35. A criança, de dedo no nariz e barriga espetada, ouve o que diz Matriona, uma das mulheres que fazem a sopa.
"É preciso ter muito cuidado. Assim que ouvires passos, escondes-te na sombra ou debaixo de um dos bancos de pedra. E não fales, não grites. Quando chegares ao fundo do matagal, já podes fazer barulho. Aproveita, que hoje não está a chover. E corre. Estás a precisar de te mexer. Comida, cama e exercício, é assim que se cresce, dizia sempre a minha mãe." Um suspiro e Matriona empurrou a criança para fora da cozinha, por uma porta discreta que abria para um terreno de que ninguém cuidava, com ervas altas e árvores, umas com frutos podres, outras mortas e retorcidas. A criança olhou em volta e avançou cuidadosamente por entre as ervas, evitando as urtigas. Depois de passar um grupo de árvores que cortava a vista do castelo, desatou a correr, com os joelhos muito altos para não tropeçar. O terreno situava-se nas traseiras do castelo e estendia-se por mais de dois quilómetros até uma encosta de pedra. Nesta encosta, havia uma gruta. A criança pensava, sempre que chegava à gruta, que podia ficar ali em vez de regressar à cozinha do castelo. Ali podia abrigar-se da chuva. E ninguém ia saber que ele estava lá, como ninguém sabia que estava na cozinha. A criança nunca se perguntava por que é que tinha que estar sempre escondida. Vivia assim desde sempre. E não precisava de esconder-se de Matriona, nem de Gavril, nem de Nica. Nem de Cosmin. O cão, enorme e normalmente assustador, costumava correr atrás da criança quando ela saía e portava-se com ela como um cachorrinho. Apanhava os paus que a criança lhe atirava, lambia-lhe as mãos e a cara e rebolava no chão de barriga para cima para receber festas e cócegas. Deixava-se montar como se fosse um cavalo. Brincava às escondidas e às vezes parecia fingir perder os jogos para dar prazer à criança, para a ouvir rir e dizer "Cosmin, és um trapalhão". Os dois juntos já tinham explorado a gruta, ou pelo menos cinco metros dela. A partir dos cinco metros a escuridão era total. "Tenho que trazer uma vela", pensou a criança. Não ia ser fácil, Matriona e Nica guardavam as velas num armário muito alto. "Tu podias roubar uma vela da sala de cima", disse ao cão. Cosmin baixou a cabeça e ganiu. "Pronto, pronto, Cosmin." A criança fez-lhe uma festa e o cão começou a abanar a cauda. De repente, de orelhas espetadas, voltou à expressão feroz e tensa com que andava pelos corredores do castelo. "O que é, Cosmin? Está a chamar-te?" O cão começou a correr na direcção do castelo enquanto a criança o observava a afastar-se até desaparecer nas árvores. "Psiu, miúdo!" A criança deu um salto e, assustada, escondeu-se no meio das ervas. Iam apanhá-lo, pensou. E pô-lo no forno a assar, como na história que Nica costumava contar-lhe, da bruxa na floresta que apanhava crianças com doces e as comia. "Vem cá, miúdo. Não quero fazer-te mal." A criança espreitou por cima das ervas. A voz pertencia a um homem que ela nunca tinha visto, nem mesmo as pernas quando estava escondida debaixo da mesa. "Só quero fazer-te algumas perguntas", disse Groesken.
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