terça-feira, 10 de maio de 2016

Não percebo a vossa Economia

Um dos argumentos que o Carlos usa, no Insurgente, é que 90% dos custos de uma escola são operacionais, logo o custo fixo é baixo e para além disso, a implicação matemática é que, como é fixo, aquilo cai quando se tira a primeira derivada da optimização. O custo fixo é baixo porque ele ignora o custo de construção. Qual é o pressuposto de dizer que não se cobrem os custos fixos de construção e manutenção das instalações? O pressuposto é estarmos a fazer análise de curto prazo, pois no curto prazo, há custos fixos; no longo prazo é tudo variável, pois a decisão de se construir, ou não, uma escola também é variável, logo o custo de construção tem de ser considerado. No curto prazo, é óptimo não ligar ao custo de construção; mas a longo prazo, cobrir apenas o custo operacional leva à bancarrota.

Uma escola é um investimento de pelo menos 30 anos -- algumas mais. Logo, será que o Carlos acha que num investimento com um espaço temporal de várias décadas se deva decidir apenas cobrir os custos operacionais? Não é isso o que diz a teoria económica, pois o custo de construir uma escola tem de ser recuperado durante esse longo período de tempo. A partir do momento em que o estado decide construir uma escola, é necessário servir um número mínimo de alunos, durante um período de tempo mínimo, para esse investimento ter um retorno, i.e., o estado precisa de recuperar a despesa pública e os seus respectivos juros, de forma a que não se torne num custo líquido para os contribuintes. Para além disso, muita desta despesa foi paga através de dívida e não através de impostos. Quando é que o estado se endividou para fazer muitos destes investimentos? Quando os juros eram relativamente altos. Desistir de uma escola para enfiar os alunos noutra, quando a primeira ainda não foi paga, implica um custo de oportunidade para os contribuintes.

Só que em Portugal há a moda dos "sunk costs": constroi-se, logo pode-se fazer de conta que esse custo já não existe porque é um "sunk cost", e não é pertinente para a decisão: ignora-se o custo de construir a coisa e o potencial de criação de valor da mesma. É por isso que há estradas redundantes em Portugal, é por isso que o estado incentivou a criação de escolas privadas perto de escolas públicas onde havia capacidade para os alunos andarem nas públicas e o investimento nas públicas ainda não tinha sido completamente recuperado, é por isso que se decide renovar uma unidade hospitalar e cinco anos depois fecha-se o hospital e decide-se construir outro, etc. Há uma completa falta de respeito pelos sacrifícios que os portugueses fazem para suportar um estado irresponsável.

Há escolas públicas que faz sentido fechar; há outras que não; há algumas que faz sentido recuperar; há outras que não precisam de ser recuperadas porque foram construídas mais recentemente, mas as que ficam abertas têm de ter uma ocupação mínima para não darem prejuízo aos contribuintes. Dar a todos os alunos portugueses acesso ao ensino privado não é comportável financeiramente neste momento (a Parque Escolar também foi um erro, mas desde quando fazer asneiras no passado é justificação para as continuar a fazer no presente e futuro?), logo o argumento não pode ser ganho matematicamente.

Ter mais alunos no privado poderia ser proposto como um plano de longo prazo, mediante um referendo à população, devidamente informada das suas opções, e se esse fosse o caminho desejado, à medida que as escolas públicas fechavam, o estado não as substituíria e canalizava os alunos e o dinheiro poupado para o privado, desde que apenas pagasse um custo do nível mínimo de educação que a sociedade desejava, o resto seria comportado pelos pais. Quem não tivesse dinheiro para meter os filhos no privado tinha garantido um bom nível de ensino público, não seria luxuoso, mas teria dignidade, e os dois sistemas poderiam existir simultaneamente. Um argumento deste tipo não me incomodaria minimamente e satisfaria princípios básicos de gestão de recursos escassos.

Em vez disso, fala-se de "liberdade de escolha", mas só se o aluno for do público para o privado; liberdade de escolha dentro do público não é importante; acabar com o sistema de educação público, também parece não afectar o leque de escolhas dos portugueses. Querem que o estado aja como se mudar alunos do público para o privado seja indiferente em termos de custo, ao mesmo tempo que se queixam do despesismo do estado e não se incomodam com o retorno da despesa pública passada. Sinceramente, isto não tem nada a ver com a teoria económica; são preferências ideológicas.

9 comentários:

  1. Sunk Costs nao sao uma moda portuguesa, sao de correcta aplicacao e necesarios para qualquer analise de investimento/decisao decente. O problema e a analise e calculo dos committed costs. Esta bem ignorado o custo de construcao mas nao as obrigacoes futuras relacionadas com esse mesmo custo.

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  2. Sunk Costs nao sao uma moda portuguesa, sao de correcta aplicacao e necesarios para qualquer analise de investimento/decisao decente. O problema e a analise e calculo dos committed costs. Esta bem ignorado o custo de construcao mas nao as obrigacoes futuras relacionadas com esse mesmo custo.

