Este post é baseado num artigo que publiquei no Jornal de Negócios, com ligeiras alterações.
O título tem a ver com áreas em que as expectativas dos cidadãos, eleitores, leitores, opinião pública, evoluíram num sentido que é contrastante com a evolução da capacidade de resposta do sistema político, e dos desequilíbrios e frustração que isso cria.
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Hoje há mais instâncias envolvidas em qualquer processo de
decisão. As decisões demoram mais tempo a ser estudadas e implementadas. Os
processos são mais complexos. As decisões têm de ser aplicadas a uma sociedade
mais diversificada e móvel. Estas alterações institucionais foram acompanhadas
de alterações tecnológicas e na forma de comunicar, que exigem mais rapidez, maior
personalização e maior simplificação e clareza. Há aqui óbvios
desequilíbrios politico-mediáticos que contribuem para um défice de satisfação
com os regimes democráticos, e o acumular de frustrações nos eleitores.
Estes desequilíbrios resultam mais de alterações
tecnológicas e institucionais do que da crise, ou da degradação da qualidade
dos políticos ou dos jornalistas. Mas se não encontrarmos respostas, podem ser
factores de degradação da confiança e do interesse pela causa pública,
contribuindo de forma endógena para a próprio processo de descrédito dos
sistemas democráticos.
O défice de Tempo
Tendo o processo de decisão sido tornado mais complexo e
demorado, as expectativas evoluíram em sentido contrário, com os media a
pedirem cada vez mais respostas em tempo real. Hoje quando um problema é
levantado, muitas vezes em resposta a um caso, exige-se resposta não numa
semana ou em 24 horas, mas antes uma solução apresentada na hora.
Soluções apressadas para problemas complexos, baseadas na
resposta a casos concretos, não parece ser um bom método de decisão ou de
governação.
Défice de Aprofundamento e diversidade
Sendo muitos dos assuntos hoje em discussão mais complexos e
técnicos, a comunicação mais imediatista que a rapidez da internet e dos
diretos impõem, transforma tantas vezes as questões em preto ou branco, bem ou
mal.
Os temas do momento são discutidos em muitas páginas e horas
de televisão, muitas vezes quando ainda há pouca informação, substituindo-se
factos por especulação. Em demasiados casos é rapidamente adoptada uma
perspectiva única, muito empobrecedora, e que poucas vezes é confrontada, algum
tempo depois, com uma análise mais ponderada e informada que possa mudar o que
foi o veredicto inicial. Atribui-se demasiada atenção e luz ao caso da semana,
faz-se um juízo definitivo, e vota-se depois ao esquecimento.
Neste aspecto há muito a explorar na tecnologia, que hoje
permite ter acesso a mais informação, permitindo comparar soluções encontradas
noutros países para problemas semelhantes, permitindo também acompanhar o
processo e o desfecho de um problema ao longo do tempo. É importante, que aos
casos a que se dá importância, se procurem diferentes perspectivas e se crie
uma cultura de acompanhamento, de persistência, de especialização dos
jornalistas, que aumente o valor que podem acrescentar à interpretação que vá
para além da espuma dos dias. No entanto, o maior numero de publicações que há hoje, corresponde a redações mais pequenas e menos especializadas, o que significa que há hoje menos capacidade (e tempo) para acompanhar um número maior de assuntos.
E de capacidade de
decisão isolada
Numa entrevista na SIC (O valor da Liberdade), Dani Rodrik
relembrou as suas teses sobre a forma como a globalização, ao mesmo tempo que
contribui para aumentar a liberdade individual, limitou a liberdade de escolha
colectiva dos estados nacionais. Nos países europeus não foi apenas a
globalização. O processo de construção europeia transferiu também muitas
decisões para o nível comunitário.
Ao mesmo tempo que a capacidade de decisão se diluiu por
várias instâncias, aumentaram as expectativas e a personalização da política. Um
processo contraditório, mas compreensível. O reforço da necessidade de
personalização, resulta da própria complexidade e sentimento de diluição da
capacidade de decisão. Mas o resultado é criar expectativas difíceis de
cumprir.
As pessoas esperam hoje que cada politico apresente pessoalmente soluções claras, imediatas e concretas sobre o que vai fazer, num contexto em que as decisões são complexas, exigem respostas coordenadas entre várias entidades e têm tempos legais de implementação longos.
Não há soluções fáceis para estes dilemas. Mas é importante
salientar que o facto de as decisões serem mais complexas, exigirem negociações
e demorarem mais tempo a ser implementadas, não deve servir para fundamentar a
ideia de que nada se pode fazer ou mudar. Pelo contrário, a mudança é possível
e deve ser assumida em compromissos claros sobre as posições a adoptar. Mas a
sua implementação exige maior estudo sobre as escolhas a fazer, e um rumo claro,
que permita a persistência necessária para conseguir neste quadro e neste tempo
institucional fazer vingar as nossas posições.
No que diz respeito aos meios de comunicação é importante
equilibrar espaço de actualidade com espaço de análise e saber acompanhar ao
longo do tempo, assuntos que só terão solução ao longo do tempo. Cada vez mais,
os leitores exigem que os media se adaptem respondendo à tecnologia, com
informação imediata, mas devem exigir também, respondendo às mudanças institucionais e não indo
apenas atrás da tecnologia, criando o seu tempo para análise, para reportagens
mais longas e fundamentadas, e para acompanhar os temas ao longo do tempo. Quem
o fizer pode trazer um enorme valor acrescentado, exigindo mais de quem nos
governa, e contribuindo para uma discussão que melhore o processo de decisão,
nos vários níveis de governação. Não podemos deixar que os défices aqui
assinalados sirvam apenas para alimentar uma frustração difusa que mina a
confiança na democracia.
Clap clap clap
ResponderEliminarAssinaria por baixo se para tanto me chegasse a reflexão.