sexta-feira, 15 de abril de 2016

Uma heresia moderna

John Rockefeller era o homem mais rico do mundo. A sua imagem pública andava pelas ruas da amargura. Máximas como “Nunca ajudes a quem te ajudou” dizem muito sobre o calibre deste génio dos negócios. No início do século XX, contratou Ivy Lee para melhorar a sua imagem junto dos seus compatriotas.
Ivy Lee é geralmente considerado o pai das relações públicas. De forma planeada, deliberada e sistemática levou a que a imagem de Rockefeller passasse a ser a de um contribuinte generoso, que criava milhares de empregos e a de um mecenas com uma função social relevante na sociedade.
Ivy Lee criou um código de conduta no relacionamento com a imprensa, segundo o qual a informação transmitida devia ser correcta e de grande rigor. Com o tempo, ganhou a confiança e a simpatia dos jornalistas. Rockefeller passou a aparecer em fotografias rodeado de uma família aparentemente descontraída e feliz. O escroque, o pulha, deu lugar a um rosto humano e simpático para consumo público. Os balanços das empresas do magnata passaram a ser publicados nos meios de comunicação social, dando, assim, uma imagem de transparência e ressaltando sempre a quantidade de impostos pagos ao Estado, os empregos criados, os salários altos, etc.
Ivy Lee e Rockefeller fizeram escola. Todos os heróis empresariais modernos se rodeiam de relações públicas a fim de criar o tal rosto humano para público ver. Steve Jobs foi uma espécie de profeta, com milhões de seguidores em todo o mundo. Cada lançamento de um novo gadget era um acontecimento, uma epifania, uma revelação, que os fiéis seguiam com emoção. Não espanta por isso que os admiradores de Jobs tenham recebido com indignação os dois filmes biográficos sobre o seu ídolo. É um Jobs insensível, frio, cruel, mesquinho, vingativo, desumano, implacável, escroque que aí aparece. Um Jobs que não tem nada a ver com a imagem que os seus assessores ofereceram ao mundo.
É atribuída a Chesterton a frase de que quando os homens deixam de acreditar em Deus passam a acreditar em tudo. Quem acredita nas ilusões e nas imagens cor-de-rosa pintadas pelos “marqueteiros” dos homens dos “lugares de topo” só pode ver como uma heresia filmes como “Jobs”.

13 comentários:

  1. Hoje em dia, os modernos sucessores de John D. Rockefeller, especialmente os concentrados no Silicon Valley, no norte da Califórnia, abraçam tudo o que é causa politicamente correcta, para assim ficarem bem vistos perante a populaça, os "hoi polloi" e as elites bem pensantes metro-liberais consumidoras de champagne e salmão fumado.

    Steve Jobs era um deles, tal como Mark Zuckerberg é outro. Abraçam todas as causas das "chattering classes", no que são sempre acompanhados pelos palradores e - dare I say it? - esganiçados e esganiçadas de Hollywood.

    Ivy Lee teria imenso orgulho deles.

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    1. "Ivy Lee teria imenso orgulho deles."
      Sem dúvida.

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    2. Já agora, caro José Carlos: G.K. Chesterton está cada vez mais actual.

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    3. Para dizer a verdade, já vi essa frase atribuída ao Chesterton por muita gente, mas nunca a consegui encontrar em nenhum dos seus livros, mas penso que vem num dos livros da série "Father Brown".

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    4. http://www.chesterton.org/ceases-to-worship/

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    5. "...especialmente os concentrados no Silicon Valley, no norte da Califórnia, abraçam tudo o que é causa politicamente correcta, para assim ficarem bem vistos perante a populaça..."

      Interrogo-me se no caso dos milionários de Silicon Valley não será quase o contrário (ainda que com quase os mesmos resultados) - mais propriamente que um desejo de serem bem vistos, um desejo (provavelmente motivado pela natureza do seu negócio, que vive a 99% de serem "inovadores" e "originais") de serem vistos (pelos outros e se calhar sobretudo por si mesmos) como vanguardistas, "diferentes" e em rutura com as convenções estabelecidas, o que os leva à simpatia por causas que lhes pareçam "anti-establishment", "transformadoras", "progressistas", etc.; claro que com todos a quererem ser vanguardistas, "modernos", não-conformistas, "edgy",não-mainstream, etc. acabam todos a defender mais ou menos as mesmas coisas (e se calhar é exatamente essa a essência daquilo a que se costuma chamar "politicamente correto" - um conformismo motivado pelo desejo de ser não-conformista, em contraste com a "moral e bons costumes" tradicional, que seria um conformismo motivado pelo desejo de ser conformista).

      Já agora veja-se que o pessoal de Silicon Valley, mesmo quando são "conservadores", tendem a sê-lo de maneira não-convencional: sinceramente não sei se o Brendan Eich alguma vez deu dinheiro para as campanhas de algum Bush, mas os nomes que surgiram na altura foram mais o Pat Buchanan e o Ron Paul; e - embora agora provavelmente mais a nivel de trabalhadores do que de milionários - não apenas os "liberais", mas também os "libertários" e os "neoreacionários" (estilo Curtis Yarvin) têm fama de estar sobrerepresentados na indústria (face à aparente subrepresentação dos conservadores "normais")

      Talvez o puro desejo de agradar se encontre mais nos herdeiros das famílias ricas da Costa Leste, que dando muito dinheiro para fundações, beneficiência, museus, etc, dá-me a ideia que tendem menos que os ricos "tecnológicos" da Costa Oeste a envolverem-se muito em causas polémicas.

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    6. Obrigado Alexandre. Pelos vistos, o aforismo foi criado por outros, deduzido a partir de excertos do Padre Brown do Chesterton. De qualquer maneira, apesar do Chesterton não ter dado a forma concreta ao aforismo, os direitos de autor pertencem-lhe à mesma.

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    7. Interessante a sua análise, caro Miguel Madeira. E é capaz de ter razão em muitos aspectos.

      Outra característica de muito desse pessoal é que vêm quase todos dos maiores centros de "não conformismo conformista" (para usar a sua feliz expressão): certas universidades, tanto da Ivy League como da Califórnia.

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  2. Eu sigo exactamente a política oposta: dou a pior impressão de mim que posso dar; depois, as pessoas quando me conhecem acham-me muito mais simpática e terra-a-terra do que pensavam. ;-)

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  3. Eis a generalização que sugiro "Mercenários dos tempos modernos"! Quem a escreve?

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  4. Confesso que a ideia que tinha da imagem que o Steve Jobs projetava até não era a de uma "pessoa simpática" - seria, mesmo em vida, mais a de "génio intratável" (mas nunca fui fã dele - nem fã, nem anti-fã - e nem tenho grandes contactos no mundo dos "entusiastas das tecnologias", logo não sei como os fãs o viam).

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  5. ... quando acreditam em Deus, não precisam de acreditar em tudo, acreditar em Deus, basta.

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