segunda-feira, 6 de abril de 2015

Baby, I'm a fool

Quando eu andava no décimo-segundo ano, fartava-me de calcular a minha média para entrar a faculdade. Nessa altura, eu não tinha computador nem folhas de cálculo, era tudo à mão. A minha mãe via-me todos os dias a fazer cálculos de médias presumindo vários cenários e dizia que eu estava prestes a enlouquecer. Mas eu não desistia nunca de massacrar os números.

Se eu quero uma coisa, eu sou muito obsessiva e, infelizmente, falta-me um gene: aquele gene que nos faz desistir facilmente. O que vale é que eu sou bastante desinteressada e não quero muita coisa. Eu sabia que não era uma aluna excelente, mas também sabia que as minhas notas da escola não revelavam tudo a meu respeito, logo tinha de arranjar maneira de compensar com as notas da PGA e do exame de matemática. Calcular a minha média ajudava-me a idealizar uma estratégia e a focar-me no meu objectivo, da mesma forma que os jogadores pensam em como vão marcar o golo, não pensam em como vão falhar o golo.

Quando eu decidi que queria vir para os EUA fazer um mestrado, foi a mesma coisa: defini uma estratégia para o que eu queria. Eu só tinha dinheiro para vir um semestre e a universidade para onde eu iria não poderia ser muito cara, mas como já conhecia uma universidade e sabia que tinha imediatamente emprego part-time, havia uma grande vantagem em regressar à mesma universidade, pois eliminava uma grande porção da incerteza. Para além disso, eu tinha-me apaixonado por um gajo de lá--isso ajudou-me a decidir vir para os EUA, mas não determinou. Eu nunca decido nada baseado em homens: os homens vão e vêm, mas eu fico. As minhas decisões são baseadas naquilo que me faz confortável. Não acho saudável ficar numa situação em que eu pense "Se não fosses tu, eu estaria melhor!" Isso é meio caminho andado para o insucesso e eu não gosto de falhar antecipadamente.

Depois também havia a minha área de interesse. Eu já me interesso por questões ambientais e agricultura desde o início dos anos 90. O meu tio disse-me há dois anos que o meu bisavô era agricultor, logo a culpa deve ser dele. Eu achava que iriam ser áreas muito importantes. E eu tinha razão, poucos anos depois de eu sair do doutoramento, os EUA começaram a produzir etanol de milho, o que ligou o mercado de energia ao mercado de milho, apesar de já estarem um bocado ligados antes porque o gás natural é usado para produzir alguns fertilizantes de nitrogénio que são usados para produzir milho. Depois a Goldman Sachs começou a investir em commodities agrícolas e o mercado de especulação em agricultura expandiu, logo de um momento para o outro esta área onde eu agora trabalho ganhou outro brilho.

Notem que especulação não é uma coisa automaticamente má, é o que dá oportunidade a quem produz e a quem consome commodities para gerir risco. O que é isso de gestão de risco? O objectivo é um agricultor ou uma empresa que compra commodities não ir à falência, logo o especulador acaba por assumir parte desse risco. Assim como quando vocês compram um seguro para o vosso carro, o objectivo é terem alguém que assuma parte do risco ao qual vocês são expostos quando conduzem. Mas vocês pagam a alguém para assumir esse risco, logo é normal que os especuladores façam dinheiro. Se eles não fizerem dinheiro, a oportunidade para gerir esse risco desaparece.

O Departamento de Agricultural Economics da Oklahoma State University tinha mais dinheiro para financiar estudantes do que o Departamento de Economia. Eu já tinha falado com ambos os departamentos antes de sair dos EUA a primeira vez, logo já estava no sistema, não era uma incógnita. Era simples, eu tinha um semestre para vir e arranjar uma maneira de financiar o meu mestrado. Não havia margem para erro. Há certas alturas na vida em que não há margem para erro, gestão de risco é essencial. A vida não é uma optimização sem restrições; é exactamente o oposto, é uma optimização com restrições. Quem não sabe as restrições que tem, não sabe qual é a área de viabilidade do problema, nem o conjunto de soluções de onde vai sair a "solução óptima".

