terça-feira, 28 de abril de 2015

I do...

Discute-se no Supremo Tribunal de Justiça americano o casamento homossexual. O Washington Post tem alguns excertos da conversa que vai dentro do Tribunal.

Há muitas questões pertinentes, como, por exemplo, a que levanta Stephen Breyer, da legitimidade de um grupo de nove pessoas decidir uma coisa que vai contra uma tradição que existe há milénios, em vez de a mudança se fazer através do voto popular. Ou a questão da procriação: será que o estado apenas se interessa pelo casamento de pessoas por causa do motivo da procriação? Elena Kagan levanta a questão de os estados poderem negar o casamento a casais de sexo oposto que não queiram procriar. Há também a questão dos direitos religiosos, que rapidamente foi posta de parte, pois mesmo no casamento de pessoas de sexo diferente essa questão está resolvida: um rabi, por exemplo, não é obrigado a casar pessoas de religiões diferentes, diz Kagan. Samuel Alito perguntou acerca de relações polígamas.

O mais giro, a meu ver, é a inclinação dos juízes. As mulheres (Sonia Sotomayor, Elena Kagan, e Ruth Bader Ginsburg) e Stephen G. Breyer parecem ser pró-gays; os homens (John Roberts, Samuel Alito, Antonin Scalia, e Clarence Thomas) parece que são contra o casamento gay. Presume-se que o juiz que vai decidir o voto é Anthony Kennedy. Clarence Thomas é conhecido por quase nunca falar, é um juiz silencioso, mas sabe-se que é conservador.

Um dos livros mais giros que eu li até hoje é "Becoming Justice Blackmun", de Linda Greenhouse, no qual, pela primeira vez, se levantou o véu do que se passa nos bastidores do Supremo Tribunal de Justiça dos EUA. O livro relata a vida de Harry Blackmun, que serviu no Tribunal entre 1970 e 1994. É um bom livro para lerem nas férias.

8 comentários:

  1. a legitimidade de um grupo de nove pessoas decidir

    Essa é uma questão muitíssimo pertinente, pois constitui uma das grandes disfuncionalidades do sistema político americano. Há imensas questões que na generalidade dos países democráticos são decididas pelos seus parlamentos mas que, nos EUA; tem que ser o Supremo Tribunal a decidir. Um exemplo evidente foi a permissão do aborto.

    É uma questão importantíssima precisamente por não ser exclusiva do casamento homossexual.

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    1. Permita-me discordar, Luís. O facto de os próprios Juízes levantarem a questão revela que o sistema político é superior a outros onde essa questão nem sequer seria levantada nem discutida na comunicação social. Muitas vezes, o Tribunal recusa casos ou defere para o legislador.

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    2. Concordemos em discordar, Rita. Eu não considero superior, mas sim inferior, um sistema político no qual nove pessoas debruçadas sobre um texto antigo, que não foi escrito tendo em vista um determinado problema, legislam sobre esse problema. Em minha opinião a legislação deveria ser feita pelos representantes do povo.

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    3. Isso é completamente absurdo. Eles não estão a legislar, estão a interpretar a lei e a aplicá-la a um caso concreto. Não lhes foi pedido para legislar; foi-lhes pedido para apreciar um caso mediante a lei vigente e têm de justificar a sua decisão mediante a lei vigente. E exactamente o que é inferior? Inferior a quê?

      O sistema de justiça americano é considerado um sistema bom; não é perfeito, mas funciona relativamente bem. Uma Constituição serve apenas para dar uma fundação; não serve para legislar sobre todo e qualquer problema, pois isso requereria que estivesse constantemente a ser revista e introduziria arbitrariedade no sistema e complexidade. Se a Constituição fizesse tudo, não seriam necessárias outras leis.

      O Supremo Tribunal de Justiça americano não é considerado parte do sistema político. Os juízes são nomeados pelo Presidente, e estão sujeitos a aprovação pelo Congresso, mas não são parte do sistema político do país, pois é um organismo independente da vontade política e que tem de actuar mediante o que é decido pelo legislador. Há algumas doutrinas de interpretação, mas não há completa arbitrariedade como o Luís insinua.

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    4. "Uma Constituição serve apenas para dar uma fundação; não serve para legislar sobre todo e qualquer problema, pois isso requereria que estivesse constantemente a ser revista e introduziria arbitrariedade no sistema e complexidade. Se a Constituição fizesse tudo, não seriam necessárias outras leis. "

      Mas pelos vistos, a Constituição foi usada como base para legislar sobre o aborto (e, antes, sobre a venda de contracetivos), e agora há quem a queira usar para legislar sobre o casamento

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    5. Não vejo o problema por esse prisma. Acho que o que está em causa são direitos fundamentais que estão consagrados na Constituição. Logo, o que se pergunta de quem interpreta a constituição é se as leis que regem o aborto, venda de contraceptivos, etc., que são produzidas pelo legislador, estão em violação dos direitos fundamentais consagrados na Constituição.

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  2. Estava a ler o seu post, interessante como sempre, e estava a pensar se será que nos países desenvolvidos continua a fazer sentido o Estado continuar a intrometer-se na intimidade das pessoas. Se não faria sentido pura e simplesmente retirar toda e qualquer referência na legislação ao estado civil do indivíduo. No fundo desregulamentar completamente o casamento.
    Vejo algumas situações específicas em que isto teria consequências como a adopção, as pensoes de viuvez e as pensoes de alimentação, repartição de bens entre os casais e o financiamento bancário. Mesmo assim acho que esta opção mais radical, de simplesmente retirar o casamento do âmbito do estado valia a pena ser discutida e pensada com maior profundidade.

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    1. Obrigada. Eu também tenho essa perspectiva, mas acho que o problema muitas vezes se reduz a religião e/ou dinheiro. O casamento é usado para obter benefícios fiscais e outras benesses, como por exemplo, seguro de saúde para o cônjuge no emprego. No aspecto religioso, já se sabe que nem todas as religiões toleram certas coisas e os EUA não são propriamente um país onde haja separação de estado e igreja. Basta pensar que quem vai a tribunal tem de jurar sobre uma Bíblia e o dinheiro ainda tem "In God we trust". Eles dizem que há, mas eu não vejo nada...

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