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domingo, 24 de julho de 2016
História gótica
97. Não se atreveu a fazer o sinal da cruz. Podia ser menos uma ajuda do que um obstáculo. E destes já tinha muitos.
Acompanharia a turba ao mausoléu onde tudo se decidiria. Finalmente. Ou ainda não, ainda não estou preparado, ainda é cedo. Duvidou do seu sucesso, vivera estes longos anos em estado de dúvida, ter-se-ia mil vezes atirado das ameias de um torreão do castelo, preferiria desfazer-se em mil pedaços durante mil séculos. Viu o sol que desaparecia num céu vermelho e as trevas que avançavam. Nenhuma estrela, nenhuma lua viria dissipar o céu negro da noite fatídica. Tinha que ser. Preparava-se havia muito tempo. Trocara a sua alma doce pelo propósito implacável. Era impensável recuar agora. Em cada uma das mãos apertou o crucifixo e o punhal que sempre trazia à cintura. O sangue do Confessor escureceu as pedras de que era feito o chão da cela. Na masmorra mais funda do castelo, entretanto, as quatro mulheres silenciosas aprontavam o pároco feito prisioneiro. Despiram-no. Mergulharam-no numa tina com água morna e perfumada. Massajaram a sua carne com especiarias. Cobriram-no de óleos e vestiram-lhe uma túnica de seda púrpura. Com um cinto largo de fivela de ouro. Calçaram-lhe sapatos recobertos de diamantes, e os pés do padre brilhavam espreitando por baixo da túnica. Como brilhavam as dezenas de colares pesados com que lhe adornaram o pescoço, e as centenas de anéis com que lhe aparelharam os dedos. As unhas das mãos tinham sido afiadas até parecerem lâminas, as pequenas lâminas discretas dos espiões ou dos que não medem com rigor os perigos de que terão que defender-se. Os olhos foram pintados, as sobrancelhas arrancadas, os dentes escurecidos. Tinham apanhado os cabelos do padre num turbante, feito de veludo e pérolas, dos pulsos pendiam sinos de prata. Colocando-lhe uma maçã na boca, aguardaram que chegasse a hora de transportar o cordeiro transformado em ídolo. Pécuvard despejou sobre uma mesa os conteúdos da mala e dirigiu-se para um armário encostado a uma das paredes. De lá de dentro foi retirando objectos que pareciam ferramentas e que afiou cuidadosamente. Colocou-os, arrumados com cuidado, na mala agora vazia. Já não trazia o fato aos quadrados, as faces coradas tinham tomado uma cor soturna. Fechando a mala, sorriu o sorriso discreto daqueles a quem repugna trair o desejo que os anima desde sempre. O sorriso de Viorica contemplando o vestido que esticara sobre a cama era mais aberto. Olhou-se ao espelho e passou com vaidade a mão pelo cabelo escuro e espesso. Admirou-se dos pés à cabeça. Fechou os olhos antecipando o esplendor que dela emanaria uma vez posto o vestido sobre a sua cintura estreita. De braço dado com Anghelescu, adornado com uma gravata impecavelmente branca. Antecipando o momento em que, de joelhos sobre um coxim bordado, beijaria a mão também branca da Condessa ao som das batidas do cajado que sempre trazia consigo a velha e que ecoariam por todas as divisões do castelo.
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Gostei muito do primeiro parágrafo.
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