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domingo, 27 de março de 2016
História gótica
17. O jogador de dominó atravessou aos tombos a praça da aldeia.
Alguma vez tinha que fechar, resmungava só para dentro. A verdade é que ninguém se lembrava da última vez que o tinham ouvido falar, e nem sozinho, numa praça deserta, sem luz em qualquer janela, onde não passava sequer um gato ou um pássaro nocturno, o homem dizia alguma coisa em voz alta. Tropeçou no degrau do poço que estava no centro da praça sem um gemido. Sentou-se ali, apertou o casaco comprido e cinzento, e olhou na direcção da colina. Aquele maldito castelo vê-se de todo o lado, pensou. Não há lugar nesta aldeia onde se possa fazer de conta que não existe, nem que seja por um ou dois minutos. Como se nos seguisse para todo o lado, como se nunca nos perdesse de vista, pronto a atacar como uma ave de rapina. O vento que entretanto se tinha levantado atirava-lhe os cabelos contra a cara. Apertou ainda mais o casaco e fez um movimento para levantar-se, mas deixou-se ficar. Empurradas também pelo vento que ia aumentando de intensidade, as nuvens taparam a lua durante alguns segundos e o castelo deixou de estar visível. Devia ser assim fácil, pensou. Apagar as luzes e fazer desaparecer aquela abominação. O castelo e tudo o que ele tem dentro. E o que está em volta. E a própria colina. E esta aldeia de almas mortas. A lua voltou a ver-se e, com ela, o castelo. O homem estremeceu. Ali está ele. Maldito o dia em que ouvi falar deste sítio, maldito o dia em que subi aquela colina. O vento soprava cada vez com mais força. Não consigo sair daqui. Não consigo afastar-me e tentar esquecer. Junto ao mar, por exemplo. Um mar muito azul debaixo de um céu muito azul, ao sol, com gargalhadas à minha volta e fatias de melancia fresca. Um pingo pesado de chuva caiu-lhe sobre uma das mãos. Quase de imediato, chovia torrencialmente. O ventoy e a água flagelavam-no como chicotes, mas o homem apenas se levantou e deixou-se ficar em pé debaixo da tempestade. Encharcado, continuava a olhar para cima, em direcção ao castelo iluminado por raios violentos. A trovoada estava mesmo em cima da aldeia, a julgar pelo som dos trovões e pela rapidez com que se seguiam aos relâmpagos. Talvez seja hoje que acaba tudo, pensou. Talvez seja hoje que um raio destrói aquele lugar odioso. Aquelas criaturas obscenas, aqueles cheiros detestáveis. Não devia sobrar uma pedra, devia desmoronar toda a colina, e soterrar esta aldeia infeliz. Que nunca mais ninguém voltasse a ouvir sequer o seu nome. Que não ficasse uma recordação. Que fosse também eu soterrado, coberto da terra mais negra e das pedras mais pesadas. A chuva caia cada vez com mais força. Afastou a água da cara, mas permaneceu no mesmo sítio, os olhos fixos na mesma direcção. Aqui nunca faz sol, pensou. Mesmo nos dias em que parece estar sol há uma névoa escura, uma película cinzenta que cobre todo o céu. Como a película do pó do carvão que é tirado da mina, um pó que nunca se consegue limpar, que está entranhado em tudo, até na língua. É impossível cuspi-lo, como é impossível receber um raio de sol que não seja ao mesmo tempo uma sombra. É impossível encontrar água pura. E impossível ver sem manchas a separar-nos dos objectos. As caras das pessoas chegam-nos aos olhos turvas e cansadas. Os animais andam cabisbaixos, sofrem com a luz baça e fraca. Quem sempre viveu ali, quem nasceu e cresceu ali, talvez não se aperceba, pensou. Mas quem chega sente aquela névoa, aquela escuridão persistente de imediato e nunca se habitua. Mas só depois, pensa, só depois a compreende. Ou compreende que esteja aquele sítio mergulhado nela mesmo nos dias mais luminosos. Não devia ter alguma vez posto os pés aqui, pensa, em Zselyk.
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