E depois há que ter em atenção que isto é um processo dinâmico. As coisas estão sempre a mudar: umas vezes muito, outras vezes pouco. O meu objectivo não é ser a campeã absoluta no próximo desafio; os meus objectivos são: (1) não ser eliminada do jogo e (2) expandir o número de oportunidades futuras. É um jogo de sobrevivência. É por isso que o Warren Buffett é agora um dos gajos mais ricos do mundo. Já viram há quantos anos ele sobrevive? A minha vantagem comparativa é que eu me apercebi desta dinâmica quando era ainda muito jovem e eu sabia muito bem quais os meus pontos fortes e quais os fracos, logo foi mesmo uma questão de usar "leverage", para além de ter tido muita sorte.

E por falar em enlouquecer, aqui vai um tema da Melody Gardot, "Baby, I'm a fool!"

6 comentários:

  1. Teve um pai que lhe pagou um semestre de um mestrado nos Estados Unidos, percebi bem? Explique aos jovens portugueses como é que isso tudo funciona, programa de intercâmbio (para quem paga ou para quem tem melhores notas?) Se tiver boa classificação no GRE, a FCT ou a Fulbright não lhe dão uma bolsa?

    Elisabete Rita Aguiar (a.k.a. Betty)

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    1. O concurso para bolsas FCT para doutoramento e pós doutoramento deste ano já está aberto: http://www.fct.pt/apoios/bolsas/concursos/individuais2015.phtml.pt

      Bolsas para mestrado, hoje em dia, tanto quanto sei, não há. Também não tenho ideia de terem alguma vez sido muito comuns, mas posso estar enganado.

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    2. Obrigada. Mas nos sistemas anglo-saxónicos não se pode começar num programa de mestrado/doutoral e, se os dois primeiros anos correrem bem, continuar para doutoramento?

      Betty

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    3. Sim e não só nos anglo-saxónicos. Mesmo na Europa continental são cada vez mais comuns. De qualquer forma, na FCT, é sempre o cabo dos trabalhos quando formalmente se é aceite no programa de mestrado, e não no de doutoramento, como é o caso de alguns bons programas em Espanha.
      No caso dos EUA, aqueles que conheço melhor, há mestrados sem qualquer tipo de continuidade e há os programas doutorais em que os primeiros dois anos acabam por corresponder a um mestrado (mas, geralmente, desde o início somos PhD students). Digamos que se os primeiros dois anos não correrem bem o mestrado é uma espécie de prémio de consolação.

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    4. O que o Luis disse é mais comum em Economia; em Economia Agrária, um mestrado é normal porque há muitas pessoas que seguem para o sector privado e há opções de mestrado sem tese; eu segui uma opção de tese porque tinha uma "research assistantship", logo tinha de fazer investigação. Inicialmente, eu não tinha sequer posto a ideia de doutoramento na mesa, mas o meu orientador aliciou-me a continuar e o departamento deu-me uma assistantship; para além disso, eu também tive várias bolsas no departamento por mérito académico.

      Quanto ao financiamento inicial do mestrado, eu não me candidatei a bolsas em Portugal. Os meus pais ajudaram-me, mas o plano era mesmo eu conseguir financiamento da universidade quando chegasse aos EUA. Muitos professores têm projectos já com financiamento e precisam de estudantes para ajudar com investigação, é uma "research assistantship", e, em troca, pagam parte das propinas e dão um "stipend" mensal. Em Economia, é muito comum que o stipend seja em troca de uma "teaching assistanship". Eu iniciei o mestrado em Agosto de 97 e comecei a trabalhar para o departamento em Fevereiro de 98, se não estou em erro.

      Toda a informação sobre financiamento pode ser obtida de qualquer universidade americana, basta ir à página de Internet da universidade ou enviar um email para o departamento no qual se está interessado.

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  2. Bom artigo, gostei

    Emanuel Pinto

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