terça-feira, 5 de maio de 2015

More than ever...

No ano passado, uma amiga minha pediu-me para conversar com um jovem português, que andava à procura de emprego. Pensava eu que iria ser fácil. Muitos dos meus antigos alunos ainda mantêm contacto comigo e, de vez em quando, eles pedem-me ajuda para os orientar e as coisas correm bem, normalmente. Conversamos, exploramos oportunidades, corrijo cartas e CVs, faço sugestões de conteúdo, tento antecipar perguntas que eles possam encontrar em entrevistas, etc. Eu não sou a responsável pelo sucesso deles, mas tento posicioná-los de forma a aumentar a probabilidade de eles terem sucesso mais rapidamente. Também tenho outras pessoas em Portugal, com quem eu mantenho contacto e, quando é necessário, sirvo de claque de apoio. Eu também tenho uma claque de apoio, logo tenho uma responsabilidade moral de fazer o mesmo pelos outros.

Quando comecei a conversar com o meu jovem amigo, fiquei um pouco chocada com a falta de humor e a facilidade com que pequenas coisas se tornavam grandes dramas. Houve um drama em que o meu jovem amigo não sabia se devia fazer mestrado ou ir trabalhar. Tanto no trabalho, como no mestrado, havia várias opções, mas ele não conseguia decidir sequer para onde se candidatar. Houve uma vez que me fartei da indecisão do rapaz, abri um folha de Excel, criei vários pressupostos e simulei o rendimento da vida de trabalho para cada opção. Ele, que é de ciências duras, ficou fascinado. E eu disse-lhe "É isto que os economistas fazem: avaliam opções alternativas e tentam fazer escolhas educadas". Já sei que há muita gente que acha que isto é completamente aborrecido e nós, economistas, somos umas pessoas muito pouco interessantes porque tudo deve ser feito por amor. Quando nos querem insultar, dizem que somos tecnocratas porque ser tecnocrata não é nada inspirador para muita gente. Desculpem, que vos desiluda, mas aborrecida, eu não sou.

O último drama que atravessamos é que o meu jovem amigo está, finalmente, a trabalhar, mas é num emprego do qual não gosta e perguntaram-lhe se ele queria ficar permanente depois do contrato terminar. Ele, que não tem outra oportunidade de emprego, está muito chateado com esta ideia de ter de ficar num sítio do qual não gosta. Parece que ele vê isto como uma sentença de prisão. Eu digo-lhe que é uma maratona, não é um sprint, mas não serve de nada. Não entendo como um jovem, que não tem grandes responsabilidades e tem um curso superior, tem um comportamento tão ilógico. Já sei que o que é racional para alguém, pode não ser racional para outrem, mas eu não consigo compreender isto.

É que, quando ele estava desempregado, dizia que estava aborrecido, mas também não saía de casa para acumular experiências, nem pegava num livro porque dizia que não tinha tempo--todos nós temos 24 horas por dia. É a coisa mais equitativamente distribuída do mundo. Eu dizia-lhe que ele precisava de arranjar maneira de desenvolver as suas capacidades sociais e ter tópicos sobre os quais fazer conversa leve porque isso era importante para as entrevistas de emprego, e ele achava que tudo isso era irrelevante para um emprego. Eu dizia-lhe que eu já tinha tido vários empregos, logo eu teria melhor condição de avaliar o que é relevante e o que não é, mas ele achava que não era assim.

Agora, que tem emprego, também está aborrecido. Eu digo-lhe para ele manter o emprego e candidatar-se a outros sítios, mas argumenta comigo e diz que não. Para ele é preferível despedir-se sem ter um emprego alinhavado do que despedir-se porque vai para outro emprego. Na cabeça dele, o ideal é sair daquele emprego e depois *puf* aparece logo um emprego super-interessante para onde ir. A minha vida nunca foi assim e ninguém que eu conheço teve uma vida assim, logo eu digo-lhe que não é uma expectativa razoável. Na semana passada, fartei-me outra vez, mas desta vez disse-lhe:

"Compra um iPad e vê pornografia. É muito prático.

Tu devias deixar de complicar a tua vida. És muito jovem, ela complicar-se-á eventualmente. Não apresses a complicação..."

Estão a ver? Eu disse-vos que eu não sou uma pessoa aborrecida; afinal, eu cresci a ver filmes do David Lynch.

