sexta-feira, 1 de julho de 2016

51,9% vs 51,44%

Uns dos argumentos mais comuns contra a decisão que os britânicos tomaram por referendo é o de que a vantagem da vitória (51,9% vs 48,1%) foi demasiado magra e que uma vitória tão magra não pode ser justificação para uma alteração tão forte do ‘status quo’. Este argumento não colhe por, pelo menos, dois motivos. 

O primeiro é tão óbvio que quase não merece ser enunciado. As regras do jogo definem-se antes do jogo e não depois. E, no caso dos britânicos, que já há 40 anos tinham feito um referendo sobre o mesmo assunto, não se pode dizer que não tenham tido tempo para pensar no assunto. (E, na minha opinião, é mesmo um pouco absurdo pensar que damos lições de democracia a uma das mais antigas democracias do mundo.)


O segundo motivo para não levar este argumento muito a sério é porque ele apenas é dado porque o resultado não é o desejado pelas elites pensantes. Por exemplo, o referendo sobre o Tratado de Maastricht em França teve uma votação favorável de 51,4%. Nesse tratado, vale a pena lembrar, estava prevista a criação de uma política externa e de segurança comum, a criação do estatuto do cidadão europeu, bem como a moeda única. É difícil imaginar uma maior mudança no ‘status quo’. Naturalmente, nessa altura, ninguém se lembrou de dizer que 51,4% era uma vantagem demasiado magra.

14 comentários:

  1. O terceiro motivo é que, perante uma exigência adicional de determinada percentagem num referendo, estaríamos a mudar de sistema sem nada ter sido decidido a este nível.

    Quanto ao direito de resistência dos vencidos pode ser exercido segundo os meios usuais até à data de homologação do mesmo.

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  2. Nada do que está a ser feito viola a lei. Está previsto na lei que um referendo deste tipo pode não passar no Parlamento, logo cabe ao Parlamento a decisão final.

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    1. "Nada do que está a ser feito viola a lei."

      Eu usei isso como argumento?

      "Está previsto na lei que um referendo deste tipo pode não passar no Parlamento, logo cabe ao Parlamento a decisão final."

      Este post não é sobre legitimidade legal.

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  3. Em relação ao primeiro caso, há antecedentes para os dois lados: é verdade que o primeiro referendo foi por maioria simples MAS foi um referendo para confirmar uma decisão anterior (i.e. se quiseres ganhou o status quo). O outro referendo entretanto tido - lembro que este é apenas o 3º da história do Reino Unido - era expressamente vinculativo, coisa que este não foi. Pode-se perfeitamente alegar (não que eu concorde, mas pode) que cabe ao Parlamento ou ao Governo a decisão final.

    Quanto ao segundo ponto, tens razão na adesão ao Euro mas não na política externa ou na segurança, já que a norma internacional nos tratados de segurança (alianças ou pactos) é a de NÃO serem consultadas as populações. No Reino Unido - já que veio à baila - a assinatura de tratados é prerrogativa real - o que em termos práticos implica que depende APENAS do Governo - e nem sequer do Parlamento.

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    1. Esta entrada não é sobre legitimidades legais.

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    2. O meu também não. Nesta semana já apareceram especialistas constitucionais britânicos a darem para tudo - sendo que a não existência de uma constituição formal não ajuda.

      Um dos pontos levantados por quem defende que o resultado do referendo não deve ser tomada em conta é que a) o mesmo não é vinculativo e b) não é representativo (e aqui há duas posições, uma que diz que a decisão compete ao Governo pelo que este pode perfeitamente ignorar o referendo se achar que o mesmo vai contra o interesse do país; e outra, que afirma que sendo tendo dois países constituintes do Reino - Escócia e Irlanda do Norte - votado localmente contra, é uma quebra dos acordos de partilha de poder accionar o art. 50º sem consultar primeiro os respectivos orgãos de soberania).

      Ora ambos os argumentos são reforçados com a ideia que a votação, apesar de maioritária, não é suficientemente representativa.

