domingo, 23 de outubro de 2016

Os intelectuais, os comentadores e o seu país

Na sequência do regresso de Vasco Pulido Valente ao espaço público, não resisto a colocar aqui uma das minhas passagens preferidas a respeito do tema "os intelectuais, os comentadores e o seu país." É o excerto final do texto que o António Araújo publicou no seu blog, o Malomil, há já alguns anos e intitulado "A cultura de direita em Portugal." Subscrevo inteiramente o excerto que aqui transcrevo.

"Na verdade, a geração anterior era cosmopolita nas universidades em que se doutorava mas profundamente provinciana, pois a ida para o estrangeiro, ao invés de abrir horizontes, encerrou-a numa visão diletante e snobe da realidade portuguesa. Essa geração, aliás, teve o extremo da presunção: achava que, por nascimento ou por talento possuía uma espécie de direito natural a um estatuto privilegiado, academicamente, socialmente, mediaticamente, financeiramente. Se não tivessem esse estatuto, Portugal não os merecia – e isso seria mais outro sintoma do atraso nacional. Sendo tão clarividentes nas suas crónicas de análise do país, não perceberam o que estava a acontecer em seu redor e, esse é o seu maior «crime». Limitaram-se à crítica puramente intelectual e especulativa, totalmente maldizente, nada fazendo em concreto para evitar os rumos que criticavam. No fundo, era a crítica, a pura crítica, que os animava e mantinha. O balanço final, como é evidente, não podia correr bem. Não admira, pois, o «vencidismo» dessa geração, patente na acidez desgastada das crónicas de Vasco Pulido Valente, lidas muito mais pela inquestionável elegância formal do seu estilo do que pela substância das opiniões nelas expendidas.   
Contudo, esse «vencidismo» já se começa a projectar em alguns jovens intelectuais de direita que, sendo novos, envelheceram rápida e interiormente, devido a Portugal, o «da vidinha» de O’Neill,  o Portugal «questão que tenho comigo mesmo». São muito mais cosmopolitas do que a geração precedente (já nem encomendam livros na Amazon, lêem-nos directamente no Kindle), falam e escrevem à vontade em inglês, a língua franca universal, têm redes de sociabilidades à escala mundial, tiveram experiências de estudo mais ou menos prolongadas na Europa «civilizada» ou nos Estados Unidos. Mas, à semelhança de todos os intelectuais do passado, é uma fatalidade serem incapazes de se libertarem de Portugal, feira cabisbaixa, mesmo quando se fixam no estrangeiro. Assim, como o horizonte que olham é sempre o da pátria, pátria onde não se revêem mas de que não escapam, o seu destino será idêntico, ou pior, do que o da geração precedente. É que esta última ainda tinha empregos seguros no Estado e, agora, pensões de reforma, talvez não tão seguras. Agora, a pulsão da raiva geracional será muito forte. Portanto, é provável que estes jovens tenham a mesma sorte de um Miguel Esteves Cardoso ou de um Paulo Portas. Na melhor das hipóteses, vão acabar a escrever colunas em jornais ou irão tornar-se ministros de Estado. Entre um e outro destino, não sabemos qual será o melhor – ou o pior."

7 comentários:

  1. IsabelPS,

    A sua exclamação recordou-me uma "cena" passada há uns anos, durante o primeiro mandato de Cavaco Silva.

    O presidente de uma grande empresa industrial foi chamado para uma reunião com o recentemente empossado ministro do Planeamento e Mais Qualquer Coisa, os ministérios mudam frequentemente de nomes, como sabe.

    O ministro, homem doutorado e delicado, começava cada pergunta ou afirmação por "senhor engenheiro ..."
    Diga-me, senhor engenheiro ... Certamente, senhor engenheiro ... Senhor engenheiro, isto ...senhor engenheiro, aquilo ...

    Às tantas, o convocado entendeu esclarecer o ministro (doutor engenheiro) que não era engenheiro.

