quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Economia dos incêndios

Como já vos falei, o tópico do meu doutoramento e mestrado foi problemas ambientais. O meu primeiro orientador de doutoramento foi Jonathan Yoder que também tinha um doutoramento na área, da North Carolina State University, e, por alguns anos foi Professor Assistente na Oklahoma State University, onde eu estudei. Talvez um ano após eu começar o doutoramento, ele arranjou um emprego na Washington State University e por isso mudei de orientador. Recordo-me de assistir, julgo que em 2001, a uma palestra que ele deu acerca de incêndios. Nessa altura, ele estava a trabalhar num modelo para analisar os incentivos económicos da prática de usar fogo controlado como medida preventiva para incêndios. (Nunca fiz investigação nesta área, concentrei-me mais em gestão de água e solos.)

Depois de pensar nisto, fiz uma busca no Google e encontrei um paper dele mais recente sobre incêndios, em que ele é segundo autor. Desta vez o tópico é a alocação de recursos durante o combate a um incêndio. O paper, que foi apresentado na conferência anual conjunta de 2015 das organizações Agricultural & Applied Economics Association e Western Agricultural Economics Association, em San Francisco, CA, pode ser consultado na base de dados de Economia Agrária, a AgEcon Search. Deixo-vos o sumário, onde se explica a motivação para o estudo. Pode ser que alguém em Portugal se interesse pelo tópico e queira usar esta metodologia para analisar o caso português.

Abstract
Rising suppression cost and severity of wildfires in the US has prompted debate over federal wildfire management policy. The empirical economic literature on wildfire has sought to identify the factors that contribute to wildfire growth and cost without directly modeling the role of resource allocation over the course of the fire. Without a model of suppression resource allocation, it is difficult to understand how policy will impact wildfire outcomes. We fill this gap in the literature by estimating an econometric model of suppression resource allocation, wildfire expenditures, growth, and home damage using a dynamic panel dataset on over 500 wildfires in the Western U.S. Our econometric model is grounded in a theory of resource allocation that shows how individual fire managers communicate their need for resources to a regional command unit through the resource’s shadow price. This model allows us to parse the complex incentives of wildfire managers, and disentangle direct from indirect impacts of threatened assets, environmental conditions, and resource scarcity on wildfire expenditure, growth, and damage. Among other results, we find that the use of aircraft increases daily wildfire expenditures by 35% while highly trained ground crews mitigate the daily damage to threatened homes.

Fonte: Jude Bayham e Jonathan K. Yoder

37 comentários:

  1. O que eu gostava de saber era qual o impacto económico e ambiental de fixar o preço da biomassa, alinhado com o preço da electricidade, a um nível que torne compensadora a sua retirada da floresta.

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    1. É um problema de programação matemática ou investigação operacional. Quando trabalhei na Universidade do Arkansas, a minha investigação era uma coisa dessas: qual o preço a que seria economicamente viável transportar estrume de aviário para ser usado na fertilização de terras de agricultura intensiva.

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    2. Voilá. Não parece um problema demasiado complicado. Cheguem-se à frente os académicos e digam-nos se custa mais ou menos dinheiro e gases de efeito de estufa do que esta ciranda todos os anos.

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    3. Henrique Pereira dos Santos11 de agosto de 2016 às 20:41

      Astronómico: os matos são essencialmente ar e água, têm pouco poder calorífero e por isso os custos de transporte são altíssimos para o retorno (pela mesma razão a Renova tem dificuldade em ser competitiva a mais de 1200 Km da fábrica)
      Usar cabras é infinitamente mais racional

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    4. Também há a possibilidade de desenvolver produtos inovadores que usem esses materiais. Quanto ao uso de cabras, o Wilson Park, em Fayetteville, no Arkansas, usa-as para controlar o crescimento da vegetação e parece que também já foi feito em Boulder, Colorado.

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    5. Não sei se é só ar e água. Outro alguém que faça as contas aos resultados das empresas de celulose antes e depois de terem as suas centrais de biomassa a trabalhar.

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    6. henrique pereira dos santos11 de agosto de 2016 às 23:05

      Não confundamos coisas só porque têm um nome comum.
      As celuloses alimentam as suas centrais com outras coisas que não matos (desperdícios da actividade industrial, penso que em especial licor de celulose, ou lá como se chama) que têm um poder energético muito maior e que não têm custos de transporte.
      Pode verificar o que digo vendo quantas das centrais de biomassa previstas foram feitas (muito poucas) e com que trabalha a central de Mortágua, a primeira de todas.
      Sim, Rita, há um negócio florescente de prestação de serviços de limpeza com rebanhos, nos Estados Unidos, com várias empresas, desde a califoria grazing (que é quem eu penso que presta ou prestou esse serviço à Google) até à goats 'r us e outras. Numa dessas empresas, todos os pastores vêm da américa latina (e trazem os seus cães, se não me engano)
      Procurando por target grazing há bastante informação.