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  4. O meu argumento contra a decisão que os britânicos tomaram por referendo é que é inexequível.

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    1. E é um excelente argumento. Especialmente, para não haver referendo ou, havendo, para votar para ficar.
      Vamos ver como descalçam a bota.

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    2. Se bem percebo, eles estão dentro enquanto não estão fora. E enquanto estão dentro, não podem negociar uma série de acordos comerciais (ou nenhum?) dos quais ficam excluídos mal saiam, os quais, de qualquer modo, levam muito mais de 2 anos a negociar.
      É claro que a UE é muito criativa nas suas soluções jurídicas quando lhe dá para aí. Mas 1) não é certo que dê para aí; 2) não é certo que a WTO seja igualmente criativa.
      Eu sei que este post é sobre democracia e não sobre soluções jurídicas e, sobre esse tema, estou perfeitamente de acordo. Mas faz-me lembrar um quadro que vi um dia num museu em Estocolmo cujo título era "Como melhorar a qualidade de vida na Escandinávia"ou qualquer coisa semelhante: era um mapa da Europa em que no lugar da bota italiana estava a Escandinávia. Os suecos bem podiam referendar uma política destas até ficarem azuis que não iam a lado nenhum.

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    3. Há um artigo na Carta das Nações Unidas que permite a um estado que tenha abandonado uma organização ou se tenha separado de outro estado, invocar a manutenção em vigor dos tratados a que anteriormente estava sujeito. Isto por um período, creio, de cinco anos. Há casos recentes da invocação desse artigo, um dos quais, creio, por parte da Eslováquia.

      Se o Reino Unido invocar esse artigo, ganhará tempo para negociar acordos bilaterais de comércio.

      Sei que estou também em off-topic, mas respondo ao seu comentário.

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    4. Deve haver centenas de pessoas a estudar febrilmente todas as opções possíveis. Eu só leio o Readers' Digest (é prático porque algumas publicações, como o Telegraph e o FT não estão acessíveis):
      http://www.nakedcapitalism.com/2016/07/brexit-huge-spanner-in-the-works-negotiation-of-new-uk-trade-deals-verboten-till-exit-complete.html

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    5. No último quarto de século vários países na Europa (sem aspas) recuperaram ou alcançaram a independência. Decerto que os processos de integração desses novos estados na comunidade internacional - incluindo essa coisa básica de como e com quem comerciar - foram bem mais complexos do que certamente será o processe britânico de que vimos falando. E, contudo, tudo se resolveu sem grandes problemas.

      Muita gente, de má-vontade para com a decisão do eleitorado britânico, procura imaginar todo o tipo de barreiras à consumação dessa decisão soberana. Eu percebo o desnorte dos europeístas ideológicos: isto, para eles, é quase como dizerem ao Papa que Deus não existe.

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  5. Finalmente, uma voz de sanidade, Luís. Nos últimos dias, surgiu em Portugal uma nova espécie de peritos: os peritos em Direito Constitucional Britânico, os quais se enredam em bizantinices legais enquanto tentam ignorar a vox populi. É a postura costumeira de ideólogos e daqueles para quem a democracia só é boa quando ganham os seus. Os europeístas ideológicos estão completamente desnorteados.

    Já agora: Barack Obama foi reeleito com 51,1% dos votos, umas décimas aquém do voto do Brexit, e ninguém se pôs com elucubrações desligitimadoras do voto popular - e ainda bem.

    O teu argumento sobre o referendo francês a Maastricht atinge o alvo. Mas se o "Não" tivesse ganho, teríamos tido a mesma torrente crítica a que agora nos é dado assistir, e até, talvez, uma repetição do referendo (embora, no caso da Constituição Europeia, chumbada pelos franceses - deviam estar mal informados, claro - se não tenham atrevido a repetir a consulta, tendo arranjado o estratagema conhecido por Tratado de Lisboa, ou, em termonologia popular pelo "porreiro, pá!".

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