quarta-feira, 6 de abril de 2016

História gótica


30. Os três avançavam por um caminho no meio dos campos de batatas, uns campos castanhos e lamacentos que em nada tornavam idílica a paisagem à volta da aldeia.
Tornavam-na antes parecida com a aldeia, castanha e lamacenta também. Mesmo nos dias em que algum sol secava as poças de terra e água e as roupas estendidas pelas lavadeiras, o aspecto escuro do lugar não desaparecia. A própria erva em volta do regato onde as mulheres da aldeia trocavam as suas graçolas e se arreliavam umas às outras era suja. Não havia uma folha que fosse simplesmente verde. As cores das plantas passavam sem gradação do amarelo seco ao castanho podre. Mas eram menos turvas do que se poderia esperar as águas do regato, talvez porque a sua fonte era distante de Zselyk, e porque o caudal passasse rapidamente pela aldeia, sem dar tempo à lama para escurecê-lo. Mesmo quando as lavadeiras esfregavam dentro delas as roupas enodoadas, as águas mantinham-se limpas. A força da corrente era muita, a aldeia era atravessada depressa por tudo o que vinha de fora. Como os bandos de aves migratórias, que cruzavam os céus de Zselyk e nunca pousavam. Como os frades mendicantes, que nunca tinham tempo para parar e implorar esmolas. Como os viajantes, que se enganavam no caminho mas nunca pediam indicações e seguiam em frente, para longe. Como as caravanas dos zíngaros, passando a trote enquanto mulheres de lenços coloridos e argolas de ouro gritavam de dentro delas insultos e mezinhas contra o mau-olhado. Como os artistas ambulantes, que se engasgavam nas suas espadas e se queimavam nos seus fogos. Como os peregrinos, que corriam fazendo o sinal da cruz e murmurando benzeduras. Como as excursões de turistas àlacres e nédios, que em silêncio avançavam pensando se teria valido a pena gastar em lazer as poupanças de décadas em vez de mandar rezar missas ou de pagar as obras dos campanários das suas igrejas. Como os músicos cegos, que preferiam perder os chapéus onde esperavam que alguém colocasse moedas a permanecer ali um minuto que fosse. Como os baladeiros, que perdiam o estro e aceleravam o passo. Como os vendedores de histórias de cordel, que agarravam junto ao corpo os maços de papel amarelo e corriam. Como os portadores de notícias, que ao chegar ali só diziam "nada de novo", "nada de novo" e nem sequer tocavam a sineta com que costumavam anunciar-se. Como os vendedores de panelas e apitos de lata, que voltavam para trás sem lamentar o lucro esbanjado. Nada do que vinha de fora ficava, nada do que era de dentro saía. Não definitivamente, pelo menos. Porque os lavradores que levavam à cidade os seus produtos eram olhados com tal temor que, ainda que lhes tivesse passado pela cabeça instalar-se ali, preferiam regressar. Porque as poucas crianças que tinham sido enviadas à cidade para estudar experimentavam os mesmos olhares desconfiados e os mesmos cuidados em quem lidava com elas. Os professores eram tíbios a aplicar-lhes a disciplina. Os colegas mantinham sempre uma frieza inóspita, e um rancor mal escondido, já que a tibieza da disciplina do professor quanto às crianças de Zselyk era compensada pela disciplina ainda mais severa que lhes era aplicada a eles. Os pais dos colegas engoliam em seco quando as viam, e suspiravam de alívio quando percebiam que os filhos não as tinham convidado para as festas de aniversário ou para os fins-de-semana nas casas de campo. Pelo meio dos campos de Zselyk a rapariga, Groesken e Valodu caminhavam olhando em volta à procura daquela pessoa, a quarta pessoa, que faltava.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não são permitidos comentários anónimos.