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    7. Verifico que, por exemplo, nos EUA, além de empresas de limpeza de matos que usam rebanhos pastoreados por imigrantes latinos e seus cães, existem 80 centrais eléctricas a biomassa e, pelo menos, uma fábrica de bioetanol celulósico em operação. Algo mais do que ar e água os resíduos florestais contêm. O uso de cabŕas, vacas e ovelhas tem sido, ao longo de milénios, e até que uns fanáticos veganos resolveram aliviar os seus traumas em quem tem hábitos alimentares diferentes dos seus, um contributo inestimável à sustentabilidade do ecossistema rural e à protecção dos solos. Nada contra, antes pelo contrário. Mas não me parece que possa esgotar as soluções para o problema de acumulação de material combustível na floresta. Até porque, entre outras limitações, para surtir algum efeito, seria necessário multiplicar dramaticamente o efectivo actual (3 milhões de hectares vezes, digamos, 3 cabras por hectare = 9 milhões de cabras).
      Insisto. Que nos digam qual a factura do Orçamento de Estado necessária para cobrir o custo social de manter o território um lugar habitável no Verão, para residentes e turistas, ou se, bem feitas as contas, com escala, preservação da industria florestal, empregos criados, produção e exportação de electricidade, pellets ou coisa que o valha, a fixação e suporte de um preço mínimo para a biomassa que viabilize um salário compensador para a actividade da sua recolha acaba por ser um bom negócio para o Estado e um factor indutor do crescimento da riqueza do país.

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    8. Não foi o HPS que disse que ia comer um cabrito?

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    9. henrique pereira dos santos12 de agosto de 2016 às 11:20

      As centrais de biomassa são úteis em algumas circunstâncias, por exemplo, no aproveitamento de resíduos do corte florestal (não são matos, são pontas e outras coisas com bastante mais energia concentrada). Genericamente são úteis o aproveitamento de subprodutos que estão concentrados em algum lado e que têm poder calórico, nada disso diz respeito ao aproveitamento de matos.
      Sim o pastoreio não é a única solução, é uma ferramenta que infelizmente não é usada e a única coisa que defendo é que quando se tomam decisões de afectação de recursos, privados e públicos, se avalie a viabilidade do uso de animais, nada mais.
      De qualquer maneira o que está em causa não são 3 milhões de hectares (a área dos povoamentos florestais) mas seis milhões (metade do que arde são matos, que constituem os três milhões que lhe faltam).
      Mas para uma gestão inteligente do fogo não precisa de limpar tudo, apenas precisa de uma sistema de descontinuidades de combustíveis que impeça as grandes perdas e reduza as perdas médias. O que se consegue com 10 a 20% de tratamento da área de combustíveis. Atendendo a que nem tudo tem de ser feito por pastoreio, sendo bastante mais eficiente o tandem fogo/ pastoreio, é preciso aumentar o efectivo, mas não da forma como diz.
      E não percebo que desvantagem existe em aumentar o capital reprodutivo, que é o que um rebanho é.

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    10. Por mim, o HPS pode continuar a comer cabrito, que eu vou fazer igual. Isso talvez ajude a rentabilizar o sector...

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  2. Portugal, é o país com mais incêndios e ignições do Mundo, e continuam a falar no tolinho e no atrasado mental que pega fogo nas matas com um fosforo

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  3. Entre Ministerio do Ambiente, Ministerio da Administração interna, APA e Proteção Civil e universidades há mais do gente suficiente para fazer esses estudos. Aliás tenho conhecimento que na altura do Sócrates se chegaram a fazer uns estudos/projetos "a la economista" com consultoras tipo McKinsey e similares. Falta é a vontade para fazer as coisas acontecerem.
    Na minha opinião o sitio para se começar era por entrevistar todos os suspeitos/ condenados por fogo posto e perceberem-se quais as suas motivações.

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    1. Caro Rui, e desde quando é que as motivações dos criminosos interessam para alguma coisa? Importa, sim, que o sistema penal tenha as ferramentas necessárias a dissuadir o crime, seja lá ele pelos motivos que for.

      Pelo que tenho lido por aí a questão criminal seria apenas uma parte da estratégia de prevenção e minimização dos impactos dos fogos que existirão sempre. Mas seria alguma coisa e, pelo que estamos a ver, teria tido impactos importantes este ano.

