sábado, 23 de novembro de 2019

Clonagem

Depois do meu último post, o Nuno Garoupa deu-me algum feedback relativamente à questão dos incentivos fiscais. Em Portugal, aquando da venda da propriedade, há uma fórmula complicada que calcula a apreciação do imóvel dada a evolução da taxa de juro e o número de anos em que se é dono do imóvel. O valor do imóvel depois da apreciação fiscal é o que é usado para calcular a mais valia sobre a qual se paga imposto. No momento da venda também é possível deduzir 100% do valor das obras e outras despesas.

Depois da matemática toda, compensa bastante vender porque dificilmente há uma mais valia e, em caso de perda, a menos valia é dedutível no IRS. Um regime deste tipo é favorável à especulação imobiliária. Compra-se um propriedade, deixa-se a mesma vazia durante uns anos, pois ter um inquilino complica uma venda, e depois vende-se e o regime de apreciação fiscal permite-nos não pagar tantos impostos, mesmo vendendo a preço mais alto. E em caso de perda, ainda temos a vantagem de termos uma dedução no IRS. Os fundos de investimento têm benefícios fiscais mais vantajosos do que os particulares.

O regime americano é completamente diferente. No caso de arrendamento em que a propriedade pertence a um particular, como é o meu caso, permite a dedução de despesas a 100% nos impostos do senhorio (em Portugal só posso deduzir 15% de algumas despesas, mas varia de ano para ano) e permite também a amortização de parte do valor da propriedade, ou seja, os custos são distribuídos ao longo da actividade de arrendamento. Na altura de venda, é mais difícil ter uma menos valia porque parte do valor da propriedade já foi amortizado e não pode ser deduzido ao preço de venda. Mas nessa altura, a pessoa também recebe dinheiro, logo tem como pagar os impostos que deve.

Mesmo na compra de casa própria, o regime americano evoluiu de tal maneira que dá mais poder de negociação a quem não tem tanto dinheiro. Por exemplo, quando se compra uma propriedade, tanto o vendedor como o comprador têm custos de transação ("closing costs"), mas é comum haver negociação e os compradores pedirem ao vendedor ajuda com os custos do lado da compra para fechar o negócio, pois na altura da transação, o vendedor normalmente tem mais recursos a receber e o comprador é que tem recursos mais limitados.

Comprei uma casa em 2012, quando o mercado estava muito em baixo, em que o vendedor já tinha reduzido tanto o preço que não tinha dinheiro para ajudar a pagar os "closing costs" do meu lado. Quando vendi essa casa em 2017, ajudei os compradores, um casal jovem, a pagar parte dos closing costs deles. Os vendedores da casa que comprei no ano passado advertiram logo que não iam pagar os meus "closing costs", mas ofereci-lhes $5000 a menos no preço e disse que pagava os closing costs e eles aceitaram.

A primeira propriedade que comprei nos EUA foi em 2004, um pouco antes do pico da bolha imobiliária. Era um imóvel novo com duas residências, em que um lado estava arrendado e o outro era onde eu vivia. Pedi ajuda nos closing costs para fechar o negócio, foi o que aconselhou o meu agente imobiliário. Essa propriedade foi mesmo comprada como investimento e porque, caso precisasse de trocar de cidade por causa de emprego, dava para arrendar ambos os lados e a probabilidade de ter os dois lados vazios ao mesmo tempo era mais baixa do que numa casa individual.

Na altura em que essa propriedade foi vendida, em 2016, ambos os lados estavam arrendados e o dinheiro da renda já há algum tempo que dava para cobrir o custo mensal do imóvel, ou seja, era rentável manter a propriedade e eu costumava enviar o dinheiro extra para amortizar o empréstimo e poupar nos juros (encurta a duração do empréstimo).

