segunda-feira, 31 de outubro de 2016

A estatística boa

Diz-me um tal de Nuno Costa Santos, na Sábado, que entrámos na ditadura da Pordata e somos escravos das estatísticas, sem que saíamos para ver o país real. Tenho a sensação que estatística não é o seu forte. Portugal é um país que tem muito poucas estatísticas e até se dá ao luxo de não publicar informação, se tal não dá vantagem aos governantes. É por isso que há falhas nos dados, variáveis que não são recolhidas, etc. Por exemplo, Portugal tem muito poucas estatísticas que possam ser usadas por gestores de empresas para orientar a sua actividade: (1) há um foco maior em variáveis da macroeconomia do que nas de microeconomia porque a maior parte das estatísticas servem para satisfazer requisitos da UE; e (2) há uma preferência por variáveis de carácter social, que permitem delinear políticas sociais redistributivas, mas não permitem orientar o investimento privado.

Abri o Público hoje e diz que os doentes no SNS esperam 16 meses para fazer uma ressonância magnética. Antes que pensem que isto é mau, reconsiderem: é que o tempo de espera é uma estatística e, no português actual, a estatística deve ser ignorada ou relativizada. Não interessa que demore tanto tempo; interessa é que eventualmente seja feito. Também fazem mal em pensar na qualidade de vida da pessoa que espera tanto tempo para receber cuidados de saúde, pois isso implicaria que a qualidade de vida seria uma coisa medível, mas medir coisas é estatística.

Pode ser que haja uma estatística boa. Por exemplo, se o governo usar a proposta do OE 2016 como base, então as despesas com a educação no OE 2017 aumentam; se usar os valores mais realistas do que tem gasto em 2016, então há uma redução, o que é mau. Imaginem o potencial disto! É que, agora, o governo pode dizer aos funcionários públicos que lhes vai reduzir o salário em 5%: por cada €100 passa a pagar €95 e depois paga o que pagaria antes do anúncio, ou seja os tais €100. Mas, porque prometeu a redução, pode dizer que houve um aumento de (100-95)/95, ou seja, um aumento de 5,26%. Que mais querem? Os funcionários públicos até tiveram um aumento de salário superior ao corte e tudo!

1 comentário:

  1. Rita, recorda-te que estás a falar do país onde aquele slogan "Dar atenção às pessoas e não aos números!" ou palavras para este efeito se tornou popularíssimo. Se reparares a esmagadora maioria da sociedade Portuguesa não consegue interiorizar que as estatísticas medem as pessoas e as suas condições de vida. Ou seja, que a estatística é precisamente a forma pela qual se consegue pensar no maior número de pessoas possivel com cada acção. Grande parte dos Portugueses acha que estatísticas são números atirados para o ar e que nada têm a ver com a vida real das pessoas. Ora, perante isto, que esperas?

    E sim, encontrar dados finos sobre Portugal é dificílimo e muitas empresas acabam elas próprias a pagar estudos sobre aspectos que noutros países existem naturalmente o que não deixa de ser uma desvantagem competitiva em relação a outras jurisdições, desde logo, e, por outro lado, uma (mais uma...) barreira à entrada no mercado e, por conseguinte, uma limitação da concorrência.

    Dando-te um exemplo de transportes, Lisboa e Porto são as únicas grandes cidades da Europa Ocidental onde não se sabe patavina sobre os movimentos pendulares. Não se sabe de onde as pessoas vêem, para onde vão, a que horas, por que motivos, etc, etc. É, repito, caso único no Ocidente. Ora, sem nada disto anda esta gente a falar em extensões do Metropolitano mas, claro, não sabem para onde nem porquê. Limitam-se a fazer uns riscos num mapa e pronto. Fala-se em construir estradas para aqui e para ali mas ninguém sabe muito bem com que utilidade, o que vai servir exactamente e até se o dinheiro, sendo gasto noutra coisa qualquer, não iria trazer benefícios superiores. Enfim, uma trapalhada pegada sem paralelo.

    Portugal é aquele país onde as pessoas têm alergia a matemática, não é? Tu ainda és do mesmo programa de ensino que eu, em que havia as várias áreas. Recordar-te-ás, certamente, de muita gente a dizer com toda a naturalidade do mundo que ia para a área D porque não tinha matemática. O que apontas no teu post é um dos muitos efeitos de se achar que a matemática não é mais do que um monte de números atirados para um papel ao gosto de quem o escreve.

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