segunda-feira, 4 de abril de 2016

"Ah, e tal, os EUA integram tão bem os imigrantes que estes até se tornam políticos de alto gabarito, enquanto na Europa a integração corre tão mal que eles vai e viram terroristas"


A propósito do recente atentado terrorista em Bruxelas, perante o facto de os suicidas serem belgas, ocorreu a alguém a extraordinária teoria de que, ao contrário da Europa, os EUA são tão bons a integrar os estrangeiros que os filhos dos imigrantes, em vez de se meterem na violência, tratam de aspirar a uma fantástica carreira na política, chegando a candidatar-se à presidência. Houve até quem tentasse explicar o êxito na integração do lado de lá do Atlântico pela ausência de um Estado Social. Entretanto esta teoria alastra por aí, e ainda não lhe vi contraditório.
Ora bem: parece que rebentou uma epidemia de Alzheimer, e ninguém me avisou.

Nos EUA já houve dezenas de ataques motivados por extremismo islâmico, e o 11 de Setembro está longe de ter sido o primeiro. Podem consultar uma lista aqui. Fazendo uma lista sumária dos ataques mais recentes:

- San Bernardino, California, 2.12.2015 [A 'very religious' Muslim shoots up a Christmas party with his wife, leaving fourteen dead.] Syed Rizwan Farook, o  'very religious' Muslim, nasceu em Chicago, filho de paquistaneses, e era cidadão dos EUA.

- Chattanooga, Tennessee, 16.07.2015 [A 'devout Muslim' stages a suicide attack on a recruiting center at a strip mall and a naval center which leaves five dead.] Muhammad Youssef Abdulazeez tinha seis anos quando emigrou com a família para os EUA. Em 2003 naturalizou-se cidadão dos EUA.

- Boston, Massachusetts, 15.4.2013 [Foreign-born Muslims describing themselves as 'very religious' detonate two bombs packed with ball bearings at the Boston Marathon, killing three people and causing several more to lose limbs.] Dzhokhar Tsarnaev e Tamerlan Tsarnaev tinham 11 e 18 anos quando a família emigrou para os EUA, em 2002.

- Fort Hood, Texas, 5.11.2009 [A Muslim psychiatrist guns down thirteen unarmed soldiers while yelling praises to Allah.] Nidal Hasan nasceu na Virgínia, filho de palestinianos.

- Seattle, Washington, 28.7.2006 [An 'angry' Muslim-American uses a young girl as hostage to enter a local Jewish center, where he shoots six women, one of whom dies.] Naveed Afzal Haq era filho de paquistaneses.

Quanto à segunda parte da afirmação, "nos EUA os filhos dos imigrantes podem aspirar a uma carreira política, na Europa não podem":

- O pai de Nikolas Sarkozy era um emigrante húngaro.

- No Parlamento alemão, 5% dos deputados são descendentes de imigrantes, e um terço destes vêm de famílias turcas. Cem Özdemir, filho de turcos, é o chefe dos Verdes. Aygül Özkan, proveniente de uma família turca, desempenhou um cargo de ministro na Alemanha. Há vários muçulmanos em lugares importantes da política alemã. O que eu não sei, e gostava de saber: quantos políticos muçulmanos chegam a lugares de topo nos EUA?

- António Costa é filho de um goês "descendente direto por varonia de Marada Poi, Brâmane Gaud Saraswat do século XVI" (li na wikipedia)

Alguém quer continuar a lista?



18 comentários:

  1. Acho que o mais importante é que nos EUA são casos isolados, o que é mais difícil de prever--os americanos não perdoam falhanços em série; mas na Europa, estes três últimos atentados estavam ligados, logo é estranho que tivessem acontecido, especialmente o de Bruxelas, pois as autoridades foram avisadas com vários dias de antecedência de que a cidade ia ser um alvo.

    O atentado de Boston foi um problema de integração: o jovem mais velho foi impedido de competir representando os EUA. Ele queria ir aos jogos olímpicos. Para além disso, o estatuto de emigração deles era muito maluco: eram residentes mas eram tratados como criminosos, pois nem podiam sair do país sem pedir autorização. Nesse caso, os EUA agiram muito mal.

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    1. E os tipos de San Bernardino? Ou o Major Nidal Hassan? (E isto para pegar só nos muçulmanos...)

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    2. Mas tu também tens brancos malucosm e.g, Timothy McVeigh, Adam Lanza. É mesmo "igualdade de oportunidade" na América. Bem, a Noruega também teve pelo menos um branco maluco: Anders Breivik.

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    3. E os Beltway Sniper Attacks na zona de DC? Um dos homens até se chamava Muhammad, mas o motivo foi passional. https://en.wikipedia.org/wiki/Beltway_sniper_attacks

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    4. Aí está e concordo com o "argumento" da Helena: a ideia que não há ataques terroristas (islâmicos) nos EUA porque "assimilam" os emigrantes é treta. Não há porque há menos emigrantes muçulmanos (especialmente arábes ou magrebinos) e os que há não se encontram "concentrados" como acontece na Europa.