    Ficou estupefacto o ministro, pediu desculpa pelo equívoco, e perguntou, após alguns segundos de hesitação: Mas não sendo engenheiro, o que é que o senhor é?

    Resposta (autêntica) do gestor: Francamente, senhor ministro, o que sou não sei, mas sei o que gostaria de ser. Gostaria de ser duque!

    É inacreditável? Pois parece, mas é autêntica, garanto-lhe.

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    1. Cada um tem a ambição que tem... A outra dizia que mais valia ser rainha uma hora do que duquesa toda a vida!

      E já agora, outra história engraçada acerca de nobres e engenheiros:

      O meu pai passou um dia por uma terra onde tinha um conhecido e resolveu passar pela quinta dele. Entrou por ali dentro, encontrou um trabalhador e perguntou pelo Sr. de Tal. O homem respondeu que o senhor D. Fulano não estava. O meu pai perguntou então pelo filho, o Senhor D. Cicrano. E o homem respondeu que o senhor engenheiro também não estava :-)

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  2. "Bird's Eye View":
    «(...)
    Irritam-me os portugueses que se comprazem em dizer mal de Portugal. Tudo é negro no nosso país e tudo vai ser pior. Esta moda, snob, vem desde os "vencidos da vida", uma tertúlia chique, criada em finais do século XIX, por reputados intelectuais, escritores e aristocratas, como Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, Carlos Mayer, Guerra Junqueiro, António Cândido, marquês de Soveral, conde de Ficalho, Lobo d'Ávila e outros mais, que marcaram a sociedade portuguesa da época, com o seu aristocrático pessimismo e a necessidade que sentiam de idolatrar a França e a cultura francesa.

    O rei D. Carlos era também um apaixonado da França, que visitava regularmente. Era, aliás, mal casado com uma francesa, a rainha D. Amélia de Orleães, e quando ia a Paris, "respirar civilização", comprazia-se, à partida, a dizer aos seus acompanhantes: lá vamos voltar para "a nossa piolheira". Foi esse desprezo por Portugal e pelo Povo Português - sobretudo após a cedência ao ultimato inglês - que conduziu ao 31 de Janeiro, a primeira Revolução Republicana (frustrada) que teve lugar no Porto, e depois ao regicídio e ao 5 de Outubro.
    (...)»
    [Os "vencidos da vida" de hoje (Mário Soares), Rev. Visão 22/Dez./2010]

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  3. Ha quase 25 anos que estou fora de Portugal tendo passado por vários países da Europa ocidental. Devo dizer que muitas vezes tive a oportunidade de constatar quão injustificadas são as críticas dirigidas a Portugal, ao nosso sistema político, aos nossos serviços públicos.

    É certo que somos um país pobre, periférico, vítima da pilhagem sistemática por parte dos nossos inimigos (as Invasões dos exércitos de Napoleão) com o aparente beneplácito dos nossos aliados históricos, subjugados por uma burguesia e um clero.que para além de avessos à cultura e à ciência (especialmente durante a monarquia absolutista e o salazarismo) usaram o acesso à educação como um instrumento de dominação.

    Todavia mau grado estas dificuldades temos vindo a fazer o nosso caminho em muitos domínios. Experimentem dirigir-se a uma repartição pública na muito Europeia Bélgica, ou a algumas das estações de correio do Royal Mail em terras de Sua majestade, procurar comprar algo durante um domingo ou feriado no Luxemburgo ou na Alemanha, ou testar a famigerada livre concorrência entre operadores de comunicações em Bruxelas, os preços reais de electricidade junto dos consumidores finais nalguns destes países. Talvez concluam que há mais países que precisam das tais "reformas estruturais".

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    1. Tendo vivido 20 e tal anos fora, também acho que Portugal é um país médio desenvolvido normal, com coisas que funcionam bem e outras que funcionam mal (mas talvez a diferença que separa umas e outras seja maior do que em outros países desenvolvidos que conheço). E, em minha opinião, it punches above its weight no concerto das nações, ou então somos nós que o vemos mais lingrinhas do que realmente é.

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