sexta-feira, 20 de setembro de 2019

A paixão pela ignorância

Quando Mário Soares era Presidente da República e Cavaco Silva Primeiro Ministro, houve um episódio curioso em que o país ficou escandalizado porque Cavaco Silva não lia a imprensa, enquanto que Mário Soares a lia logo de manhã por várias horas e até lia o Le Monde, isto numa altura em que nem havia jornais na Internet. Cavaco Silva, apesar de doutorado no Reino Unido, era assim considerado um energúmeno.

Naquela altura, a maior parte dos adultos não era educada por aí além e, de acordo com o Censo de 1991, mais de um em cada 10 portugueses era analfabeto. Muitos jornalistas nem curso superior na área tinham, pois era uma profissão em que se começava como aprendiz e o conhecimento era passado dos profissionais mais velhos para os mais jovens. Entretanto, a taxa de analfabetismo caiu para 5,2% no Censo de 2011, mas em 2021, decerto que ainda será mais baixa. Esta evolução da população deveria indicar uma exigência ainda maior para com os políticos. Só que a qualidade dos políticos certamente está muito aquém do que se esperaria.

Catarina Martins vai para debates televisivos sem se preparar minimamente, e quando digo minimamente é generosidade da minha parte, até estou a pensar em menos do que o mínimo, pois há muito que nível de escolaridade mínimo obrigatório deixou de ser a escola primária. A propósito, quando contei o episódio da evaporação das barragens a um amigo americano, ele disse-me que, quando encontra americanos que dizem coisas desse tipo, os aconselha a arranjarem um advogado e a processarem a escola que frequentaram, pois foram ludibriados: "deprived of the education that they are entitled to."

Esta semana temos outro lapso na educação dos políticos, pois o Primeiro-Ministro decidiu inventar acerca do mercado imobiliário. Será que não intriga ninguém que um ex-Presidente da Câmara de Lisboa e um ex-Ministro da Administração Interna não perceba nada de imobiliário urbano? Demonstrou que não está a par do que se passa em outras cidades internacionais, claramente não percebe o que se passa em Lisboa, não discutiu o assunto com especialistas, e não é capaz de falar sobre diferentes propostas que tenham sido pensadas.

A única coisa que lhe veio à cabeça é dizer que se o mercado não se auto-regula, o estado tem de regular. O mercado autoregula-se bem: quando há excesso de procura, ou seja a oferta é insuficiente, o preço sobe e regula o acesso ao recurso do lado da procura, mas o preço mais alto também serve de incentivo para que haja maior oferta. O preço é um mecanismo de ajuste e parece que o mercado de Lisboa funciona muito bem.

O que não funciona são políticas que deixam o resto do país às moscas e incentivam as pessoas a ir viver para Lisboa, pois isso aumenta a procura. E também não funciona políticas que penalizam os senhorios, pois isso diminui a oferta. Alguém que é Primeiro-Ministro deveria saber isto de cor e salteado.

António Guterres foi para o governo a falar na paixão pela educação, mas o certo é que hoje em dia se paixão alguma há, só pode ser pela ignorância.

1 comentário:

  1. Como é humano, a última frase é a 'grande'.
    Quanto à gente que politica, são umas bestas, sem ofensa para estas.
    Que quem soubesse ler francês nunca foi base para falar tal idioma.
    Boa! Rita Carreira

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