Essa é outra diferença que existe entre os EUA e Portugal. Nos EUA, o normal é os bancos permitirem que os empréstimos sejam amortizados sem penalização para o comprador, ou seja, dá para ir pagando o empréstimo aos poucos, pagando todo o capital em dívida mais cedo, o que também aumenta a mais-valia na altura da venda, pois reduz a despesa com os juros, mas também dá ao banco capital mais cedo. Em Portugal, se tentar pagar mais cedo, tenho penalização de 3% sobre o capital em dívida, ou seja, só compensa vender a propriedade.

Bem sei, bem sei: racionalmente, compensava eu vender; mas depois havia uma família que teria de pagar mais pela renda, ou viver numa propriedade pior, ou o estado teria de subsidiar a renda.

Julgo que a solução para os males de Portugal é clonar muitas Ritas, pois estas Ritas optimizam o bem-estar da sociedade, em vez do lucro.












3 comentários:

  1. ...ou um Estado Portugues estratega que garanta uma parcela significativa de provisao publica de habitacao.

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  2. "ou um Estado Português estratega que garanta uma parcela significativa de provisão pública de habitação."

    - Proibindo o regresso ao mercado de habitações que tenham sido atribuidas com benefícios provenientes de fundos públicos, como na Dinamarca que assim mantém um "banco de casas" a que toda a gente se pode candidatar?
    [Fonte: Informação publicada por uma operadora imobiliária em Portugal que estou a citar de memória]

    - Fazendo parcerias público-privadas?

    - Como investidor directo?

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    1. Caro Isidro Dias,

      1) Das 3 opcoes que demilita no seu comentario prefiro sem duvida o investimento directo do Estado no sector habitacao.
      Ja Maquiavel dizia que um Principe que queira ter um exercito forte, eficaz e leal nao recorre a mercenarios - cria o seu proprio exercito.
      Se o Estado quer uma provisao de habitacao para a populacao a precos acessiveis entao deveria garantir presenca Estatal nesse "mercado" por diversos motivos:
      - E muitissimo mais facil regular o "mercado" da construcao ao nivel de qualidade de materiais, normas de trabalho, quando o Estado e um importante comprador nesse "mercado"
      - Qualquer politica estrategica estatal noutras areas mas aplicacoes na habitacao e muito mais facilmente implementada com controlo directo da provisao de habitacao, estou a falar em especifico por exemplo em normas de eficiencia energetica em casas para combater as alteracoes climaticas, uso de materiais de contrucao mais amigos do ambiente, construcao anti-sismica, ordenamento territorial...
      - E muitissimo mais facil garantir precos acessiveis de habitacao a populacao quando uma parcela significativa da "oferta" esta a cargo de um actor a quem nao e o lucro de curto-prazo o que mais interessa.

      2) As PPP's sao uma opcao claramente inferior, apenas justificavel se comparadas com uma situacao de total inaccao Estatal no sector da habitacao. As PPP's tem-se revelado em todos os paises e sectores onde aplicadas uma opcao carissima para o erario publico e sempre com pior capacidade de colmatar as necessidades que pretendem colmatar, o contumaz recurso as PPP's face a acumulacao de evidencias dos seus efeitos perversos produzidos e mesmo efeitos contraproducentes do ponto de vista economico - o ponto de vista distopicamente miopico que as elites tanto gostam de usar para tudo - revela apenas a miseria intelectual em que vivemos.

      3) A medida que refere em concrecto no contexto politico Dinamarques nao a conhecia, mas em abstracto classificaria-a como uma medida de proteccao contra a apropriacao indevida de bens publicos - construidos ou subsidiados pelo Estado - por parte de actores privados e que como se sabe costuma acontecer ao preco da uva mijona. Ha varias outras que me lembro por exemplo, no contexto Britanico que e o que eu conheco melhor, a abolicao do "right to buy council houses" tambem seria benefica. Sao para usar "juntamente com" e nao "em vez de" outras medidas.

      Uma coisa e certa. Estas tretas que o Estado Portugues anda a fazer com a icentivos fiscais ou o choradinho dos rentistas aqui personificado pela Rita Carreira sao espuma dos dias, que pretendem essencialmente manter tudo exactamente na mesma e garantir lucros faceis para alguns, a custa da maioria. Business as usual pois esta claro.

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