domingo, 31 de maio de 2015

Quem quer casa casa

O fim-de-semana passado estive em Lisboa e, como de costume, tratei de ter uma agenda preenchida com reencontros (é engraçado o efeito psicológico que a emigração provoca: o meu grupo de amigos mais chegado agora vê-se muito mais, porque o faz de cada vez que cá venho). Combinei um jantar com um amigo (que foi namorado nos tempos de faculdade) e, como o tempo estava de Verão (embora os constantes espirros me lembrassem que era Primavera), propus-me passar pelo supermercado, comprar carne para grelhar e jantarmos em casa dele, no maravilhoso e gigante terraço com vista sobre Lisboa. Ele achou que seria uma óptima ideia, não fosse dar-se o caso de estar em mudanças. "Vais deixar aquela casa-miradouro?! Para onde vais?", espantei-me eu. E então ele explicou-me que a reorganização da empresa onde trabalha o tinha feito descer de escalão, com a correspondente redução de ordenado que lhe complicava as contas mensais. Portanto, ele e a Ana tinham decidido deixar os respectivos T1 que arrendavam e ir morar juntos. "Dividindo a renda, até optámos por uma casa maior, um T2 muito giro em Arroios, para eu ter o meu escritório". (O escritório dele é, note-se, uma divisão onde ele pôs uma secretária para justificar o nome e que serve, na verdade, para jogar Playstation.) Argumentou, ainda, que, com os expedientes alargados que têm, se não vivessem juntos mal se veriam; portanto, já há muito que ele não passava boa parte das noites no apartamento na Graça e ela também não picava sempre o ponto na sua casa, o que era logisticamente complicado. "E irracional. Repara: estamos a pagar dois contadores da água, do gás e da electricidade". Ou seja, o amor nos tempos de crise faz-se de... economias de escala!

Eu não disse nada porque ele ia atribuir ao despeito (bom, é possível que agora me leia e fique a saber o que penso e tire conclusões), mas ele e a Ana conhecem-se há meio ano, namoram há 5 meses. Eu não duvido de que ela seja a mulher da vida dele - faço votos de que vivam felizes para sempre. a sério. sem ironia. Mas aos 5 meses de namoro ela ainda adora que ele pegue no menu do restaurante e decida o que ambos vão comer (sim, ele tem esse hábito); ainda está naquela fase de encantamento que o acha tão fofo e gastronomicamente sapiente. Talvez um dia comece a achar que aquela é uma forma de ditadura. Talvez não. E ele ainda adora que ela lhe ligue de hora a hora, a saber como ele está (e onde e com quem e a fazer o quê), porque ela está tão apaixonada que não aguenta ficar sem lhe falar - e ele está tão apaixonado que não considera que aquilo possa ser ciúme (patológico, eventualmente). Talvez um dia comece a equacioná-lo. Talvez não. O ponto é que me parece uma decisão prematura. E, sobretudo, motivada por aquilo que não devia ser o motivo para duas pessoas decidirem partilhar as suas vidas: as contas para pagar. Se antigamente quem casava queria casa, hoje o contrário parece fazer mais sentido.

2 comentários:

  1. Ai, o amor, Sara... Até me dás vontade de ir vomitar, com tanto romance. Para mim, o ideal são uns poemas do Pedro Salinas e do Pablo Neruda. E isso de sair e ser ele a escolher a comida é, no mínimo, perturbante. Agora percebo porque é que o meu portefólio de homens é quase todo americano: os gajos daqui são muito relaxados e deixam-me fazer tudo.

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  2. Se antigamente quem casava queria casa, hoje o contrário parece fazer mais sentido.

    Não me parece que seja uma questão do "antigamente" e do "agora". Sempre houve pessoas que se casaram rapidamente, não porque já conhecessem muito bem o parceiro, mas porque queriam escapar rapidamente à situação atual. Por exemplo, mulheres que se casavam para poderem abandonar a casa dos pais, dos quais já estavam fartas.

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