Marx dizia
que a religião é o ópio do povo. Durante muito tempo ouvimos a esquerda a
reproduzir esse mantra. Há alguns anos percebemos que, afinal, essa máxima só
se aplica ao catolicismo ou cristianismo. Os católicos tiveram de engolir
ataques, acusações sobre o atraso do país e do mundo, piadas – muitas, diga-se
em abono da verdade, sem piadinha nenhuma. Os católicos não gostavam? Com
certeza que não. Mas não tinham outro remédio senão aguentar - embora acredite
que alguns fundamentalistas e, passe a redundância, maluquinhos suspirassem
pelos tempos áureos da inquisição, em que os hereges eram postos na ordem. De
qualquer maneira, não passou pela cabeça de nenhum católico lançar uma campanha
de ódio contra, por exemplo, Eça de Queirós devido às “heresias” de “O crime do
padre Amaro” ou de “A relíquia”, um livro que é do princípio ao fim uma paródia
sobre o cristianismo. Nem ninguém decretou a morte (literal) dos Monty Python,
por causa de “A Vida de Brian”. Aliás, os Monty Phyton reconhecem que hoje,
nestes tempos tão modernos e tolerantes, dificilmente alguém se atreveria a
fazer “A vida de Brian II” – ai, meu Deus, que se pode ofender judeus,
católicos, protestantes, muçulmanos, isso é que não.
Curiosamente,
tratando-se do Islão a esquerda esquece-se da máxima de Marx. Os muçulmanos
tratam as mulheres de forma inaceitável para os nossos padrões, mesmo quando
estão em solo ocidental? Não, esse tipo de observações é racismo,
discriminação, falta de respeito pelas diferenças culturais, etc.. Então, e o
machismo do homem ocidental?, perguntam alguns. Confesso que fico perplexo com
este tipo de desculpabilização ou relativização, sobretudo quando vêm de
feministas. Mas adiante.
Por que
motivo há tantos muçulmanos envolvidos em ataques terroristas? É com certeza uma
coincidência. O Islão é uma “religião de paz”, asseguram-nos os
“especialistas”. Os terroristas podem ser muçulmanos, mas o terrorismo não tem
nada a ver com o Islão, é uma questão política. A maioria dos muçulmanos é
moderada e pacífica. Eu, acreditem, esforço-me por acreditar nesta visão das
coisas.
Sempre que há
um ataque terrorista cometido pelos jihadistas tenho a esperança de que
apareçam grandes manifestações organizadas pelas comunidades muçulmanas a
criticar categoricamente os ataques, sem “mas” ou meio mas no meio dos
discursos. Mas, fora uma ou outra declaração de repúdio, essas grandes
manifestações nunca acontecem. Ninguém acha isso estranho? Se a maioria dos
muçulmanos são moderados, pacíficos e condenam este tipo de actos, têm medo de
quê em assumir publicamente o seu total repúdio? Serão uma maioria silenciosa,
sem consciência de que são efectivamente uma maioria? O problema é que este
silêncio tem consequências. Com o tempo, começa a instalar-se no europeu médio
a suspeita de que, se calhar, a maioria dos muçulmanos até compreende as razões
e motivações dos "mártires" bombistas. E os Le Pen deste mundo são os
primeiros a agradecer esse silêncio ensurdecedor.
"Sempre que há um ataque terrorista cometido pelos jihadistas tenho a esperança de que apareçam grandes manifestações organizadas pelas comunidades muçulmanas a criticar categoricamente os ataques, sem “mas” ou meio mas no meio dos discursos."
ResponderEliminarPara mim, esta é uma das principais perplexidades.
Não é só o silêncio dos muçulmanos que é ensurdecedor. O silêncio da opinião pública ocidental ao abrir de pernas da Europa à Turquia, um país em processo de islamização acelerado, de fomento de islamização em territórios vizinhos e de perda de características democráticas, ainda faz mais barulho.
ResponderEliminarDe acordo, NG.
EliminarIsso é, seguramente, a prova provada da alienação (no sentido literal) das comunidades muçulmanas na Europa. Das comunidades, repito.
ResponderEliminarA geopolítica e as relações internacionais não são de todo a minha praia. Mas palpita-me que a longa, longuíssima, tragédia do Médio-Oriente que opõe Israel aos "outros"não é de todo alheia a esse silêncio ensurdecedor.
Já cá faltava o bode expiatório que dá pelo nome de Israel...
EliminarPois a mim palpita-me que essa tal "tragédia" pouco ou nada tem a ver com o silêncio ou o barulho dos muçulmanos "moderados".
"Os muçulmanos tratam as mulheres de forma inaceitável para os nossos padrões, mesmo quando estão em solo ocidental? Não, esse tipo de observações é racismo, discriminação, falta de respeito pelas diferenças culturais, etc.. Então, e o machismo do homem ocidental?"
