Não tenho, à partida, uma visão definida sobre o papel dos exames no ensino. À partida, os dois lados da discussão teórica têm méritos evidentes. Pessoalmente, passei por dois sistemas de ensino, o britânico e o português, que são radicalmente diferentes no que diz respeito aos exames.
O sistema de ensino britânico não está centrado na importância do exame. Lembro-me de um professor que, no início de uma aula de preparação para o exame, disse que não acreditava em surpresas e leu alto as perguntas que iriam sair. A ideia do exame não é testar se a pessoa acerta ou não acerta em dados avulsos, mas se é capaz de apresentar um argumento próprio, coeso, que reconheça os dois lados do problema e seja capaz de destilar uma conclusão. É claro que o meu exemplo foi de Universidade, pós-licenciatura, mas, falando com os meus colegas ingleses, não me parece nada que não seja a norma nas escolas e nas licenciaturas também, onde a produção dos alunos é sobretudo na base dos ensaios, escritos em casa, e apresentações. E, já agora, não é bem uma questão de tornar a avaliação mais contínua: a discussão é mesmo sobre a necessidade de avaliação. O chumbo basicamente é um conceito não existente. E isso resulta? Não sei, mas sei que os ingleses, os com quem trabalho mas também aqueles que conheço fora do local de trabalho, são capazes de apresentar argumentos complexos de uma maneira simples, sintética e estruturada. Não acho que os portugueses saiam das escolas ou universidades com a mesma capacidade, para ser sincero.
Na minha Universidade, em Lisboa, o exame tinha um papel crucial. Os exames eram em larga medida imprevisíveis, tinham várias perguntas e exercícios, e era preciso estudar a matéria toda para ter chances reais de passar no exame. O resulado não foi necessariamente mau. Seria extremamente ingrato se dissesse que o rigor intelectual a que fui obrigado, também por causa dos exames, não me foi benéfico. Ainda hoje sinto que, no meu escritório, em que trabalho com outros economistas, na larga maioria britânicos, a maioria doutorados, se não me atrapalho nada e em boa parte acho que é precisamente porque fui obrigado a esse rigor intelectual. Mas, novamente, não acho que a faculdade ou a escola me tenham particularmente preparado para o debate propriamente dito, para ouvir com uma mente aberta, para não sentir a minha autoridade ameaçada por haver outros pontos de vista. Acho, na verdade, que isso construí cá (e é um work in progress!).
E é aí que o problema provavelmente reside.
Tenho ideia de que, em Portugal, a cultura e a educação ainda são vistos como bens de classe. Bens que servem para distinguir-nos uns dos outros, num país onde a minguante classe média trava um combate desigual pela não despromoção. A arte não é vista como um kantiano prazer despreocupado, mas como uma arma de defesa. A cultura é para vestir como as roupas de seda colorida na idade média. Os programas mais populares são concursos que testam a cultura, que consiste maioritariamente na memorização de dados avulsos. Alguns destes programas até comparam essa capacidade de memorização com as de uma criança. Outros progrramas muito populares são os de comentário unipessoal, sem contraditório, ou programas com contraditório onde todos falam por cima uns dos outros. Subjacente está sempre a ideia de que há uma verdade, que é uma espécie de troféu ganho por quem é visto acertar mais vezes.
Quer-me parecer que um movimento de redução do papel do exame vai na direção correta de reduzir a visão na sociedade portuguesa de que há sempre um certo e um errado, e de que a cultura é uma arma. Mas, repito, não tenho uma posição final sobre o assunto.