superfícies ganham menos dinheiro, as margens maiores são obtidas nos produtos que estão mais distantes do seu estado natural, por exemplo, coisas como biscoitos e iogurtes com sabores e granola de lado têm uma margem maior do que farinha, açucar, leite, e fruta. Uma sopa enlatada também tem uma margem maior do que os ingredientes que entram na sopa. Parte da razão é que os ingredientes frescos que se compram no supermercado são muito mais bonitos e uniformes do que os ingredientes que entram na comida processada e isso tem um custo. (As pessoas devem estar familiarizadas com este conceito dado o sucesso de a Fruta Feia, que tem preços mais em conta. A razão não é apenas estética, mas de necessidade de uniformidade para a automatização da cadeia de processamento).

Nos produtos de marca (não-branca), a grande superfície tem de ter preços consistentes com os preços da marca, logo quem determina os preços ao consumidor são as Nestlés, Yoplait (Groupe SODIAAL), etc. Nestes produtos, a grande superfície tem poder de negociação na margem que faz, até porque muitas vezes nem compra o produto, apenas arrenda o espaço na loja à marca. Já nas marcas brancas, a grande superfície controla o preço e esses preços são efectivamente mais baixos do que os de outras marcas, logo não se pode acusar as grandes superficíes de não velarem pelos interesses dos clientes.

O ano que passou é um bocado sui generis e não faz sentido passar legislação ou sequer tirar ilações de uma situação que é quase única. Temos também de ter em conta que muitas das empresas a retalho têm o papel de suavizar os preços ao consumidor, ou seja, quando os custos aumentam/sobem rapidamente, os preços a retalho aumentam/descem mais suavemente. Este efeito resulta da própria gestão da companhia, pois os contratos são negociados com antecedência e muitas vezes os custos são "hedged" para a empresa não estar sujeita aos preços das caudas da distribuição (ou seja, preços muito altos ou preços muito baixos).

Basicamente, mesmo que os preços desçam bruscamente no mercado, não é necessariamente verdade que as empresas beneficiem dessa descida porque quando contrataram os fornecimentos podem ter negociado preços mais altos do que os actuais, pois na altura da negociação era incerto se os preços iam continuar a subir ou iriam descer.

Finalmente, há a questão fiscal. Portugal tem impostos bastante altos, especialmente em combustíveis, que são bastante importantes para a estrutura de custos das empresas de venda a retalho, logo se o estado está a arrecadar mais em impostos esses custos irão ter de ser passados para o consumidor de qualquer forma.

Mas nem tudo é mau em Portugal porque, na questão de compras de frescos, os portugueses têm um leque de escolha, pois ainda há bastantes mercados e praças locais que oferecem preços variados e até a possibilidade de negociação. Ou seja, o mais provável é que a inflação alimentar até seja menor do que os dados do estado indicam.

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