sexta-feira, 8 de abril de 2016

E no fim o dinheiro vai para... a construção

O anúncio da utilização de 1400 milhões de euros do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social para financiar a reabilitação urbana é a mais gravosa de todas as medidas até agora tomadas por este governo. Nenhuma medida como esta mostra que o governo não tem outro projecto que não seja regressar ao modelo económico (falhado) do passado.

A construção e o imobiliário foram um dos motores do crescimento económico nos anos 80 e 90. Estes sectores atingiram o pico no ano 2000. O Estado directamente, através da construção de obras públicas, e, indirectamente, através da bonificação do crédito à habitação (no final dos anos 90, 2 em cada três euros de crédito eram bonificados…) promoveu sempre o sector da construção. Depois da Expo 98, veio o Euro 2004 e as circulares à volta das cidades com estádios. O sistema financeiro, num contexto muito favorável à concessão de crédito, financiou o Estado, as empresas de construção e de imobiliário e a aquisição de habitação. O privilégio do crédito à construção e do imobiliário foi uma tendência que se observou em muitos países, com os bancos a procurarem garantias materiais.

Depois de 2004, com o fim das obras do Euro, foi preciso continuar a alimentar o sector. Como a pressão da Comissão Europeia para Portugal cumprir o PEC era cada vez maior, as PPPs rodoviárias surgiram como forma de esconder despesa pública, os fundos comunitários financiaram o programa Polis, e as Câmaras Municipais prosseguiam com as suas políticas de melhoramentos materiais. A crise financeira internacional abriu espaço para a festa da Parque Escolar, mais uma vez com acesso ao endividamento por aquela empresa.

Ou seja, desde o início do século XXI que o Estado, limitado nos seus recursos próprios, tem usado formas imaginativas de financiar o sector da construção. As razões que se apontaram para cada um daqueles projectos foram sempre as mesmas: a necessidade de mais melhoramentos, o desemprego muito elevado, em particular o desemprego de longa duração associado às baixas qualificações, a elevada incorporação de produção nacional.

Os resultados desta aposta no sector da construção estão à vista de todos: a economia estagnou desde 2001, o desemprego não parou de aumentar, e o endividamento, em parte induzido por esta estratégia, levou-nos ao 3º pedido de resgate.

Desde 2001, que há críticos desta estratégia. Eu acreditava que o 3º resgate mostraria à saciedade que este é um modelo estafado e que, havendo recursos, eles seriam colocados em projectos com maior retorno. Claro que investir na educação, investigação e inovação não tem um retorno imediato e visível. E esse é sempre um problema para os políticos, que pensam sempre com horizontes muito curtos, os das próximas eleições. E querem ter obra para mostrar.

Que agora essas obras, que obedecem a objectivos de curto prazo, sejam financiadas com o fundo que visa garantir a sustentabilidade da Segurança Social leva a criação do novo fundo para a reabilitação para o domínio da pura irresponsabilidade.

Porque eu acredito, apesar de tudo, na racionalidade dos agentes políticos, a questão que se coloca é: qual a origem do poder dos sectores da construção e do imobiliário? Sem que esta pergunta seja esclarecida, não vamos compreender a natureza da grave crise que se instalou na economia portuguesa desde o início do século XXI.

5 comentários:

  1. "um político que não queira investir devia ir preso"

    http://observador.pt/especiais/portugal-pior-troca-governo-sempre-pouco-importa/

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    1. Acho que o NG não leu a entrevista toda--o economista disse que o investimento deveria ser em coisas que criassem valor. Como é que esta proposta de investimento do PS cria valor para a sociedade e retorno para o contribuinte de forma a que o contribuinte não perca este dinheiro?

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  2. Caro NG,
    há países onde até se pode justificar o investimento no imobiliário. Em POrtugal, já se pôs aí demasiado dinheiro e há áreas que a mim me parecem muito mais prioritárias.

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    1. Eu até acho que sim. Investir em modernização de refinarias, Energias Renováveis, Escolas, Hospitais, Tribunais, Prisões, Alqueva, Fábricas de Papel, rede viária moderna, uma linha de TGV de cento e poucos quilómetros para ligar a Capital à Europa, tunel do Marão,... foram áreas bem mais prioritárias. Mas esse investimento tem sido diabolizado nesta casa. E que tem teve essa visão e coragem de decisão é um proscrito desta sociedade hipócrita que delas beneficia.

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  3. Num país que tem problemas graves de sustentabilidade das reformas, investir em imobiliário quando este sector passa por uma crise grave e estrutural, não lembra a ninguém, a não ser que seja para favorecer amigos ou para mostrar obra.
    É a política de esquerda, favorecer alguns (construtores?) à custa de todos, ou quase todos, usando dinheiro que devia guardado com o maior cuidado possível?

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