Depois pensei no Steve Jobs, eu penso muito nele. Então, quando o Steve Jobs anunciou o iPad, ele disse:

"The precise Multi-Touch interface makes surfing the web on iPad an entirely new experience, dramatically more interactive and intimate than on a computer."
O Steve Jobs sabia que o iPad iria dar-nos uma experiência muito mais íntima com o conteúdo online. Não há razão para andarmos aborrecidos. O homem era um génio, apesar do seu mau feitio. E o percurso do Steve Jobs foi tudo menos linear. Ele até foi humilhado e esteve desempregado...

Por falar em David Lynch, vou dar-vos uma experiência íntima para o vosso iPad ou smartphone. Aqui está a Alice e o Pete no deserto à noite, em "Lost Highway". Quando David Lynch fala desta sequência, ele diz que até o pó é uma personagem na acção. Não estava no roteiro do filme usar o reflexo da luz dos faróis do carro no pó, mas quando estavam a filmar, o David notou e aproveitou a oportunidade, que se revelou naquela noite, para construir mais uma camada de magia na cena. E eu acho que é isso, há pessoas que reconhecem e coleccionam oportunidades; há outras que as ignoram e desperdiçam.

P.S. Ah, não posso desperdiçar esta oportunidade de contribuir para a campanha de natalidade de Portugal da nossa caríssima Ministra das Finanças. Aqui vai, meus amigos: Quando tudo o resto falha, "Foda-se, literalmente!" E usem um tablet na cama para construir esses momentos de intimidade. Lembrem-se disto, como diz a Alice, "more than ever"...

4 comentários:

  1. Também já conheci uma mulher assim. Licenciada. Tinha um bom emprego mas ele não a satisfazia. Despediu-se. Depois tentou encontrar um emprego mais satisfatório mas não conseguiu. Desde então, vive à custa da mãe. É parva.
    Acho que acontece sobretudo com (jovens) mulheres. Acho que não conseguem sair bem da adolescência, compreender que já são adultas. Então regressam continuamente às indecisões de adolescentes. E acham que deve haver "príncipes encantados" (homens perfeitos) e que os empregos são para nos tornar felizes. Nunca conseguem sair do mundo das histórias e entrar no real.

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  2. "dizia-lhe que ele precisava de arranjar maneira de desenvolver as suas capacidades sociais e ter tópicos sobre os quais fazer conversa leve porque isso era importante para as entrevistas de emprego, e ele achava que tudo isso era irrelevante para um emprego. Eu dizia-lhe que eu já tinha tido vários empregos, logo eu teria melhor condição de avaliar o que é relevante e o que não é, mas ele achava que não era assim. "

    Na minha opinião de que já foi a entrevistas de emprego e de quem teve e têm emprego, tendo a mais ou menos subscrever a opinião do seu amigo - aptidão para "fazer conversa" é provavelmente o factor mais importante numa entrevista, mas acaba por ser irrelevante em grande parte dos empregos, quando se chega ao emprego propriamente dito. Poderia-se pensar que é bom para trabalhar em equipa, mas acho que não - uma pessoa que tenha, ou pouco tema de conversa, ou pouco interesse nos temas de conversa das outras pessoas, em principio não tem problema nenhum em participar nas conversas respeitantes ao trabalho (já que aí o tema de conversa está predefinido); poderá é provocar uma grande dissonância nos outros uma pessoa ser bastante entusiasta e participativa durante o trabalho e limitar-se a monossílabos em eventos estilos jantares de natal... [não incluo aqui trabalhos de chefia ou comerciais, em que é importante conseguir manipular emocionalmente as outras pessoas, logo ser bom a "quebrar o gelo" conta]

    Claro que se for assim poderemos interrogarnos se o conceito de "entrevista de emprego" não será uma espécie de falha de mercado, já que se concentram a avaliar principalmente uma capacidade que será irrelevante para o trabalho.

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    1. Acho que numa entrevista de emprego o que sobressai é que nem sempre a escolha reflecte o que é melhor para a empresa/instituição. Já me aconteceu falar com pessoas que estiveram envolvidas na selecção de candidatos e, muitas vezes, elas disseram-me que os candidatos mais fortes em termos de qualificações técnicas não foram seleccionados. Às vezes, a selecção dessas pessoas é bloqueada porque algum dos futuros colegas acha que esses candidatos vão ser uma ameaça ou não vão ser pessoas muito boas com quem trabalhar.

      Mas há que ter um mínimo de proficiência social e tem de se ter alguma cultura geral. Por exemplo, quem está em ciências duras e não tem interesse em saber quais as novas aplicações de métodos quantitativos demonstra, à partida, uma grande falta curiosidade e de vontade de aprender fora de uma sala de aula.

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  3. Concordo e reconheço muitas pessoas nessa descrição.

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