sexta-feira, 8 de maio de 2015

Notas sobre o Relatório da Década PS: Mercado de Trabalho


É estranho que num documento do PS para a década não se fale em aumentos do salário mínimo. Ainda há poucos meses, António Costa defendia que o Salário Mínimo Nacional deveria ter aumentado para mais de 520€ e não para 505€.

Em vez de propor aumentos do salário mínimo, o PS propõe compensar os trabalhadores de baixos rendimentos com um complemento salarial. Na prática, funciona como um imposto negativo. Nada tenho contra esta medida, bem pelo contrário. Pelo menos, desde Março de 2008 que a defendo publicamente. No entanto, sempre que defendi isto, fui confrontado com as críticas de que isto era uma política de direita e que se estariam a subsidiar empresas especializadas em mão-de-obra barata. E, claro, lembravam logo que Milton Friedman, esse papão, defendia essa política. Em minha defesa, alegava que quer o filósofo John Rawls quer o prémio Nobel da Economia Edmund Phelps, ambos de esquerda, defendiam uma política semelhante.

Apenas posso dizer ao PS, bem-vindos. Finalmente, deixaram-se de moralismos bacocos e começaram a perceber que a justiça social deve ser perseguida da forma mais eficiente possível. Uma combinação eficaz de um salário mínimo moderado com um imposto negativo é a melhor forma de apoiar os trabalhadores menos qualificados. Uma política deste tipo facilita o emprego dos trabalhadores não qualificados. Reforça a coesão nacional, aumentando as transferências das regiões mais ricas para as mais deprimidas.

Contrato único

Uma proposta que Mário Centeno defende há vários anos é a do contrato único. A ideia é a de que em vez de se ter duas categorias de trabalhadores ― uns com contrato a tempo indeterminado, com muitos direitos, e outros com contratos a prazo, que poucos direitos oferecem ― passe a haver um contrato único que seja intermédio, evitando a divisão de trabalhadores em duas classes. Pretende-se evitar a precariedade dos contratos a prazo sem aumentar a rigidez global do mercado de trabalho.

O princípio não está errado, mas a sua aplicação terá resultados que são a priori difíceis de antever, que podem ter efeitos opostos ao desejado, e sobre os quais o documento é omisso. Explico. Hoje em dia, há também uma terceira categoria de trabalhadores que não tem nenhuns direitos laborais: a categoria dos falsos recibos verdes. Ao se eliminar os contratos a prazo, não há qualquer garantia de que as empresas não passem a recorrer ainda mais intensivamente aos falsos recibos verdes. Se tal acontecer, em vez de se reduzir, aumenta-se a precariedade, e a lei prejudica aqueles que pretende defender.

18 comentários:

  1. Ao se eliminar os contratos a prazo, não há qualquer garantia de que as empresas não passem a recorrer ainda mais intensivamente aos falsos recibos verdes.

    É uma boa objeção.

    Mas então, a solução deverá ser a de englobar os recibos verdes no contrato único. A ideia é de que, quantos mais recibos verdes uma determinada pessoa receber de uma determinada empresa, mais direitos aufere sobre essa empresa - por exemplo, o direito a férias pagas ou o direito a descontos para a reforma, etc.

    Da mesma forma que o contrato único confere tantos mais direitos ao trabalhador quantos mais meses esse contrato vigora, também os recibos verdes devem passar a conferir direitos a quem os passa se forem passados de forma repetitiva a uma mesma entidade.

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    1. "Da mesma forma que o contrato único confere tantos mais direitos ao trabalhador quantos mais meses esse contrato vigora, também os recibos verdes devem passar a conferir direitos a quem os passa se forem passados de forma repetitiva a uma mesma entidade."

      Parece-me arriscado e também que pode ter efeitos opostos aos pretendidos. Repara que isso pode levar a que a empresa diversifique os seus trabalhadores a recibos verdes, aumentado a rotação destes, que passariam a trabalhar durante pouco tempo para várias empresas. Isso pode levar a um maior desgaste e até a uma maior precariedade, dado que torna mais difícil a criação de laços entre empresa e trabalhador (com falsos recibos verdes), diminuindo a probabilidade de melhorar a sua relação contratual.

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  2. É estranho que num documento do PS para a década não se fale em aumentos do salário mínimo.

    Não se trata de um documento do PS, trata-se de um documento de quem o escreveu.

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  3. Saliento apenas que na proposta para além do complemento salarial, haveria um aumento do salário mínimo liquido, em resultado da diminuição da contribuição dos trabalhadores. De facto é importante salientar que não se trata de um documento do PS, mas de um grupo de economistas, em que eu me incluo, e por isso é uma proposta, que em muitos pontos vai ao encontro do que o PS têm defendido, mas que noutros pontos apresenta propostas originais ou diferentes das que o PS tem apresentado.

