domingo, 3 de outubro de 2021

A arte de dizer mal

Jantei fora com uns amigos americanos e a noite prolongou-se. Acabámos a falar de política--se me dissessem há 30 anos que os meus serões seriam assim passados, acharia que a pessoa realmente não percebia nada de mim. Afinal quem não percebia de mim era eu própria, mas digressiono.

O mais interessante para mim nos EUA é a forma como os americanos se criticam a si próprios, ao seu governo, à sua cultura. Perguntava-me um dos meus amigos o que era ser americano? Não é nada porque a América é tão heterogénea, nada que se compare aos alemães, italianos, polacos, etc. Na Europa é que se encontra uma verdadeira identidade nacional, concluia ele.

Depois é preocupante a forma como os americanos estão endividados, a tal máquina impressora de dólares que só é viável porque os EUA têm a reserva de valor internacional, mas até quando durará isso, perguntava. Não há resposta satisfatória porque tudo tem um fim, mas por enquanto os valores da América não só prevalecem como servem de farol para outros países, logo talvez seja uma questão de crença.

Pode parecer difícil de acreditar que uma sociedade que produz Trump possa criar algo de valor, mas há um enorme enigma: porque é que alguém como Trump pode despoletar mais progresso social do que um Obama? Como é que a sociedade civil se movimentou tanto, definindo caminhos e valores que repudiava versus outros que preferia?

O que para mim é salutar é que os americanos são imbatíveis a dizer mal e a apontar os seu próprios erros e limitações e fazem-no a pessoas de fora, são mais duros consigo próprios do que com os outros. Ninguém diz "está calado para não dar mau aspecto." Pelo contrário, se um diz mata, o outro diz esfola. Enquanto este espírito de auto-crítica durar, os americanos estarão safos.

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