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    2. Já que falou em condenados, limpar a floresta não seria uma boa ocupação para os presos? Hoje existem equipamentos que permitem a meia dúzia de tipos limparem, num dia, vários hectares de mata. E os resíduos têm algum valor económico...

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    3. Claro que seria, caro Tiro ao Alvo. Só que, na forma actual tanto do sistema prisional como da Constituição e dos próprios valores sociais não é possivel fazer uma coisa destas.

      Já nos lemos há algum tempo e o Tiro ao Alvo já terá reparado que, não apenas defendo mão pesadíssima no crime (algo mais próximo da filosofia Oriental e totalmente ao arrepio do Ocidente) como, no que toca a condenados, acho que falar em direitos humanos é um absurdo. Precisamente por isso sinto-me à vontade para propôr estas coisas dado fazerem sentido no que deveria ser, para mim, um sistema penal. Isto, mesmo tendo consciência da sua inaplicabilidade no contexto prisional actual do Ocidente.

      Primeiro, os presos teriam que ser pagos e cumprir um horário de trabalho máximo de oito horas. Vamos, como qualquer outra pessoa. Logo aqui começa a coisa a complicar-se pelos seus custos. O que eu disse foram trabalhos forçados portanto estamos a falar de pôr aquela gente a trabalhar de sol a sol e, evidentemente, grátis. Nem pensar numa solução destas nos contextos social e constitucional actuais.

      Depois, o risco de fuga. É aqui, aliás, que reside o grande problema de organizar o trabalho de presos fora do meio prisional, nas florestas como em qualquer outra coisa. Com as normas e valores actuais organizar uma coisa destas sai tão cara por requerer um tão grande dispêndio de meios humanos para os guardar que acaba por tornar-se incomportavel. Eu, pela parte que me toca, penso que o assunto deve ser resolvido simplesmente com boas grilhetas, boas correntes e boas bolas de ferro de forma a impedir fugas. Eventualmente uns retoquezinhos mais, se necessário. Só que isto, evidentemente, não pode fazer-se no contexto social Europeu dos tempos actuais. Dizem lá os paladinos da coisa que é contra os direitos humanos...

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  4. Perguntar as motivações dos incendiários? Para isso era preciso que conseguissem alinhavar duas ideias ou sequer duas palavras seguidas. A avaliar pelo perfil mais que estudado pelas autoridades judiciárias a maioria não teria capacidades para se explicar.

    Há detidos a trabalhar na mata do Bussaco, disso eu sei. Muito provavelmente noutros sítios também. O problema é que a vastíssima maioria da floresta está nas mão de privados (e também o que mais arde são matos, aparentemente, e não floresta). Ontem li estes números, do Pedro Bingre do Amaral (depois disseram-me que nos tais 2 milhões de hectares "mal geridos" estarão mais de 700 mil hectares de montado que não o estarão):

    "Em Portugal as florestas mais bem tratadas em matérias de prevenção de incêndios, pragas e doenças são os eucaliptais em terrenos da propriedade das empresas de celulose (cerca de 160 mil hectares); depois as matas nacionais (cerca de 60 mil hectares); depois as matas municipais; o resto (mais de dois milhões de hectares de florestas e três milhões de hectares de matos) é privado e praticamente não recebe qualquer cuidado contra incêndios, pragas ou doenças."

    Gostei do fim do abstract:
    "Among other results, we find that the use of aircraft increases daily wildfire expenditures by 35% while highly trained ground crews mitigate the daily damage to threatened homes."

    Já ficamos a ter uma pequena antecipação do futuro, uma vez que o nosso Primeiro prometeu fazer na gestão da floresta aquilo que "se" (ele) tinha feito há 10 anos na protecção civil (com a ajuda do seu sec. de Estado Rocha Andrade que comprou os Kamov a peso de ouro).

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    1. Olhe acho que vale a pena estudar as motivações dos incendiários, assim como de qualquer outro tipo de crime por questões de prevenção.
      Por exemplo nos casos em que os incêndios são causados pelos helicópteros ou meios aéreos atirando "bombas" incendiárias para depois poderem faturar mais horas, provavelmente poderia levar a uma alteração de políticas que impeça a faturação à hora de meios aéreos (penso que isto já foi feito), em zonas em que se verifica existirem "subculturas" de incendiários provavelmente justificam-se campanhas de prevenção que chamem à atenção para o facto de a lei atual condenar a penas de prisão efetiva os incendiários. Enfim existe um sem numero de medidas (que provavelmente até levariam a reduções de custos) que se podem tomar para prevenir os problemas caso se conheçam as suas causas.

