quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Estamos assim tão diferentes?

Sou sempre bastante céptica em relação a argumentos temporais. Sempre que leio um artigo (científico, de opinião, de jornal, etc) que parte da premissa que o mundo, a política - e, de certa forma, a nossa natureza humana - mudaram para pior, tendo a rolar os olhos e a desconfiar. (e estes artigos são muito frequentes)
Duvido que a política nos anos 50 fosse melhor do que agora, porque olho para trás e me parece que Joseph McCarthy é bastante pior do que Trump (ou, pelo menos, igualmente mau). Olho para os anos 60 à distância, e parece-me que ter uma grande fatia da população norte-americana abertamente contra os direitos civis de outra grande fatia da população não é melhor do que agora. Olho para os anos 70, e os crimes de Nixon parecem-me piores que qualquer alegação até hoje feita contra Clinton. Olho para os anos 80 ou 90, e eleger um actor de Hollywood como presidente dos EUA em plena guerra fria ou ter outro presidente a receber sexo oral na sala oval parecem-me distracções nacionais tão ridículas como tanta coisa que já vimos nesta campanha. Olho para os anos '00, e a ingenuidade dos op-eds a defender a invasão e ocupação do Iraque parece-me muito similar à ingenuidade civilizacional de tantas outras épocas.
Da mesma forma, duvido que tenham ocorrido alterações fundamentais na nossa natureza humana, na forma como nos sentimos cidadãos e como nos sentimos em relação aos outros cidadãos. Penso que somos tão egoístas e altruístas, tão desconfiados e simplificadores, tão protectores dos nossos por medo (do movimento histórico, social, político, económico), e tão movidos por circunstâncias pessoais e sociológicas na nossa existência como cidadãos, como sempre fomos naquelas décadas de 50, 60, 70, 80, 90 e 00. Lamento, mas não consigo ver alterações fundamentais.

4 comentários:

  1. BRAVÔ!

    Francamente gostei de ler. Posso não concordar com pequeníssimos aspectos de pormenor relativamente aos exemplos que dá mas na substância e no fulcro do seu post a nossa concordância é total. A natureza humana não mudou, não é nos últimos 50-60 anos mas nos últimos 500-600 anos, mesmo. Podem encontrar-se exemplos identicamente ilustrativos do que aponta indo muito mais atrás. O Senhor Dom João II que o diga, por exemplo. Os Judeus que o sucessor mandou expulsar também podem atestar algo sobre o assunto. Os motivos que levaram Dom Manuel ao anterior são também muito actuais. O mundo gira e regira e continua a girar mas os seres humanos não mudam assim tanto nas suas características básicas.

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  2. Isto torna-se absolutamente claro se abrirmos livros que já tenham séculos ou até milhares de anos. Podem estar a usar palavras num sentido muito diferente do nosso, podem assumir frameworks totalmente diferentes, mas julgo que é claro que estamos a ler os pensamentos de alguém que é fundamentalmente como nós.

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  3. Concordo consigo, e com Zuricher, nos elementos fundamentais.
    Nos pormenores, existe um que me choca: Ronald Reagan não foi APENAS um actor.
    Basta consultar a Wikipédia para "descobrir" que foi também um dirigente sindical (Presidente do Sindicato dos Actores, por dois mandatos) e Governador do Estado da Califórnia durante 8 (oito) anos, ou seja, dois mandatos, entre 1967 e 1975.
    Em qualquer dos cargos, teve a competência política suficiente para conseguir o apoio necessário para ser eleito, e reeleito, e manter-se no cargo durante cada mandato.
    Candidatou-se à nomeação republicana para candidato presidencial em 1976, sem sucesso (ganhou Gerald Ford), e em 1980 conseguiu não só a nomeação mas também a eleição como Presidente.
    Apresentá-lo como um actor que se candidata (e é eleito) a Presidente dos Estados Unidos escamoteia uma actividade política prévia desenvolvida com sucesso e revela profunda ignorância ou desonestidade intelectual.

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  4. Para além de diferenças culturais continuamos a nascer sem capacidades de escrita e leitura gravadas no DNA, aparentemente porque a humanidade apenas começou a aprendê-las há cerca de dez mil anos, e a nossa natureza sexual não mudou. Somos, pois, o mesmo que eram os nossos antepassados ainda que com meios novos, e decisivos, alguns dos quais apenas ficaram disponíveis durante as últimas dezenas de anos.

    E quanto às nossas ligações uns com os outros e de cada um consigo mesmo? A balança entre competir, concorrer e cooperar continua a funcionar de modo semelhante ou há novidades importantes? Fica a pergunta…

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