Nota: Hoje começo a publicar uma história gótica em 101 partes. Tem quase tudo para quase todos os gostos. Alea jacta est.
1. Há três dias que não sai do caixão.
Isto apesar de
terem estado muito escuras as noites, sem lua, sem estrelas, só nuvens muito
pretas contra um céu muito preto. Dentro da cripta também não há qualquer luz,
seja de dia seja de noite. Não há velas nem lareira, apesar do frio. Com uma
vela poderíamos ver uma humidade verde pastosa a deslizar devagar pelas
paredes. E vermes no chão alimentando-se uns dos outros, e as cascas dos
insectos apanhados pelas aranhas. Três dias sem movimentação e as aranhas não
perderam tempo, há teias do chão ao tecto, de parede a parede, algumas em volta
dos castiçais. As folhas das árvores empurradas pelo vento do outono
amontoam-se à porta, junto das frestas por onde entraram e dos buracos na
madeira podre. Ouve-se no silêncio perto do chão o restolhar sibilante dos
bichos que se devoram e perto do tecto as asas e guinchos dos morcegos. De
fora, chegam os uivos dos lobos. Dentro, o cheiro de pombos putrefactos e dos
restos dos roedores espalhados ali pelas aves de rapina atrai os corvos que
gritam sem conseguir chegar ao banquete de carne ainda agarrada ao pêlo. Ossos
desfeitos por todo o lado. Podridão emparedada e pelo meio dela a vida dos
bichos comendo, digerindo, expelindo, e os cadáveres à disposição dos necrófagos. Num canto, crânios e cabeças de bonecas de
pano sem olhos misturam-se com cacos de loiça e restos de sapatos. Toda esta
actividade seria apenas nocturna, mas os dias e as noites não se distinguem
dentro do túmulo, e é por isso que não conseguimos ver as argolas de metal
presas à pedra das paredes, ferrugentas e de onde pendem ainda pedaços de
tecido esfarrapado.
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