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    2. Pelos vistos não percebeu a minha ironia. Então repito, falando seriamente:

      O perfil e motivações dos incendiários têm sido estudados há bastante tempo, nomeadamente por uma psicóloga e investigadora da Escola da Policia Judiciária chamada Cristina Soeiro. A razão porque eu disse que muitos seriam incapazes de se explicar é porque uma percentagem relativamente elevada deles tem défice cognitivo. Os benefícios económicos costumam limitar-se à limpeza dos seus terrenos ou de passagem para o gado e usam isqueiros e fósforos, nada de coisas sofisticadas como helicópteros e bombas incendiárias (e ainda assim, menos de 2% dos incendiários ganham alguma coisa com o assunto). Gostava de lhe mostrar qualquer coisa com mais peso do que o Correio da Manhã, mas tem aqui uma entrevista com os números todos direitinhos. Como acho que não vai acreditar na mesma, tanto faz...

      http://www.cmjornal.pt/mais-cm/domingo/detalhe/cristina-soeiro-os-incendiarios-nao-sao-sofisticados?

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    3. Mais do que conhecer as motivações dos incendiários seria interessante conhecer as motivações dos juízes que os colocam tranquilamente em liberdade. Será uma pena demasiado pesada ter autorização para deixar a prisão somente nos dias em que está a chover?

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  5. Zuricher, compreendo a sua posição. Todavia, para mim, a solução não passa por uma maior penalização dos pirómanos, alguns inimputáveis. A solução dever-se-á procurar, parece-me a mim, sobretudo na prevenção, com destaque para o ordenamento do território.
    Sobre os incêndios há muita informação, alguma interessante, como é o caso do relatório do Inst. de Conservação da Natureza designado "Análise das Causas dos Incêndios Florestais: 2003-2013", disponível na net.
    Para além das áreas geridas pelas celuloses, também há bons exemplos de gestão da floresta, por associativismo. Bom seria que a comunicação social se interessasse por divulgar essas experiências, ao que sei positivas.
    As informações recolhidas pela Isabel também são interessantes e mostram que, de facto, os incêndios florestais não são uma inevitabilidade.
    Havia a ideia, que se vem a mostrar errada, de que seriam os madeireiros os mandantes dos pirómanos, por que os fogos florestais os favoreciam. Quem tem interesse nalguns fogos são os pastores, que desde sempre usaram essa "técnica" como forma de renovação das pastagens. Ao que dizem, muitos fogos ainda serão ateados por essa gente, que dantes o fazia às claras, durante o dia e de forma controlada, e que hoje o faz de noite, clandestinamente.
    Em suma, o combate aos fogos deveria ser um desígnio nacional e nunca uma arma de arremesso político-partidário, como infelizmente está a acontecer há muito tempo.

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    1. Caro Tiro ao Alvo, não excluo, de todo em todo, toda a restante prevenção. Acho-a fundamental, aliás. E sei perfeitamente que haverá sempre incêndios em Portugal. A geografia do território Português a isso leva. A punição dos pirómanos é só mais uma dessas formas de prevenção. Repare que isto é tudo englobado no que eu defendo deveria ser o sistema penal. Um sistema virado acima de tudo para a prevenção do crime. Prevenção antes e acima de toda e qualquer consideração. Note que não me refiro apenas a aumentar as penas de prisão. Só isso é pouco. Para o crime de fogo posto parece-me plenamente adequado uma pena de prisão mínima de 40 anos podendo ir até prisão perpétua com trabalhos forçados e castigos corporais durante a totalidade da pena. Em acréscimo todos os bens moveis e imoveis do condenado reverteriam a favor do Estado e as áreas ardidas ficariam com uso exclusivamente florestal por um período de 99 anos. Isto aplicado a incenciários e eventuais mandantes. Algumas coisinhas mais para acautelar certos interesses legítimos mas grosso modo o que elenco. Penso que isto seria dissuassor qb tanto para os que pretendem faze-lo deliberadamente como para prevenir muitos descuidos. Por um lado poria um preço muito caro no crime e, por outro, eliminaria quaisquer motivações económicas.

      Algo assim provavelmente teria evitado os incêndios de Anadia e da Madeira. E sabe-se lá quantos mais só este ano.

      Rui, a prevenção do crime em geral não se faz com investigações para aqui e saber motivos para ali. O Ocidente, sobretudo a Europa, pode aprender muito das sociedades onde o crime é reduzido e, alguns sítios até, onde ele já foi elevado. A prevenção do crime faz-se com um sistema penal tão brutal, tão violento, tão horrivel que só a mera menção da palavra "penitenciária" cause calafrios.

