quinta-feira, 23 de março de 2023

A próxima bazuca?

A propósito da compra do Credit Suisse por parte do UBS, o Matt Levine, na Bloomberg (este link funciona por sete dias; depois disso, só com assinatura da Bloomberg), escreveu uma peça fantástica onde explica como funcionam os bancos, o que valem, quem são os credores, os accionistas, etc. Vale a pena ler por pelo menos duas razões: a primeira é que o artigo refere a venda da Credit Suisse e os portugueses são accionistas do Credit Suisse porque uma pequena parte do fundo da Segurança Social estava lá investido e a segunda para se entender melhor o que pode correr mal com a banca portuguesa à medida que as taxas de juro sobem.

Relativamente ao investimento da Segurança Social, o Credit Suisse já andava metido em escandâlos desde 2014, logo não se compreende como é que o estado português achou boa ideia ter lá dinheiro. A Ministra ainda sacode a água do capote, dizendo que era exposição mínima ou ínfima, mas para um país com o perfil etário de Portugal em que o Fundo da Segurança Social é claramente insustentável, dar-se ao luxo de investir numa organização que está em apuros e arriscar perder o que quer que seja é sinal de negligência e má gestão.

Note-se que, no final do ano passado, especulou-se que o Credit Suisse estivesse à beira do colapso e, no mês passado, o banco anunciou a maior perda anual desde 2008, logo o estado teve tempo suficiente para rever a sua alocação. Já agora, quantos mais investimentos haverá no fundo de pensões que também são considerados de exposição ínfima, mas que têm risco considerável? (Eu considero risco considerável qualquer empresa que apareça nas notícias acusada de má gestão e que até seja multada por má gestão. Aliás, como é que se pensa que entidades que sabemos que estão a ser mal-geridas sejam um investimento diversificador de risco, como defende a Ministra?)

Quanto à banca portuguesa, com a inflação alta, não tarda as pessoas começarem a procurar alternativas onde meter o dinheiro. Em 1984, quando a inflação atingiu os 30%, tivemos o escândalo da D. Branca, a "banqueira do povo", será que foi coincidência? Mesmo que não suceda um esquema de Ponzi, é bom que o Banco de Portugal faça umas análises de sensibilidade para ver outras coisas que podem correr mal.

Por exemplo, imagine-se que alguns bancos em Portugal decidem pagar uma boa taxa de juro e os portugueses começam a tirar dinheiro de outros bancos em que têm contas que não pagam juros para ir para as que pagam, será que os bancos mais fracos têm margem para perder um montante significativo de depósitos? Em 2021, as remessas dos emigrantes representavam 1,5% do PIB português. Se os emigrantes decidirem enviar significativamente menos em remessas, será que afecta a liquidez de algum banco português? Depois há também a questão da qualidade do portefólio de empréstimos do banco, especialmente se há empréstimos com taxas de juro variáveis, qual a percentagem de empréstimos que pode falhar até um banco ficar em sarilhos? Qual a exposição da banca portuguesa ao mercado obrigacionista ou a outros activos de risco? E mais cenários haverá que merecem ser investigados.

Não é certo que estejamos à beira de uma crise, mas seria bom que houvesse alguma preparação para a evitar--aliás, seria bom que Portugal não tivesse mais uma crise. Entre a emigração e a baixa natalidade, o país já tem pregos suficientes no caixão. Ou será que a estratégia continua a de sempre: esperar que as coisas corram mal para a UE enviar outra bazuca?

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