quarta-feira, 8 de junho de 2016

História gótica


78. "Pst!"
Ada levantou a cabeça. A meio da parede de um corredor por onde já tinham passado várias vezes e que tinham antes suposto ser um acesso às catacumbas do castelo, uma pedra tinha-se deslocado e uma cabeça espreitava os três prisioneiros do labirinto. Groesken convencera os outros a descansar. Andavam há horas em círculos e começavam a ficar com fome e sede. À exasperação por não conseguirem chegar a lado nenhum e por não poderem realizar os seus propósitos, juntou-se a angústia. Imaginavam que ficariam ali para sempre, repetindo os mesmos passos e desembocando nas mesmas salas. Até que a angústia deu lugar ao medo. De cada vez que passavam por salas que reconheciam, examinavam-nas melhor, iluminavam recantos, e descobriam ossos cobertos ainda de restos de roupas. Os esgares das caveiras, e o facto simples de as econtrarem por todo o lado, escarneciam da sua intenção de penetrar nos segredos do castelo. Os cabelos secos e esparsos que se viam em alguns crânios eram especialmente inquietantes. Sugeriam terem há pouco tempo exalado o último sopro pessoas como eles, procurando o mesmo, deparando-se com a mesma frustração. Valodu levantou também a cabeça e ergueu-se de um salto. "Está ali alguém!" A cabeça que surgia do buraco na parede era pequena. Correram todos na direcção dela, falando ao mesmo tempo e com o entusiasmo que os tinha abandonado. Ou assim pensaram, esquecendo o que ficou na caixa de Pandora, a paixão que mantém vivos aqueles que as outras paixões atormentam como tempestades. A criança perguntou, "conseguem subir?". Valodu apalpou a parede em busca de pedras que os ajudassem a chegar à cabeça pequena. A parede era irregular e a escalada não parecia difícil. E o buraco não estava muito acima deles. A única dificuldade parecia ser o tamanho da abertura, não era certo que conseguissem passar três adultos onde cabia apenas uma criança. "Vou alargar a passagem.", disse a criança. "Cuidado com as pedras que vão cair!" Valodu, Ada e Groesken afastaram-se para que as pedras não lhes acertassem. Quando o buraco ficou suficientemente largo, Ada começou a subir, assentando os pés com firmeza nas pedras mais protuberantes. O rapazinho encolheu-se na entrada da abertura para deixá-la passar, e Ada encontrou-se numa passagem onde cabia de pé e ao fundo da qual se viam umas escadas. Os outros subiram também e, olhando em volta, Groesken disse, "Estamos dentro da parede!" "Sim", confirmou a criança. "Sigam-me." A luz que entrava por entre as frestas chegava para avançarem. Tomaram as escadas que desciam. Passaram pelo salão onde Anghelescu e Viorica se saudavam e do qual vinha mais luz do que das divisões por onde tinham passado antes. Mas não conseguiram ver nada do que estava a acontecer para além das pedras. Repararam que havia zonas na parede por onde poderiam ter espreitado, mas a criança avançava depressa e não queriam perdê-la de vista. Desciam em silêncio, não queriam quebrá-lo, não sabiam o que poderia acontecer se fossem apanhados a fugir do labirinto. Era isso que pensavam estar a fazer, fugir do labirinto. Nem por um momento lhes ocorreu desconfiar da criança e suspeitar que poderiam estar a entrar noutro labirinto que conteria o primeiro. Não lhes ocorreu supor um infinito de labirintos concêntricos por onde seguiriam, de cada vez com esperança, ei-la na borda da caixa de Pandora, de cada vez encontrando esqueletos quase desfeitos, de cada vez sem desconfiar que uma coisa maligna pudesse ter tomado a forma de uma criança.

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