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    2. Caro Tiro ao Alvo, uma achega mais da qual só me lembrei depois. Li ontem isto. Não é sobre o crime de fogo posto mas sim sobre um crime bastante mais grave mas permite avaliar o efeito que a mão dura tem sobre o crime. Por este motivo é algo a ter em consideração:

      http://www.zerohedge.com/news/2016-08-08/meanwhile-philippines

      Ou seja, em pouco mais de dois meses que esta coisa dura parece que o bom senhor acabou com o tráfico de droga lá no sítio. Não gosto da forma até porque execuções extra-judiciais e fora dum contexto "Make my day" causam-me alguns amargos de boca. Mas pelos vistos parece que funciona o que me leva a não desdenhar a coisa assim tão rapidamente.

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    3. Tiro ao Alvo, eu cada vez me convenço mais que as pessoas odeiam o aleatório. São capazes das explicações mais torcidas e da maior obstrução aos factos só para poderem arranjar "responsáveis". Ou seja, para arranjarem justificações para os acontecimentos que tenham a ver com acções deliberadas e propositadas de seres pensantes. Daí que é praticamente impossível convencer as pessoas de que não é verdade que "a maioria dos fogos são fogo posto". No entanto, mesmo acrescentando as acções negligentes, e repare que isso pode incluir limpeza de mato em alturas críticas, como nesta notícia de 2013:
      https://www.publico.pt/local/noticia/identificado-manobrador-de-maquinas-que-tera-originado-incendio-em-viana-1605834
      está longe dos números frequentemente badalados por quem tem responsabilidades.

      Já agora, quanto às ignições nocturnas, faça o seguinte exercício: imagine uma faísca dessas, causada por uma máquina (um tractor, por exemplo) que passa num sítio relativamente isolado antes da hora do jantar, por exemplo (aqui há umas semanas, quando andavam a recolher os fenos, um estradão algures no Caramulo parecia a EN1). A faísca cai numas ervas secas (que é o que eu mais vejo neste momento à minha volta), incendeia-as e fica ali a morrinhar. Quatro ou cinco horas mais tarde, a meio da noite, o incêndio deflagra de forma visível e é dado o alerta. Parece-lhe isto uma história da carochinha?

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    4. Cara Isabel, acredito que a sua história pode ter acontecido. Ponto. Mas acredito que alguns pastores, confrontados com a proibição de fazerem fogos em certos terrenos, normalmente integrados em zonas protegidas, decidam fazê-lo, clandestinamente, durante a noite. O que também penso que se deve atender aos interesses dessa gente e que não é necessário mandar vir técnicos americanos, como já aconteceu, para ensinarem como se deve fazer bom uso do fogo, como arma de prevenção.
      A este propósito, lembrei-me que há uns dias, alguém que mora na zona de Lisboa, quando se deslocou à província, por alturas de Ponte de Sôr, ao regressar à sua terra, conduzido a sua viatura com um pneu dianteiro furado e arrastando a jante pelo chão, largando faíscas por todo o lado, provocou dezenas de pequenos fogos florestais, alguns a exigirem a chamada dos bombeiros. O louco, quando mandado parar, acusava uma taxa de alcoolemia elevadíssima. Veja a notícia: https://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwic7vLElrrOAhWGPRQKHWsSB9gQFggdMAA&url=http%3A%2F%2Fexpresso.sapo.pt%2Fsociedade%2F2016-08-10-Carrinha-com-pneu-furado-causou-30-focos-de-incendio&usg=AFQjCNGJ4P81x724_TvY5YJq-pPBeja7yw&sig2=6b8mEghfKSR19VTrIpVdzg

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    5. Acabei de ler. De facto.

      O meu irmão dizia ontem na televisão, a propósito do combustível que se vai acumulando de ano para ano (eu lembro-me perfeitamente de sítios de onde se via uma bela vista em criança e que já não têm vista nenhuma, afogados que estão em árvores e mato): é como abrirmos os bicos todos do gás e esperarmos que ninguém acenda nada.

      Doidos, há-os às paletes.

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    6. henrique pereira dos santos11 de agosto de 2016 às 23:11

      Quer chova, quer faça sol, os fogos nocturnos são 35% a 40% do total diário. Se alguém me conseguir explicar por que razão alguém vai atear um fogo às três da manhã de um dia de orvalho de inverno com 90% de humidade, talvez valha a pena continuar a discutir o assunto.
      De resto o problema dos incendiários não tem importância nenhuma do ponto de vista do problema dos fogos: temos mais ignições que os outros pelas mesmas razões que temos mais fogo, pelas mesmas razões que somos o maior produtor mundial de cortiça, pelas mesmas razões que somos o maior produtor europeu de eucalipto e pelas mesmas razões que temos das maiores produtividades primárias da europa: porque são essas as nossas condições naturais.

