24. Uma coisa gatinhou pelo chão da cozinha.
Tinha estado escondida debaixo da mesa comprida. Olhando com mais cuidado, veríamos que se tratava de um rapaz de seis ou sete anos, com cabelo muito sujo e emaranhado, e roupas esfarrapadas também muito sujas. Como a cara, as mãos, e os pés descalços. Tudo tão sujo que dava a impressão de nunca ter tomado um banho nos seus seis anos de vida. O rapaz limpou o nariz ranhoso à manga da camisa e coçou a cabeça. Gavril atirou-lhe uma maçã enrugada e bichosa que a criança mordeu com voracidade. "Estás outra vez com piolhos, miúdo." Sem falar, o rapaz voltou a coçar a cabeça. Não queria parar de devorar a maçã e o pedaço de pão escuro que Gavril lhe atirara em seguida. Uma das mulheres interrompeu os seus cuidados com a sopa e deu ao rapaz uma chávena de leite. "Roubei para ti. Não digas a ninguém. Tu também não, Gavril. Bico fechado." "E tu, não tragas sopa agora. Ainda se lhe rebenta a barriga com tanta comida ao mesmo tempo. Daqui a bocado come mais. Esta noite eles vão demorar." A outra mulher pousou a tigela que tinha começado a preparar. "Podemos dar-lhe um banho", disse. "Vou pôr a água a aquecer." Pouco tempo depois, o rapaz estava a ser vigorosamente esfregado com uma escova. Cheia de água e sabão, a tina quase transbordava. "O melhor é cortar este cabelo. Rapar tudo, até saírem os piolhos." Gavril foi buscar uma tesoura e uma lâmina, e o cabelo do rapaz, que agora se via ser loiro, foi caindo no chão. Embrulhado numa toalha, com o crânio à vista, o rapaz continuava calado. "Pobrezinho," disse a primeira mulher. "Precisa de sol e ar puro." "Por aqui não há disso", avançou a outra. Um ruído vindo das escadas fez com que todos se calassem. As mulheres enxotaram a criança para debaixo da mesa. "Não ouviste a campainha, desgraçado." Gavril encolheu-se. "Mil perdões, senhor." "Tem funcionado mal, mas vou arranjá-la imediatamente." As mulheres não levantavam os olhos do chão. "Por tua causa, tive que vir até este buraco infecto, seu imbecil." "Tive que ver estas duas bruxas desengonçadas e respirar esta fedentina." "Não fosse eu precisar hoje dos teus serviços, ias parar à masmorra e dormir na companhia dos ratos." "Fica para amanhã o castigo, agora traz-me mais vinho, seu estafermo." Durante toda esta conversa, o cão, seguro por Anghelescu, rosnara sem parar. Anghelescu voltou-se e começou a subir os degraus. Quando os passos na escada mal se ouviam, a criança voltou a sair de debaixo da mesa. "Tenho frio", disse. Aproximou-se da lareira enquanto as mulheres lhe vestiam roupas lavadas. Gavril já tinha corrido escada acima com garrafas de vinho. "Infeliz, todos os dias tem que ver os demónios."
Sem comentários:
Enviar um comentário
Não são permitidos comentários anónimos.