ResponderEliminarNessa passagem, acho o JCA está a juntar (como se fosse uma só) duas posições que me parecem completamente opostas - os que dizem que se devem respeitar as diferenças culturais, e os que dizem que os homens ocidentais também são machistas (ou seja, os relativistas que dizem que as sociedades humanas são tão diferentes que não se pode querer impor padrões universais, e os universalistas - chamemos-lhe assim - que acham que todas as sociedades humanas são similares e que todas têm coisas más; é verdade que ambas acabam a rejeitar hierarquias de civilizações, mas partindo de premissas bastante diferentes).
A respeito de manifestações e das comunidades muçulmanas - é verdade que não são manifestações organziadas especificamente por eles e para eles, mas nas manifestações gerais que têm ocorrido nos países em que há atentados de monta, as comunidades muçulmanas locais costumam participar ativamente.
Já agora, outro ponto (que não é o que o JCA referiu, mas costuma ser referido por outras pessoas): muitas vezes diz-se que as autoridades religiosas muçulmanas ditas moderadas não condenam o terrorismo, mas atendendo que o islamismo sunita não tem nada comparável a um papa ou mesmo ao arcebispo de Cantuária, também não é muito claro quem é que querem que faça essas condenações (se se estão à referir à infinitude de imãs locais, teólogos e escolas islâmicas, muitos têm feito proclamações contra o terrorismo, mas provavelmente nenhum é individualmente suficientemente famoso para dar direito a uma noticia destacada nas primeiras páginas dos jornais aparecer "Líder islâmico condena terrorismo") - mas este meu último parágrafo é mais um aparte, que não tem diretamente a ver com o post.
esse último ponto que levantas sobre os sunitas, que são a maioria, é muito importante. Ao não haver uma autoridade central, tipo Papa, que imponha uma visão oficial sobre a interpretação do Corão, permite-se várias interpretações dos textos sagrados. Ora, o que não faltam são passagens violentas, como esta: “Quando os meses sagrados tiverem passado, matai os infiéis onde os encontrardes; capturai-os, acossai-os e postai-vos em cada emboscada contra eles.”
EliminarOu até várias interpretações sobre o que conta como "infiéis" (se for uma tradução de "kafir", acho que há diferentes teorias sobre se os judeus e cristãos estão incluídos)
EliminarUm aparte: um amigo meu, que é xiita ismaili (confesso que eu próprio não percebo bem se ele é mesmo um ismaili religioso, ou apenas "cultural"), talvez a mais "soft" das denominações islâmicas (ok, criaram a palavra "assassino", mas isso foi há muito tempo), de vez em quando posta uma coisas no Facebook exatamente sobre a relação entre a "liderança iluminada" do Aga Khan e a maior abertura dos ismailis.
EliminarMas, por outro lado, os judeus também não têm uma autoridade central e têm um livro sagrado sanguinário, e nos últimos 1500 anos têm sido talvez a mais pacífica das religiões abrâamicas, logo estas explicações organizacionais ou teológicas talvez não sejam as mais adequadas (possivelmente o facto de tanto judeus como ismailis serem tradiconalmente uma minoria sem território contribuirá para afetar mais a sua mentalidade - nem que seja por falta de possibilidade de oprimir alguém - de que qualquer detalhe teológico).
Ahem, os judeus uma religião pacífica... Bom, já sei que se crucifica quem mistura judeu e Israel. Más o estado israelita é um estado de confissão judaica (sim, é um estado de confissão judaica, não é uma opinião) e de pacífico tem pouco. Claro que podem vir sempre defender que são atacados, que os vizinhos os querem ver destruídos, etc. Mas o facto é que quem foi para lá dar tiros e expulsar pessoas das suas terras foram os fundadores do estado de Israel, perpetuado pelas gerações seguintes.
EliminarO Islão pregado/praticado por muitos muçulmanos não é uma 'religião de paz'!!
ResponderEliminarasam, não tenho dúvidas que, para muitos muçulmanos, o islão é uma religião de paz. O problema são as múltiplas interpretações e, como disse no comentário anterior, no Corão há muitos apelos à violência - também há na Bíblia, sobretudo no Antigo testamento, é verdade, mas no catolicismo há uma autoridade central, que também tem muitas desvantagens, é verdade, mas que, ao mesmo tempo, dá uma interpretação oficial dos textos. Aliás, os católicos sempre tiveram dificuldades em lidar com o Antigo Testamento (apesar de, na minha opinião, literariamente ser superior ao Novo testamento) devido ao Deus violento, às vezes sádico, que lá aparece, e que, aparentemente, entra em contradição com o discurso de amor, bondade e perdão de Cristo.