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    5. Isso mesmo. A ideia de que nos EUA a integração corre bem e na Europa corre mal é treta. E a ideia que só nos EUA é que os filhos dos estrangeiros vão longe na carreira política é outra treta.
      Rita, os atacantes são casos isolados, mas são fundamentalistas.
      Talvez haja uma explicação suplementar para a ausência de casos de ataques planeados em nome do ISIS ou da al Qaeda: o PATRIOT ACT, que permite uma vigilância muitíssimo mais apertada. Seria interessante conhecer o número de ataques que a polícia detectou na fase de planeamento. Sabes esses números?

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    6. "Seria interessante conhecer o número de ataques que a polícia detectou na fase de planeamento. Sabes esses números?"

      É impossível saber. repara que mesmo que houvesse dados (oficiais ou não) estes nunca seriam sindicáveis.

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    7. Luís, na Alemanha é notícia. Pelo menos os casos mais importantes, como o grupo que andava a juntar materiais para fazer uma bomba muito potente, que a polícia andou a observar durante meses, num esforço que ocupou 600 agentes. Falou-se muito disto, porque o Ministro do Interior (o actual ministro das Finanças) disse que é preciso mudar a lei e permitir ao Estado entrar nos computadores pessoais, porque não há dinheiro para todo este aparato policial.
      Há um factor que se repete em todas as notícias sobre atentados que foram evitados: começa com uma informação vinda dos colegas nos EUA. Por isso suspeito que seja muito difícil ao Daesh, à al Qaeda, etc. fazer um ataque organizado nos EUA.

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    8. O que dizes é, obviamente, sugestivo. Mas continua-me a parecer que esse tipo de declarações não são sindicáveis.

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    9. Pode ser que não tenhamos acesso a todas as informações. Mas uma busca rápida no google leva-me a inúmeros sites de jornais onde se listam os atentados que a polícia descobriu a tempo (um deles foi pura sorte: as bombas não explodiram).
      Nesta notícia (http://www.focus.de/politik/deutschland/muench-fuer-vorratsdatenspeicherung-bka-chef-warnt-gefahrenpotenzial-bei-islamistischem-terrorismus-steigt_id_4680803.html), de Maio de 2015, o chefe da polícia diz
      que a partir de 2000 foram impedidos 12 ataques islâmicos, e que há na Alemanha 289 pessoas que se suspeita possam ser autores de futuros atentados. As regiões que correm mais risco são Nordrhein-Westfalen e Berlim, além de uma ou outra cidade com um núcleo importante de islamistas, como Frankfurt.
      Já estás a ver: a maratona de Berlim é mais do tipo "extrem adventure"...
      (sim, estou-me a rir para não chorar)

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    10. Adenda: na semana passado, o número de islamistas potencialmente muito perigosos já ia em 470.
      http://www.handelsblatt.com/politik/deutschland/terror-elf-terroranschlaege-in-deutschland-vereitelt/13375780.html

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    11. "Pode ser que não tenhamos acesso a todas as informações."
      Não é sindicável. Uma polícia competente e discreta não publicita os atentados que impediu. números destes, simplesmente não são sindicáveis e, portanto, não é possível usá-los para fazer comparações internacionais.

      "There are things we know that we know. There are known unknowns. That is to say there are things that we now know we don't know. But there are also unknown unknowns. There are things we do not know we don't know." -- Donald Rumsfeld

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  2. No entanto, acho que os americanos, no geral, integram bem os estrangeiros--mas também depende um bocado do sítio. E muitos dos estrangeiros que não se integram é porque não se querem integrar -- ou por medo, ou por uma preferência pessoal.

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    1. Isso não está em questão, Rita. O que está é os EUA serem uma espécie de "Oásis" para a emigração. Em termos de integração tens actualmente basicamente (com adaptações) dois "tipos" de modelos: o multiculturalista, que tem em conta as diferentes culturas e especialmente a relação entre a cultura "nativa" e os emigrantes; e o assimilacionista, em que existe uma cultura "nativa" oficial, tendo os emigrantes que se sujeitar a esta.

      O assimilacionismo é muito pouco comum no Ocidente porque é visto como uma forma de opressão. O que tens mais perto disso (e em versão "soft") era a política francesa face aos emigrantes, que incentiva todos a serem "Françaises", diluindo ou eliminado a médio prazo a nacionalidade de origem.

