48. Tinha que acontecer.
Não porque estivesse escrito
algures, no livro poeirento de um adivinho, ou nas paredes de uma igreja
arruinada. Nem nas estrelas, que na verdade não pediram que falassem por elas
aqueles que as contemplam para interpretar a sua vontade. Como se a tivessem,
não a têm. Tinha razão nisto O Filósofo, são fixas numa cúpula fechada. Mas
também tinha razão O Dominicano, Frade, Filósofo, Matemático, Poeta, Astrólogo
reduzido a cinzas numa praça que se chama das flores, não há limites, os céus
são infinitos e incontáveis os corpos celestes. Tinha que acontecer, o encontro
do Príncipe Egon Gustav von Tepes e da irmã mais nova de Ada. Aconteceu num
salão, num baile, porque desde sempre é assim, os príncipes encontram nos bailes
as suas princesas, os camponeses encontram nos bailes as suas moçoilas. Mas não
tem razão quem imagina ter havido príncipes que se encantaram por moçoilas, ou
princesas suspirando por camponeses. Porque são príncipes disfarçados os
camponeses que roubam os corações das princesas, e princesas embruxadas as
moçoilas que atraem os príncipes. Os feios são sempre afinal belos, as feias
são sempre afinal belas. E se sofrem algum tempo, vivem felizes para sempre. O
Príncipe Egon Gustav von Tepes convidou para dançar a irmã mais nova de Ada.
Fê-la rodopiar até ficar tonta, levou-a até à varanda para que se refrescasse,
segurou-lhe a mão, fitou-a nos olhos enquanto passava um dedo pelos seus
lábios, beijou-a. Tudo se passou tão rapidamente, sem meses de olhares furtivos
e cartas tímidas. Bastou um cottillion e o ar fresco da noite. Quando Ada
procurou a irmã mais nova para voltarem para casa, não a encontrou. Alguém a
tinha visto sair para a varanda, ninguém se lembrava com quem. Na varanda Ada
viu no chão o leque da irmã e um lenço com monograma. Quando o cheirou o
perfume lembrou-lhe alguma coisa. Fechou os olhos e viu o homem que encontrara
já em diversas ocasiões. Um homem que lhe provocava uma sensação desagradável.
Recordou um episódio em que viu os olhos deste homem mudar de um olhar afável
para um olhar de fera esfomeada, e as mãos delicadas transformarem-se em
garras. Durou só um segundo, menos até, mas ela viu e pensava nessa metamorfose
quando o encontrava. Os príncipes nem sempre são jovens bons que virão a ser
reis sábios. Ada correu até à extremidade da varanda e gritou o nome da irmã.
Não houve resposta. Saiu da casa onde decorria o baile com tanta pressa que
chocou com um criado que transportava uma bandeja carregada de taças de
champanhe. Lá fora só viu as caleches que aguardavam os senhores, e os
condutores que fumavam cachimbos e trocavam histórias sobre os patrões e as
patroas. Perguntou-lhes se tinham visto uma jovem acompanhada de um cavalheiro,
mas eles não souberam dizer, a noite e a espera convidavam não só ao cachimbo,
também corria farta a aguardente. Ada ordenou ao seu cocheiro que a levasse
para casa, o que ele fez de má vontade e vacilante. Ada nem pensou no perigo de
ser conduzida por um indivíduo embriagado, só pensou que a irmã podia ter ido
para casa, que se teria deitado exausta depois do seu primeiro baile. Ela não
estava em casa. Acordou os pais e comunicou-lhes o desaparecimento. O pai saiu
à procura do chefe da polícia, de quem era amigo, e organizou-se uma busca que
durou três meses e se estendeu por todo o território. Foi até além-fronteiras,
foram alertadas as polícias dos países vizinhos e distantes. Não se descobriu
sinal sequer nem da jovem nem do príncipe. Como se nunca tivessem existido.
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