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    1. "Saliento apenas que na proposta para além do complemento salarial, haveria um aumento do salário mínimo liquido, em resultado da diminuição da contribuição dos trabalhadores."
      Manuel, vocês no documento dizem: "A “redução programada (actuarialmente justa) das pensões na componente do trabalhador (...) não constitui (uma) redução do rendimento do trabalhador, porque há uma redução simultânea e actuarialmente idêntica das contribuições e dos benefícios."
      Não podes querer sol na eira e chuva no nabal. Se a redução de pensões não é uma redução do rendimento, porque a redução das contribuições é actuarialmente justa; então o aumento do salário também não é um aumento do rendimento, dado que há a redução de pensões de forma actuarialmente justa. Se vale para um lado, vale para o outro.
      De qualquer forma, mesmo que o teu argumento fosse correcto, aumentar o salário mínimo via redução de taxas sobre os salários é a mesma coisa que aumentar salário mínimo via subsídio ao salário. Reduzir uma taxa em 4pp ou criar um subsídio de 4pp é a mesma coisa, como sabes. Portanto, reafirmo o meu agrado com o facto de olharem para formas mais eficientes de redistribuição de riqueza.

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  4. O complemento salarial tem um aspecto em que é semelhante ao imposto negativo, que é o facto de dar uma contribuição a pessoas que trabalham mas têm baixo rendimento. Mas difere em vários outros aspectos, como por exemplo este apoio varia com o número de filhos, tem um limite máximo (o imposto negativo aplica-se a todos os contribuintes). Saliento apenas que as propostas de imposto negativo que eram em geral criticadas pela esquerda, eram as que incluíam um imposto negativo e uma taxa marginal constante. Estas tinha a vantagem da simplicidade e de não dissuadirem o trabalho, mas sendo progressivas (pois havia a componente fixa negativa), mas não tinham aumentos da progressividade. A esquerda criticava nestas propostas principalmente o facto de as taxas marginais não aumentarem e daí a limitada progressividade deste esquema, em particular para rendimentos mais elevados. O que é proposto no documento, como se refere apenas a rendimentos baixos, em nada interfere com esta critica.

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    1. Desculpa, mas introduzir um escalão com taxa negativa em nada interfere com a progressividade dos escalões. São coisas diferentes.

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    2. "Saliento apenas que as propostas de imposto negativo que eram em geral criticadas pela esquerda, eram as que incluíam um imposto negativo e uma taxa marginal constante."

      No meu caso, tendo efetivamente criticado a ideia da taxa marginal constante (sobretudo porque para se ter um imposto negativo e progressividade significativa, teria que se ter uma taxa marginal gigantesca, se calhar muito mais distorcedora do que as atualmente existentes), também me parece que sistemas com taxas marginais negativas (o que, confesso, ainda não percebi muito bem se será o caso do complemento salarial - creio que é o caso do EITC norte-americano) são os que têm mais o perigo de se tornarem realmente o tal "subsidio às empresas que pagam baixos salários" (empurrando para a direita a curva da oferta de trabalho - se o efeito substituição for mais forte que o rendimento - e fazendo baixar os salários ilíquidos)

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    3. Miguel, penso que esse assunto está bem explicado aqui: http://noahpinionblog.blogspot.pt/2013/12/wage-subsidies.html

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    4. Não me parece que Noah Smith esteja-se a referir à mesma coisa que eu - ele parece-me (na parte em que responde ao Kevin Drum) estar a falar, não do problema de taxas marginais negativas, mas de taxas marginais próximas dos 100% (em que efetivamente haveria o incentivo para situações "Em vez de te pagar 700 euros pago-te 600 que assim recebes mais 80 euros de subsidio, e depois arranjo um esquema para te compensar dos 20 euros - uma vez por mês almoças comigo e eu pago ou coisa assim")

      A minha objeção referia-se à situação contrária - um sistema de complemento salarial (ao contrário, p.ex., de um rendimento básico incondicional) tem de certeza um momento com uma taxa marginal negativa, em que o aumento do rendimento pré-subsidio leva a um aumento do subsidio (nem que seja apenas no instante em que passa de desempregado a empregado).

      Já agora, lendo o que tem surgido na comunicação social, dá a ideia que a proposta apresentada teria implicito uma taxa marginal negativa no momento da passar de desempregado a empregado e de 100% a partir daí até se chegar a um dado "limiar de pobreza" (já que o subsidio seria a diferença entre o rendimento e o limiar de probreza); mas duvido muito que seja mesmo essa a ideia (quase de certeza terá algum esquema de o subsidio não decrescer ao mesmo ritmo a que cresce o salário, e não me admirava que acabe por ter alguma fase inicial para rendimentos muito baixos em que um aumento do rendimento leve a um aumento do subsidio, até para desincentivar "pseudo-empregos").

      E o meu problema com uma eventual taxa marginal negativa é uma coisa que à primeira vista até parece uma coisa boa - pode incentivar as pessoas a trabalharem mais; é verdade que isto parece um contrasenso eu estar preocupado por um programa social poder incentivar o trabalho (afinal, a grande preocupação de quem estuda politicas sociais costuma ser procurar politicas que não desincentivem o trabalho); mas tudo o que incentive as pessoas a trabalhar mais tenderá a fazer baixar os salários (em linha aliás, com aquele teu comentário sobre a diferença entre o RSI e o complemento salarial sobre o "salário de reserva"), convertendo-se num subsídio indireto aos empregadores.

