39. À entrada do palacete iluminado por onde passavam
homens de fraque negro e laços de seda branca, e mulheres de vestidos tão
adornados de rendas quanto os pescoços estavam adornados de diamantes, o
Príncipe Egon Gustav von Tepes entregou ao mordomo obsequioso as luvas, e
aceitou a taça de champanhe que lhe foi oferecida.
Era uma presença assídua nas
festas organizadas pelas famílias da nova aristocracia, mas descendia de uma
das mais antigas, e das mais proeminentes, famílias da W. Como alguma parte
destas famílias pretéritas, enriquecia as soirées, os bailes e as sessões de
poesia daquelas mais recentes com a sua linhagem insuspeita e as suas maneiras
impecáveis. A nova aristocracia, instituída há décadas e não há séculos, não
tivera ainda tempo de disfarçar por completo as suas origens plebeias e
criminosas, pois o pecado original dos poderosos, dos que o são há décadas bem
como dos que o são há séculos, é o roubo, a pedra inicial que as brumas do
tempo vão tornando mítica e gloriosa. E, no sobressalto que a possibilidade da
exposição pública dessas baixezas lhes provocava, os novos donos do mundo esperavam
legitimar-se convidando para as suas casas os antigos. Nem todos aceitavam,
claro, esta convivência com aqueles a quem a sorte, essa protectora frívola,
elevara a uma posição de grandeza. Fosse porque reconhecessem nos rostos das
filhas dos burgueses os traços grosseiros da gente pobre de onde os pais tinham
saído a duras penas e vontade de ferro, esses traços que levaria gerações a
fazer desaparecer através de um cuidadoso processo de apuramento da raça; fosse
porque se ressentiam da perda do seu esplendor; fosse porque lhes ofendesse o
gosto delicado a ostentação boçal dos novos-ricos, algumas das famílias nobres
preferiram retirar-se para as suas propriedades rurais e abandonar a corte que
já não existia. Outros ainda deixaram-se afundar na sua nova pobreza, e essa
ruína foi vivida como se ainda de nobreza se tratasse, o último gesto do
vencido que afirma até ao fim a sua dignidade e a daqueles de quem descende. O
Príncipe von Tepes pertencia ao grupo dos que, tendo perdido tudo, não querem
perder o luxo a que estavam habituados. E que entendiam que o preço dessa
mistura com a vulgaridade não era, apesar de tudo, demasiado alto.
Justificavam-se até apelando à condescendência com que o homem superior deve
tratar os que estão abaixo dele e que precisam de um guia que os conduza à
miragem longínqua do requinte, Virgílios modernos conduzindo os transviados ao
paraíso. Em suma, era um homem encantador que achava muito natural que lhe
pagassem. As lagostas e o champanhe, os charutos e as bebidas finas, consumia-os
como se fosse seu direito, um direito que não necessita de ser imposto através
de violência e revoluções. As carruagens e os cavalos que o transportavam,
enviados pelos seus recentes amigos, as camisas e as gravatas que se esquecia
de lhes pagar, tal como se esquecia de liquidar contas em lojas de pequenos
comerciantes ainda tímidos por causa da deferência que é devida a um personagem
importante, eram privilégios de que naturalmente usufruía. Mas havia, para além
da caução que dava aos arrivistas, uma outra fonte do poder deste Príncipe que
ele usava não apenas pelo motivo egoísta do conforto, mas porque através dele
persistia a tradição de conquista e sedução que desde sempre tinha sido
praticada pelos seus antepassados.
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