      No multiculturalismo tens duas "grandes" subdivisões: o multiculturalismo puro, em que existe uma separação efectiva de culturas, sendo que defende que todas elas são iguais em termos de importância e devem ser respeitadas - podes ver, por exemplo, no Reino Unido, com zonas "puras" de emigrantes; e tens o interculturalismo que, aceitando a existência de diversas culturas, acha que a melhor solução é a aproximação entre as mesmas, "miscenizando" as mesmas. Os EUA aproximam-se um pouco disso.`

      A verdade é que todas elas deram asneira: ou porque criaram indefinição cultural (2as gerações de "assimilados" e algumas 1as gerações interculturalistas), ou guetizaram (multiculturalismo puro), ou criaram atritos com a cultura "nativa" (interculturalismo e algum multiculturalismo puro) ou levaram a coisas mais graves (pelo menos pelo nosso ponto de vista) como genocídio cultural (assimilação).

      A verdade é que os únicos dois modelos que funcionaram razoavelmente a longo prazo foi uma separação étnica estrita (como aconteceu com a Grécia e a Turquia no pós-término do Império Otomano, com deportações em massa de populações, criando países etnicamente e culturalmente homogéneos) ou então na criação de países novos (como os EUA) em que, há falta de uma cultura nativa "oficial", se cria uma cultura mista. Mas mesmo essa tem tendência a cristalizar-se, como podes ver na actual campanha eleitoral.

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    2. Carlos Duarte, gostei muito de ler o seu post mas deixa-me uma dúvida. Neste contexto específico porque vê como muito grave a assimilação a que chama genocídio cultural? Desde onde vejo o assunto diria não apenas que é algo muito positivo como até desejavel que aconteça. Quem vai viver para o seio duma cultura diferente deve adaptar-se aos hábitos dessa cultura. Tudo bem que, se quiser, mantenha aqueles aspectos das suas origens que não colidam com a cultura de acolhimento mas, se os perder, parece-me que não só não vem daí mal nenhum ao mundo como, pelo contrário, vem o enorme benefício de se anular o potencial para conflitos. O termo "genocídio cultural" aqui parece-me abusivo, sinceramente. Uma coisa é apagar uma cultura no sítio onde ela existe e é maioritária. Isto sim, vejo como negativo. Outra coisa bem diferente é que os elementos que dela saem e se acolhem numa outra percam os seus hábitos. Aqui não vejo problema absolutamente nenhum.

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    3. Zuricher, eu não disse que a assimilação era genocídio cultural mas que se podia, no limite, tornar em genocídio cultural (o entre parêntesis, e se vir a estrutura da frase, indicava a que "tipo" de modelo o risco se reportava).

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  3. Claro que integram. A não integração sai muito cara nos EUA. Uma série de parvoíces que existem na Europa e permitem aos imigrantes deixar de cumprir com certas regras e normas com a desculpa de que, coitadinhos, têm outra cultura, outros princípios e idiotices afins não existem nos EUA. própria legalização de imigrantes ilegais que, na Europa é relativamente simples na maioria dos países, nem sequer existe nos EUA. O próprio processo de imigração para os EUA é muito mais difícil do que para a maioria dos países Europeus porque, claro, eles têm a noção de que a imigração serve primordialmente as necessidades dos países de acolhimento e só em segundo lugar às dos imigrantes. Tudo junto leva a que a integração seja muito mais real nos EUA do que na Europa. Nos países Europeus a não integração é uma opção. Nos EUA, na pratica, não.

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  4. O número de políticos provenientes de minorias étnicas ou religiosas não me parece ser obrigatoriamente a melhor bitola para aferir a integração do respectivo grupo. Por exemplo: até hoje, os EUA só tiveram um presidente católico, e ninguém vai daí concluir que os católicos não estejam integrados ou sejam marginalizados. Mais: não houve até hoje um único presidente judeu (e apenas um candidato judeu no "ticket" de um dos partidos, o Senador Joe Lieberman, candidato vice-presidencial pelo Partido Democrático em 2000 (Bernie Sanders é judeu, e na inverosímil hipótese de vir a ser o candidato presidencial democrático, seria um pioneiro, portanto). E, contudo, os judeus estão perfeitamente integrados na sociedade americana.

    Na Europa Continental, onde os judeus também estão (agora...e felizmente) bem integrados, também não me ocorrem exemplos de políticos judaicos de nomeada (disse "Europa Continental" porque a história é diferente no Reino Unido, onde os judeus há largo tempo estão bem integrados e onde, já no século XIX, houve um primeiro-ministro judeu, Benjamin Disraeli, acrescendo que os anteriores líderes do Partido Conservador e do Partido Trabalhista, Michael Howard e Ed Miliband, respectivamente) eram ambos judeus - o segundo, inclusivamente, filho de uma sobrevivente do Holocausto).

    Nota: há Welfare State nos EUA. O facto de não ser tão "cradle-to-grave" como na Europa não significa que não seja, na mesma, um Welfare State.

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