      Aliás, parece-me haver uma coerência lógica (ainda que suspeito que em muitos casos é puramente acidental) em as pessoas mais dadas a negar que aumentar o salário mínimo pode aumentar o desemprego tenderem a ser (ao que me parece) as também mais dadas a achar que um subsidio aos baixos salários é na realidade um subsidio aos patrões que pagam baixos salários - achar que se pode subir o SMN sem problemas parece-me ter implícito assumir que a procura de trabalho seja largamente inelástica em relação ao salário; e se a procura de trabalho for inelástica, parece-me que um subsidio que aumente a oferta de trabalho (e atenção que eu não estou a dizer que o complemento salarial tenha necessariamente esse efeito) acabará por ser largamente apropriado pelos empregadores.

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  5. Caro LA-C,

    Como "empregador" PME, o contrato único levanta-me mais dúvidas que certezas. Nós usamos contratos a prazo não para ter mão-de-obra "barata" e muito rotativa, mas porque no nosso campo precisamos de 6-12 meses para saber se um trabalhador serve para a tarefa - a correr bem - ou até 24 meses - se tivermos dúvidas. O contrato temporário serve para avaliar a adequação do trabalhador à tarefa.

    Se aparecer um contrato único, com um período de experiência (admitamos...) de 6 meses, a minha reacção vai ser de não contratar ou recorrer a recibos verdes por algum tempo, em subsituição dos contratos a termo - com a vantagem que não pago indemnização se não contratar o trabalhador a termo definitivo.

    Algumas pessoas têm de enfiar na cabeça que (e em especial empresas pequenas e médias, mas estabelecidas) ninguém gosta de despedir. Fá-lo porque tem de fazer. O que deve ser combatido - e aí não podia concordar mais - é o excesso de precariedade e a rotatividade, NÃO a possibilidade de dispensa. Daí eu concordar em absoluto que empresas com elevada rotatividade nos contratos a termo (ou baixo nível de conversão de contratos para sem termo) ou níveis elevados de recibos verdes sejam penalizadas ou, em alternativa, que seja estabelecido um limite para o número de contratos que podem ser tidos nesses moldes, em função da dimensão da empresa, mas que não se elimine algo que tem uma utilidade real (e não é prejudicial aos trabalhadores).

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    1. Carlos, o que diz parece-me fazer todo o sentido. Imagino que uma medida destas, antes de ir para a frente, tenha de ser bem estudado e calibrada. Eu concordo com a ideia, mas o seu texto apenas reforça as preocupações que eu já tinha.

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    2. Na mesma qualidade do Carlos Duarte, mas ao contrário dele eu não aceito mais nenhuma penalização sobre as PMEs, pelo que alguma penalização a existir no caso de excessiva rotação essa deveria ser aplicada exclusivamente a médias e grande empresas ou PMEs inseridas em Grupos Económicos, para todas as restantes PMEs que privilegiam uma relação estável e duradoura com as pessoas das quais depende a sua actividade, deveriam ser concedidos descontos nas taxas da TSU, quer para a empresa que para o trabalhador, afinal a responsabilidade por uma relação estável e duradoura de trabalho é de ambos.

      O contrário já não é necessariamente verdadeiro.

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  6. e acabar com os recibos verdes? Hoje em dia com as empresas unipessoais será que continuam a fazer sentido?

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    1. Não tenho conhecimentos jurídicos suficientes para lhe responder.

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  7. À partida não vejo muito bem qual seria o ponto de "acabar com os recibos verdes"; "recibo verde" é basicamente outra forma de dizer "profissional liberal" (e os recibos propriamente ditos há muito que deixaram de ser verdes, e nem sei se ainda existem como documentos físicos); portanto a questão é se se poderia acabar com os profissionais liberais e passar a só haver empresas unipessoais; tal como o LAC também não tenho conhecimentos jurídicos para distinguir uma coisa da outra (dá-me a ideia que a diferença será pouco mais que a questão da "responsabilidade limitada" e o pagar IRC ou IRS) mas não vejo muito bem qual seria a vantagem de acabar com o conceito de "profissional liberal"; se a ideia tiver a ver com a questão de muitas empresas terem empregados disfarçados de profissionais liberais, acho que em nada ia alterar a situação - passavam a ter empregados disfarçados de empresas unipessoais.

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    1. Por alto e sem números, se a actividade for regular, a unipessoal é mais vantajosa em termos fiscais (por causa das deduções). Os recibos verdes servem (ou deveriam servir) para actividades irregulares e aproximar-se mais do acto único.

      Adicionalmente servem para, sem quebrar relações laborais, ter um empregado por conta de outrém a prestar serviços fora do horário de trabalho a terceiros (numa unipessoal, isso é muito mais complicado, até por questões de responsabilidade).

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  8. A Proposta do Mário Centeno, do contrato único tem por base um estudo que ele apresentou há uns anos atrás (poucos) sobre o nivel médio de precariedade do mercado de trabalho em Portugal ser idêntico aos dos Estados Unidos da América, com a única, mas substancial diferença, que lá os direitos são iguais para todos e cá há uma casta de trabalhadores protegidos e os escravos.

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