segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Ser turista é difícil...

O Observador tem uma peça sobre turismo. Como eu sou turista, gostaria de dar a minha impressão -- outra vez... Eu acho Portugal barato, há coisas que eu acho caras, mas no geral é um sítio barato. Mesmo sendo barato, não me importo de pagar mais, se a coisa me agrada, e até deixo boas gorjetas -- já sei que é mau. Mas depois vêm os portugueses queixarem-se de que eu e pessoas como eu estragamos o país. Se os turistas pagam bem, dizem-me que se corre o risco de os recintos tratarem bem os turistas e tratarem mal os nacionais. E faz sentido porque qualidade e preço devem ser positivamente correlacionadas.

Mesmo nos EUA, se eu for a um sítio caro, espero ser tratada muito bem. Se é para me tratarem mal, vou a um sítio barato. Nos EUA, qualquer empregado de um sítio mediano tem autoridade suficiente para dar um desconto ao patrono ou uma oferta da casa se o serviço não for em condições. Se estamos num restaurante e a comida se atrasa, se o empregado se engana, se despeja água para cima de nós, etc., o normal é pedir desculpa imediatamente e oferecer-se para compensar a pessoa. Já me aconteceu ter ofertas da casa que eu até nem achava justificadas, mas o empregado insiste que a comida devia ter chegado há mais tempo e que é completamente injustificável o atraso... É também muito comum ver-se o gerente a andar de um lado para o outro a certificar-se de que tudo está bem.

Dá-me a impressão que, em Portugal, os locais querem ser tratados muito bem em todo o lado, mas querem pagar pouco o que faz sentido porque também ganham pouco, mas dizem que querem que os turistas paguem mais. Ora, se os estabelecimentos fazem preços para os turistas, os locais queixam-se de que os preços são caros demais e estão a ser discriminados. Se os estabelecimentos fazem preços para os locais, então os turistas gastam pouco e são acusados de escolher o mais barato.

Ó pessoas, decidam-se! Quem precisa de dinheiro são vocês. Os turistas têm muitos sítios onde o gastar, não é necessário ir para Portugal incomodar-vos...

4 comentários:

  1. Rita,

    Como certamente sabe, a escala das gratificações em restaurantes diverge bastante entre Portugal, e mesmo a Europa em geral, e os EUA, onde agora, "a título indicativo" a "tip" varia normalmente entre os 15% e os 20%, e mais, se se sentam os comensais em grupo superior a seis.
    Mas, como também sabe, a "tip" nos EUA remunera o serviço, enquanto em Portugal e na Europa em geral, o empregado tem um salário, que é incorporado nos preços dos produtos consumidos, a que acrescem as gratificações. Confirma?
    Entre os dois "sistemas" prefiro o americano, porque promove a eficiência, mas como não posso alterar vou tentando perceber, em cada caso, o que é uma gratificação "aceitável".

    Há, no entanto, um aspecto que a Rita não refere e que é verdadeiramente discriminatório entre nacionais e estrangeiros.
    Refiro-me ao facto de haver em Portugal, desde há algum tempo, um incentivo da administração fiscal à emissão de factura com o objectivo de evitar a evasão fiscal do IVA. Esse incentivo consiste na devolução ao contribuinte, em sede de IRS, de parte do IVA pago. A taxa do IVA em Portugal, como certamente não desconhece, é muito mais elevada que nos EUA.

    E, claro está, como ao cliente estrangeiro não serve o esquema da dedução em IRS, os restaurantes são levados, em princípio, a ver com melhores olhos os estrangeiros que os nacionais.

    Porque, bizarramente, em Portugal, quando se pede a conta não nos trazem a factura mas um documento igual à factura que expressamente indica que esse documento "não serve de factura".
    É com base nesse documento que o cliente paga e só depois, muitas vezes propositadamente atrasada, chega a factura. A tal que dá direito à tal deduçãozinha.

    Está errado o sistema?
    Eu penso que sim. A falta de factura, que é obrigatória, deveria dar lugar a uma penalização fortemente desmotivante. Mas a administração fiscal entendeu ir por por outro lado.
    Recentemente, baixaram o IVA nos restaurantes de 23% para 13% com a intenção de dar-lhes a oportunidade baixarem os preços e, deste modo, facturarem mais, e admitirem pessoal.
    Não vai acontecer nada disso. A diferença será embolsada pelos restaurantes.
    Nem os preços baixam nem o emprego aumenta.

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    1. Rui, esqueci-me de comentar aqui em baixo e meti um comentário independente, mas gostaria de dizer uma coisa que não meti no comentário comprido. Os gerentes nos EUA costumam ser muito bons e atenciosos e eles não recebem gorjetas, logo a ideia de que os empregados são atenciosos só porque recebem gorjetas, não é totalmente certa. Mesmo numa loja de roupa, onde ninguém recebe gorjeta, é tudo muito atencioso. Pode ser que seja por terem um incentivo relacionado com o volume de vendas, ou seja, a gerência discrimina na compensação do empregado com base no desempenho do empregado. Em Portugal, discriminação de salários não é muito bem vista e é comum empregados medíocres ganharem o mesmo que empregados excelente, ou até mais, se o empregado medíocre já tiver mais anos de casa, dado que é difícil despedir pessoal.

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  2. Claro que a conta é diferente da factura. Nos EUA também nos trazem a conta e depois de pagarmos dão-nos a factura que é o comprovativo do pagamento. No imposto, este varia de acordo com a cidade, mas costuma ser para aí uns 11%. Nos EUA, é possível deduzir esse imposto, mas só se "itemizarmos" as deduções, logo em vez de usar a "standard deduction", adicionamos todas as deduções que tivemos, mas só dá vantagem fiscal se gastarmos mais do que a standard deduction em impostos.

    A forma como são pagos os salários é irrelevante, pois o consumidor decide e é sensível ao custo total. É verdade que nos EUA nós temos alguma discrição na gorjeta que atribuímos ao empregado; mas em Portugal, eu também exerço essa discrição quando pago e esse é o comportamento de muitos turistas. Mesmo nos EUA, costumo ser generosa nas minhas gorjetas.

    A redução do IVA vai prejudicar os consumidores no curto prazo pois não haverá baixa nos preços e terão direito a deduzir menos do custo da refeição. A longo prazo, haverá mais restaurantes e a concorrência irá controlar os aumentos de preço, o que beneficia os consumidores, mas nem por isso contribui para uma boa alocação de recursos na economia.

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  3. «Mas depois vêm os portugueses queixarem-se de que eu e pessoas como eu estragamos o país.»

    É isto. Tudo bem que é preciso (sempre) ajustar algumas políticas com excesso de turismo, mas esta nova "onda" de tratar o crescimento do turismo como uma coisa má... é dos piores sinais que estamos a dar.

    Parece-me aquele fascínio de alguns amigos com Cuba, mas isso não é muito diferente do fascínio de alguns saudosistas com o antes do 25 de Abril. O crescimento não serve para alguns, porque está-lhes a estragar a rotina ou coisa que lhe o valha. Ainda acabamos outra vez no condicionamento industrial. Arre!

    Ah, ontem, após uma comparação que fiz com os refugiados (algo como "os turistas parecem estar para os intelectuais como os refugiados estão para os nacionalistas"), alguém me disse que viu no Jardim Botânico de Coimbra escrito: "Fuck tourists, welcome refugees!"

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