EliminarJosé Carlos, os cristãos estão longe de se resumirem aos católicos e têm, muits correntes e livres interpretações bíblicas. E, contudo, manifestam as suas opiniões com clareza quano tal é necessário.
EliminarEstá sempre a tentar arranjar-se explicações e justificações para os pobres dos pacíficos muçulmanos maioritários.
O conjunto dos cristãos , ou, melhor ainda, o conjunto dos protestantes, costuma manifestar as suas opiniões com clareza? Note que eu não estou a perguntar se cada denominação protestante especifica (desde os luteranos aos amish) manifesta as suas opiniões de forma clara; estou a perguntar se os protestantes, em conjunto, costumam manifestar a sua opinião
EliminarEm conjunto era capaz de ser um pouco difícil, dado o carácter heterogéneo do protestantismo. Ou seja, era capaz de ser difícil termos o Arcebispo de Cantuária, bispos luteranos, pastores baptistas, ministros adventistas - sem esquecer os amish, claro - a manifestar conjuntamente as suas opiniões, com ou sem clareza.
EliminarExatamente.
EliminarO artigo poderia ser complementado com: http://delitodeopiniao.blogs.sapo.pt/um-tributo-merecido-8332201
ResponderEliminare
http://oinsurgente.org/2016/03/23/em-roma-se-romano-2/
Já agora, há também uma razão prática bastante direta para a esquerda europeia não referir muito os eventuais problemas intrínsecos da religião muçulmana - no ocidente, a questão "o terrorismo e/ou a opressão das mulheres tem alguma relação com a religião muçulmana?" praticamente só tem uma implicação prática em termos de políticas concretas - a atitude face à imigração oriunda dos países muçulmanos; é que se se conclui que o islamismo tem mesmo uma ligação com o terrorismo ou o "patriarcalismo", das duas uma: ou não se elabora nenhuma política a partir disso (e nesse caso é uma conclusão relativamente inútil); ou se se parte dessa conclusão para definir políticas, essas políticas serão quase de certeza coisas como reduzir a imigração muçulmana; facilitar procedimentos de expulsão de imigrantes (mesmo que de 3º geração); vigilância policial desproporcionada sobre as comunidades muçulmanas, etc. Ora, se aceitar uma dada conclusão "positiva" implica reforçar o argumento a favor de políticas de direita (e de direita "dura"), é natural que a esquerda tenda a recusar essa conclusão.
ResponderEliminarSó me ocorre uma exceção ao que disse acima (acercas das politicas que podem ser postas em prática se se concluir que o islamismo fomenta o terrorismo) - essa conclusão também será um argumento para ser contra sistemas tipo cheque-educação (e aí temos uma politica que a maior parte da esquerda gostaria).
Como é evidente, tudo o que escrevi aqui só faz sentido para a esquerda em países não-muçulmanos; se estivermos a falar de esquerdistas no mundo muçulmano, sejam sociais-democratas como a Liga Awami do Bagladesh, trotsko-maoistas como a Frente Popular tunisina ou semi-anarquistas como os guerrilheiros curdos da Turquia e da Síria, toda a relação deles com o islamismo assenta em pressupostos e incentivos completamente diferentes (por um lado, nessas sociedade criticar o islamismo não dá argumento à extrema-direita anti-imigração; por outro lado criticar o islamismo torna-os muito mais facilmente em alvos da sua própria extrema-direita islâmica).
Muito obrigado por mais esta prosa agradavel de ler. :-)
ResponderEliminarEm todas as grandes manifestações por causa dos atentados há uma gigantesca quantidade de muçulmanos (pelo menos por onde eu tenho contacto que é Paris, Madrid, Bruxelas...) que repudiam veementemente os atentados. Como cidadãos normais, não por muçulmanos. São além disso quem mais sofre com esses atentados precisamente por essa razão. Amaga-se os muçulmanos e só se pedires desculpa pelo que outros fazem serás um bom muçulmano. Senão passas a ser um mau muçulmano. Amigo, é descriminação
ResponderEliminarPedir a muçulmanos moderados que façam repúdios públicos pelo que outros animais fazem em nome da religião é como pedir que nós, bons católicos cidadãos portugueses venhamos pedir desculpa humildemente por:
- As animaladas dos descobrimentos (http://jugular.blogs.sapo.pt/os-traques-do-gama-cheiravam-a-rosas-3920369)
- A inquisição
- A expulsão dos judeus
- O holocausto (afinal, os alemães são europeus e Portugal nunca fez parte dos aliados nem se demarcou das atividades do nazismo)
- Os casos de pedofilia na igreja católica
- As idiotices do Cristiano Ronaldo
Etc, etc, etc
Eu não me considero responsável por nada do que está acima, não vejo porque tenho que vir a público repudia-lo.