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    7. Caro Henrique Pereira dos Santos, não sei se aqui se num blog aqui ao lado alguém colocou um link para um paper do ICN no qual era dito que 55% dos fogos têm origem criminosa ou são fruto de descuido. Vinham indicadas as percentagens de cada uma das coisas mas não as retive. Apenas a total. Tenho algumas questões sobre o que se inclui em "descuidos". Ora, parece-me que há um papel importante desempenhado pelos incendiarios, não?

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    8. henrique pereira dos santos12 de agosto de 2016 às 11:25

      Não. O relevante na discussão não é a pergunta "como começa um fogo?" mas sim a pergunta "porque não se consegue parar um fogo".
      Uma ignição pode dar origem a 10 metros quadrados ardidos ou a mais de trinta mil (na verdade, no EUA, uma ignição deu origem a mais de 200 mil hectares ardidos).
      As ignições variam positivamente com a densidade populacional e a área ardida varia negativamente com o mesmo factor, portanto admitir a sua tese é como admitir que a diminuição de ignições em Gondomar (onde há muitas, mas pouca área ardida) faz diminuir a área ardida no Sabugal (onde há poucas ignições e muita área ardida).

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    9. Bem, se ele não começar não tem que ser parado. Parece-me óbvio. De qualquer forma este seu comentário confirma a ideia com que venho ficando do que o Henrique tem escrito por aí e venho lendo com bastante interesse em vários sítios. A sua preocupação é unicamente com minimizar a área ardida por cada fogo não lhe sendo relevante quantos fogos há nem evitar o seu início. Ora, repito, se se prevenirem as ignições tanto quanto humanamente possivel menos fogos haverá.

      Repare que eu não tenho nada contra o que tenho lido escrito por si. De todo em todo, mesmo. Acho, aliás, muito relevante o que vem dizendo sobre o tema precisamente como forma de reduzir as áreas ardidas. Parece-me é que lhe falta o passo anterior, prevenir as ignições. Sei perfeitamente que nunca será possivel impedir integralmente todos os inícios de fogo. Mas quantos mais se conseguirem prevenir, melhor.

      Pondo a coisa no concreto, se houvesse uma série de medidas implantadas no terreno o incêndio na Madeira não teria tido a dimensão que teve. Ok, encantado da vida. Mas se ele não tivesse sido ateado não teria tido nem a dimensão que teve nem outra qualquer. Não teria existido, simplesmente.

      Ora, um valor de 55% de ignições intencionais e fruto de descuidos não me parecem nada negligenciaveis. Sendo que, repito, o que vai incluído nos descuidos e acidentes muitas vezes não o é. Um exemplo, um incêndio que li por aí ontem ou ante-ontem causado pelos freios dum comboio. Pode realmente ser uma causa acidental. Mas também pode ser fruto de negligência grosseira. Importa ver o que é o quê exactamente.

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    10. henrique pereira dos santos12 de agosto de 2016 às 16:24

      Eu percebo o fascínio pela ideia de acabar com as ignições, mas isso não é humanamente possível, existem em qualquer parte do mundo pelas razões mais estranhas.
      E como 1% das ignições dão origem a 90% da área ardida, diminuir as ignições não resolve nada no que diz respeito à área ardida (e às perdas, que há muita área ardida que não faz mal nenhum arder).
      Mas ainda que fosse possível bloquear todas as ignições por algum tempo, isso significaria uma progressiva acumulação de combustíveis que transformariam a primeira ignição que saísse de controlo no gatilho para uma enorme tragédia.
      Seria como ter um depósito de bilhas de gaz ao lado de uma serralharia. Todos os dias o número de botijas aumentava se uma das faúlhas da serração não provocasse um fogo.
      Se todos os dias houvesse uma faúlha que rebentasse uma botija, era uma chatice e provavelmente alguém se lembraria de tomar decisões para resolver o problema.
      Mas a solução fosse diminuir a probabilidade de ter faúlhas, isso significaria um aumento de botijas e, quando uma faúlha da serralharia chegasse às botijas, a explosão não era de uma botija mas de um número muito maior, provocando muito mais estragos.
      Chama-se a isso o paradoxo do fogo e foi por perceber isto que os serviços florestais americanos deixaram de usar a doutrina que continuamos a usar: apagar tudo o que arde.
      A opção não é enter ter ou não ter fogos, a opção é entre ter fogos assim ou fogos assado.

