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sexta-feira, 22 de abril de 2016
História gótica
40. De cidade em cidade, o Príncipe Egon Gustav von Tepes frequentava as melhores casas e escolhia os melhores candidatos.
Fazia-o havia séculos. Séculos de desaparecidos e suspeitas de fugas amorosas, de raptos, de assassinatos, de suicídios, de golpes de loucura. Os desaparecidos eram sempre as filhas e filhos mais promissores, os mais queridos. Os desaparecimentos nunca eram associados ao Príncipe, que se movia, de cidade em cidade, de forma tranquila, sem viagens intempestivas ou repentinos recolhimentos. O mistério transformava-se com o tempo em fatalidade, paravam as buscas e os interrogatórios. Muitos homens e mulheres morreram mortes terríveis quando ainda havia esperança e se acreditava que a dor é a antecâmara da verdade. Muitos passaram grande parte das suas vidas em cárceres. Povos inteiros foram escolhidos para expiar a culpa. Aos suspeitos foi dado a escolher entre a roda e a confissão, às testemunhas entre o pelourinho e a falsidade. Foram consultados adivinhos e dragados lagos, escavados campos e reviradas caves, revistadas bibliotecas e despejados armazéns. Assim que se esgotava a esperança, nasciam as histórias de demónios, de gigantes, de salteadores. As histórias de criaturas monstruosas, de bruxas, de viajantes desconhecidos em caravanas exóticas. Deixavam em suspenso o destino dos infelizes desaparecidos, a imaginação de cada um que adivinhasse um fim, o fim mais cruento. Inventaram-se lobisomens e dragões. Recearam-se fantasmas vindicativos, familiares humilhados, serviçais maltratados. Tremeu-se perante a ideia de seres canibais escondidos nas florestas, de animais selvagens sedentos de sangue humano, de mensageiros dos infernos emergindo de rios, de venenos e maldições. Maldisse-se o suicídio, lamentou-se o suicida. Pensou-se até que poderia cada um dos desaparecidos ter sido levado para os céus por razões conhecidas apenas do Altíssimo, e este pensamento misturou à mágoa o consolo de fazer o ente querido parte de um especial plano divino. Valeu também muitas missas generosamente pagas, muitas igrejas reparadas e estátuas oferecidas. Muitas peregrinações e rezas, muitos sacrifícios. Muitas cinzas esfregadas nos corpos, muitos jejuns e cabelos arrancados, muitas travessias de desertos e batalhas contra os infiéis. Rasgaram-se vestes, renunciou-se a prazeres, foram feitos votos. Promessas, juras, compromissos, que cada desgostoso cumpria à sua maneira e cujo vínculo poucos não deixaram afrouxar, desatar até. Finalmente, sobravam só baladas que as crianças cantavam nos recreios sem saber o que significavam. E, falecidos os avós que as ensinavam, deixavam de significar alguma coisa. Depois, desapareciam. Como as vítimas, de quem ninguém se lembraria, pois só os algozes costumam ficar na História. Houve excepções à resignação, como os três que se dirigiram a Zselyk com as únicas provas que tinham e que poucos dos que até então investigaram os casos acharam. Sempre sobre o leito juvenil dos desaparecidos, por dentro da fronha das almofadas que os pais preservavam intocadas como relíquias, era deixada parte de uma carta e parte de um retrato ou, em tempos mais recentes, de uma fotografia.
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