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    1. É exactamente esse o problema: o estado retém o custo e desiste de parte dos proveitos e depois as pessoas perguntam-se como é que a dívida cresce mas o PIB não.

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    2. "o estado retém o custo e desiste de parte dos proveitos" Não compreendo este argumento, porque as escolas públicas não dão proveitos ao Estado, uma vez que os alunos não pagam. No entanto os seus custos de funcionamento dependem do número de professores pelo que o fecho de uma escola sem alunos acarreta uma poupança imediata.

      Concordo que fechar uma escola pública é um "prejuízo para o Estado" apenas na medida em que mostra (no caso de ser uma escola recente) que a sua construção não obedeceu a critérios de razoabilidade económica/demográfica/etc.


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  3. Rita: leio-a sempre atentamente e concordo consigo e existe uma agravante de tudo isto: os alunos problemáticos e com necessidades especiais são "corridos" para o público e exigem recursos humanos muito caros que os colégios com comparticipação não incorporam nos custos. Trata-se de uma chulice, mas nada me espanta, pois o nosso empreendedorismo desde o século 18, viveu sempre à sombra do estado.

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  4. Eh pá, não me parece que o argumento de "agora que comprámos isto temos que o gastar, goste-se ou não" seja suficiente para condenar os teus cidadãos mais fracos a uma pior educação. Eu percebo que a "liberdade de escolha" não seja o ponto correcto, até porque não pagamos a educação aos pais, pagamos aos filhos (os pais não têm a escolha de não meter o filho na escola, por exemplo). Mas o que estás a dizer é que quem tem que pagar as cagadas do passado são os putos pobres. E isso não me parece correcto...
    Isto sem falar na questão financeira, que vista no conjunto do parque escolar (com letra pequena) é diversificado o suficiente para ser pouco relevante.

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  5. O problema, parece-me, é que as escolas privadas contratadas pelo estado para prestar serviço público são a excepção à regra num sistema de ensino controlado centralmente a partir do ministério.

    Para uns, isso representa uma tímida esperança na evolução dum sistema que funciona mal, para outros que defendem o sistema que existe, essa evolução é precisamente o que querem evitar.

    Eu concordo com praticamente tudo o que a Rita diz. Mas é lamentável se a consequência do que a Rita diz for o encerramento das únicas escolas na rede pública que têm a liberdade de fazer as coisas de forma diferente (e.g. escolher os seus próprios professores).

    Eu não tenho preconceitos relativamente à propriedade das escolas. Quero que o estado preste um bom serviço, a um custo razoável. Nos casos em que há escolas sem alunos, a oferta deve ajustar-se à procura. Não acho que seja obrigação do estado garantir liberdade de escolha.

    Mas não é claro para mim que entre uma escola privada que presta um serviço público ao estado a bom preço e com bons resultados, e uma escola pública com maus resultados onde os pais não quer por os filhos, deva fechar a privada, sobretudo quando existem várias outras escolas nas redondezas.

    Se não é possível dirigir recursos para o que funciona bem, em detrimento do que funciona menos bem, como é que é possível evoluir?

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  6. Parece-me que o Nuno pôs bem a questão e ainda não entendo por que é que a Rita se meteu nesta guerra onde, reconheço, nem sempre foi bem tratada, pelo contrário. E de forma nem sempre justa, penso.
    Certo é que o problema é de difícil resolução e que o ministro da educação meteu o pé na poça. Mais uma vez.
    Já recomendei uma visita ao site desta escola, razoavelmente bem colocada nos ranquing dos exames nacionais: http://site.colegiodelamas.com/index.php/2013-07-21-15-02-01/cronologia por me parecer inconcebível que, para quem conhecer uma coisas destas, defenda que se deve acabar com a experiência que, parece a mim, deveria antes ser bem estudada e se possível replicada.
    Se há coisas a melhorar, estudem-se os problemas e adoptem-se as soluções que melhor servem os alunos, dentro das possibilidades financeiras do país. Assim como estão fazer, não.

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  7. Eu vou ser aqui politicamente incorreto e dizer que a economia do Carlos é a de "um jovem turco" ligado ao PSD ou pelo menos simpatizado com o PSD visto ser este o partido da Direita portuguesa com capacidade de ser Governo e ele está a olhar pela vida dele (pode-se achar correto ou não) tentar com o seu discurso granjear simpatias e obter um lugar de acessor no Ministério das Finanças ou da Saúde num futuro Governo ou num dos organismos a órbita dele. Para tal usam-se os dados que dão mais jeito para se chegar as conclusões que mais se aproximam da ideologia defendida pelo partido. Outros já estão num patamar superior e tem este discurso talvez para receberem uns contratos em regime de outsourcing quando o PSD vier a ser Governo estão a olhar pela vida deles e eu não os condeno por isto.
    Obviamente não vejo as coisas deste modo e defendo a transparência o mais possível dai não ser militante de qualquer partido político.

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