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    11. Caro Henrique Pereira dos Santos,

      Em 11 de Agosto às 19h21 escrevi: "E sei perfeitamente que haverá sempre incêndios em Portugal.". No comentário a que responde escrevi: "Sei perfeitamente que nunca será possivel impedir integralmente todos os inícios de fogo.". Portanto, não duvide, sei perfeitamente que as ignições continuarão a existir em Portugal. São normais. Tal como sei que os homícidios, as violações, as fraudes, os roubos, etc, etc, continuarão sempre a existir. Mas se em vez de 100 homicídios puder ter 10, se calhar é preferivel. Tenho também noção da acumulação de combustivel se ele não for consumido ou, de alguma forma, retirado. É precisamente aqui que concordo totalmente com os seus posts, nomeadamente com as medidas para que quando haja um incêndio ele não assuma proporções alarmantes. Se reparar disse reiteradamente que uma das formas de trabalho forçado para os condenados pode ser precisamente nessa actividade. Nunca excluí isso, de todo. Tal como nada tenho contra os fogos controlados. Em tempos idos era até um método usual de limpeza dos terrenos. Mas fogo controlado é diferente de fogo totalmente fora de qualquer controlo a consumir o que deve e o que não deve,

      O rácio de 1% das ignições darem origem a 90% da área ardida é também totalmente irrelevante por si só. É que posso ter 100 ignições queimando no total 100ha sendo 1 ignição responsavel por 90ha e as restantes 99 responsaveis por 10ha. Mas também posso ter 1000 ignições com um total de 1000ha queimados com 10 ignições responsaveis por 900ha e as restantes 990 responsaveis por apenas 100ha. Tal como é irrelevante a área média ardida por cada fogo. Se tiver 10 fogos e cada um consumir 10ha acabo com 100ha queimados embora muito contente por ter uma média de apenas 10ha por incêndio. Se tiver apenas 1 fogo que consuma 50ha haverá quem fique muito triste porque os 50ha por fogo em comparação com os 10ha são uma imensidão. Mas na realidade fiquei apenas com 50ha ardidos versus os 100ha anteriores. Parece-me inevitavel ter em conta as áreas totais ardidas. O objectivo não é construir rácios nem gráficos de excel. É que arda descontroladamente o menos possivel.

      Usando a analogia que faz, bom bom é, em simultâneo, serem tomadas as medidas para reduzir as faúlhas da serralharia e para não se acumularem botijas em zona de perigo. Actuar em todas as frentes possiveis por forma a, por um lado, diminuir as probabilidades dum sinistro e, por outro, que quando inevitavelmente chegar ele seja contido e de reduzida dimensão.

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    12. Uma questão - essa politica norte-americana de só apagar o fogo que põe em perigo pessoas e infra-estruturas é no contexto de "florestas" como as portuguesas (que no fundo são uma espécie de plantações agrícolas, em que em vez de se plantar feijão se plantou árvores que dão madeira, e em que as árvores queimadas são investimento destruído), ou é no contexto de florestas que surgem e crescem naturalmente?

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    13. henrique pereira dos santos13 de agosto de 2016 às 18:43

      Talvez a melhor maneira seja transcrever um comentário do Paulo Fernandes, da UTAD porque ele é que conhece muito bem essa realidade. Aliás citei este comentário do artigo que fiz para o Observador e nos comentários o Paulo Fernandes fala das diferenças entre Yosemite e Yellowstone em matéria de fogos, por exemplo.
      Note que no comentário o Paulo diz taxativamente "desde que ardam em condições que satisfaçam os objectivos de gestão do território" ou seja, não é bem só proteger pessoas e infraestruturas. Em qualquer caso, os povoamentos comerciais devem, prioritariamente, ser defendidos pelos seus donos (no caso de Portugal, nas matas das celuloses, que são apenas 150 mil dos 850 mil hectares de eucalipto do país, a prevalência de fogo é um quarto da média nacional, se não me engano).
      Como em Portugal 50% do que arde são matos, há muito sítio em que deixar arder (dependendo das circunstâncias) era uma maneira inteligente de criar descontinuidades nos combustíveis e, dessa forma, termos mais fogos menos extensos, e muito menos perdas relevantes.
      "A designada política do “deixa arder” era oficialmente designada como “prescribed natural fire” e, mais recentemente, “wildland fire use”. Consiste em deixar arder os incêndios, geralmente de origem natural, desde que não ameacem bens/ infraestruturas e desde que ardam em condições que satisfaçam os objectivos de gestão do território. Para ter uma ideia da importância deste “deixa arder” nos EUA diga-se que é superior à área de fogo controlado, que por sua vez é a principal actividade do Forest Service. Poderia esta política ser adoptada, aliás adaptada, para a Europa? Não tenho a menor dúvida de que sim. Aliás, ela já é involuntariamente praticada em Portugal (nas épocas do ano em que a prontidão do dispositivo de combate é menor)

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  6. Zuricher, não vê que parte substancial dos incendiários (dos quais, aparentemente, pouquíssimos são pirómanos) são lélés da cuca??? Como é que os quer dissuadir do que quer que seja?! Costuma discutir com bêbedos e tipos pedrados como o da Madeira?

