terça-feira, 15 de outubro de 2013

Cortes na função pública: uma jogada constitucionalmente arriscada, mas não condenada ao fracasso

Com o que ia lendo nas notícias, estava a pensar que as propostas do governo de cortes para a função pública não teriam qualquer hipótese de passar no Tribunal Constitucional. Até pensei que tinham mesmo como objectivo a declaração de inconstitucionalidade. Neste momento, penso que percebo o que tentam fazer. É uma jogada de risco, mas não é estúpida. Explico-me.

Até agora, em cada orçamento, o governo propunha o corte do tempo de Sócrates (que ia de 3,5 a 10%, a começar em 1500€) e mais algum corte adicional. Em 2012, foram dois subsídios e em 2013 foi um. Assim, se o TC declarasse o corte adicional inconstitucional, sobrevivia o outro corte, do tempo de Sócrates e Teixeira dos Santos, pelo que o rombo no orçamento era meramente parcial.

No orçamento para 2014, os cortes de Sócrates desaparecem. Em vez disso são propostos uns cortes alternativos que são bastante semelhantes ao de Sócrates. Até a fórmula matemática é igual.* A única diferença? São cortes bastante maiores, principalmente para quem ganha menos de 2500€/mês. Mas, tirando esta diferença de grau, os cortes são semelhantes aos de Sócrates, que têm passado sempre no TC.

Ao proporem um corte semelhante àquele que já passou por três vezes, aumentam a probabilidade de proporem algo que também passará este ano. A jogada é de alto risco, porque caso o TC declare os cortes inconstitucionais, o rombo no orçamento de 2013 é total e não parcial. Aguardemos.

* Vejam o comentário do Miguel Madeira, e as respostas ao mesmo, para uma correcção a esta afrmação.

5 comentários:

  1. Isso é só um detalhe, mas não me parece que a estrutura da formula seja a mesma que a da fórmula Socrates - enquanto esta tinha um esquema por escalões, praticamente idêntica à filosofia do IRS (sobretudo entre os 2000 e os 4165), a nova formula parece-me ter uma taxa marginal que cresce de forma linear (para cada 100 euros de vencimento, creio que a taxa marginal sobe 1,357 pontos percentuais).

    Nomeadamente, parece-me que vai ser muito mais difícil "mecanizar" mentalmente a nova fórmula do que a anterior.

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    1. Não. Fui ver e a coisa era exactamente linear. A fórmula era a mesma.

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    2. Antes, para quem tinha entre 2000 e 4165, o desconto seguia a fórmula 2000*3.5% + (x-2000)*16%, o que equivalia a uma taxa média de 16% - (16% - 3,5%)*2000/x e a uma taxa marginal de 16%.

      Agora, a taxa de redução (entre os 600 e os 2000) é de 2,5% + (12% - 2,5%)*(x - 600)/(2000 - 600), o que equivale a uma redução de 2,5%*x + (12% - 2,5%)*(x^2 - 600*x)/(2000 - 600) e a uma taxa marginal 0,000136*x - 0,01571 (a menos que eu me tenha confundido nas contas).

      Ou seja, antes havia uma taxa marginal fixa (e o valor da redução crescia de forma linear) e agora é a taxa marginal que cresce linearmente (crescendo o valor da redução por uma fórmula não linear, até aos 2000).

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    3. Quando fiz as contas, concluí que as fórmulas eram equivalentes, mas acreditando em ti, (agora não tenho tempo para verificar) enganei-me.
      pelo que me estás a dizer, o teu ponto reforça ainda mais o meu post. Eu no 'post ' escrevi que a fórmula era idêntica (mas com cortes maiores). Afinal a fórmula foi mudada de forma a que a taxa marginal fosse crescente, ou seja, aumenta a progressividade, aumentando a probabilidade de ser aprovada no TC.
      Obrigado pela correcção. Logo à noite, se tiver tempo, refaço as contas, e se houver correcções a fazer ao que escreveste, fá-las-ei.

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    4. Eu pensei "mas por que raio foram fazer uma fórmula tão complicada?"; afinal, é capaz de ser essa a razão (isto, repito, se eu estiver a perceber bem a fórmula).

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