    Isso era mesmo só para dar azo à sua fantasia de ver Portugal cheio de chain gangs! Eficácia nula, mas dava-lhe um gozo do caraças, confesse...

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    1. Isabel, uma coisa é serem Malucos. Esses pois, paciência. Vão para o manicómio e acabou. São inimputaveis. Mas há graus de loucura e para os aferir as avaliações psiquiátricas. Agora, considerar bebedos e drogados como inimputaveis? Mas isso passou a ser carta branca para fazer todas as patifarias do mundo? Não, isso é realmente ir longe demais. Se optou por beber e drogar-se pois paga o preço do que fizer nesse estado. O da Madeira é precisamente um que me parece caso crasso de dissuassão possivel desta forma. É que, convenhamos, a partir do momento em que a certeza destas punições é interiorizada pelas pessoas, mesmo bebedo e drogado não se perde assim tanto o instinto de auto-preservação.

      Não tenho qualquer fantasia com chain gangs. Gosto é do que funciona. Evidentemente que a eficácia da coisa não era nula. Pelo menos as matas ficavam limpas! Indo por outro lado, ao longo da vida tenho aprendido algumas coisitas. Uma delas é que o melhor dissuassor seja do que for é o sofrimento físico extremo ou a sua ameaça com a garantia de concretização. Nada mexe tanto com a mente humana como o sofrimento físico. Os seres humanos temem-no. Estamos programados assim. Portanto, em termos de dissuassão, também não me parece que a eficácia seja nula.

      Num comentário anterior deixei aquele link que, em certa medida, é até divertido dado aquele senhor ter acabado com o tráfico de droga, problema grave e antigo por ali, em pouco mais de dois meses. Foram mortos 400 e, com o medo, houve 500 000 que se entregaram. Parece que funcionou, não será? Quer mais exemplos? Não me faltam.

      - Em cerca de 30 anos Singapura passou dum pântano lá no fim da península malaia a ser a praça financeira mais respeitada do mundo. O específico de ser respeitada tem a ver com as punições para quem asneia. É relativamente fácil ir parar à cadeia por 20 ou 25 anos e ser condenado a multas e indemnizações tão altas que a pessoa fica com a vida do avesso até morrer. Dependendo do que tiver feito ainda pode levar umas chicotadazinhas com cana de bambú molhada. É forte? Talvez seja. Resulta. E não há grafittis em Singapura! A gracinha redunda em de 3 a 8 chicotadas mais pena de multa ou prisão até 3 anos. As penas aplicam-se até a estrangeiros como um certo Americano, Michael Fay, pode atestar. Continuemos.

      - Passemos à Luanda de finais de 1991. Houve, nesse ano (ironicamente o ano da paz) um surto de criminalidade. Não se resolvia, era um problema, enfim, muito confuso. Até que o governo criou uma brigada especial comummente chamada "Ninjas". Uns tipos enormes, com uniformes diferentes e à parte da restante polícia, que apanhavam os ladrões e ou os matavam à pancada ou os entregavam ao povo. Foi precisamente com uma cena destas que deparei um certo dia, ia de carro e os tais ninjas estavam a parar o trânsito enquanto o povo tratava dum ladrão. Depois de o terem moído de pancada puseram-lhe um pneu no pescoço e deitaram fogo. Atiraram o cadaver para o lado da rua e o trânsito voltou a fluir enquanto o patife ardia. Resultou e a criminalidade em Luanda desceu a pique com esta história.

      - Em 1953, pouco antes de morrer, após várias tentativas para desestabilizar Espanha, Stalin desistiu de tentar. Foi, aliás, o único caso em que Stalin desistiu dum objectivo. Porquê? Simples. É que comunista que entrasse em Espanha para patifar era comunista torturado e morto. A dada altura deixou de haver voluntários e Stalin não teve alternativa senão ordenar que se procurassem outros métodos. Foi também por isto que tanto Santiago Carrillo como aquela mulherzita lá das vascongadas nunca puseram um pé em Espanha antes de 1975. Sabiam e sem margem para dúvidas o que lhes aconteceria.

      Podia continuar mas parece-me que quatro casos ilustram o meu ponto. Como vê não é qualquer fetish meu nem tem a ver com dar-me gozo. É mesmo ter a firme convicção alicerçada na realidade verificada em vários sítios de que funciona e permite livrar as sociedades daqueles que as agridem. Note que defendo mão dura contra o crime em tudo. Não é apenas nisto dos fogos.

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  7. O Sr Zuricher, pelas suas recomendações, comunica uma confiança na seriedade do sistema judicial português que eu, de todo, não partilho.

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